Taís Lorrane Ribas Moreira
RESUMO
O presente artigo científico analisa o papel fundamental das tutelas de urgência na garantia da efetividade da jurisdição civil brasileira. A pesquisa examina como os institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar, unificados pelo Código de Processo Civil de 2015, constituem instrumentos essenciais para evitar o perecimento do direito durante o curso processual.
O estudo aborda a evolução histórica desses institutos, seus requisitos legais, a distinção entre tutelas antecipadas e cautelares, bem como sua aplicação prática nos tribunais brasileiros. Mediante análise doutrinária e jurisprudencial, demonstra-se que as tutelas de urgência representam concretização do princípio da efetividade processual e do acesso à justiça, constitucionalmente assegurados.
A metodologia empregada consiste em revisão bibliográfica da doutrina processual civil, análise da legislação pertinente e exame de jurisprudência dos tribunais superiores. Conclui-se que as tutelas de urgência são indispensáveis ao Estado Democrático de Direito, pois garantem que o processo judicial não se torne meio de perpetuação da injustiça, conferindo proteção tempestiva aos direitos materiais ameaçados ou violados. O trabalho também identifica desafios contemporâneos na aplicação dessas medidas, incluindo questões relacionadas à fundamentação judicial, à reversibilidade dos efeitos e à tutela de evidência.
Palavras-chave:
Tutelas de urgência. Efetividade processual. Tutela antecipada. Tutela cautelar. Código de Processo Civil.
ABSTRACT
This scientific article analyzes the fundamental role of urgent guardianships in guaranteeing the effectiveness of Brazilian civil jurisdiction. The research examines how the institutes of preliminary injunction and precautionary measures, unified by the 2015 Code of Civil Procedure, constitute essential instruments to prevent the perishing of rights during legal proceedings.
The study addresses the historical evolution of these institutes, their legal requirements, the distinction between preliminary and precautionary measures, as well as their practical application in Brazilian courts. Through doctrinal and jurisprudential analysis, it is demonstrated that urgent guardianships represent the realization of the principle of procedural effectiveness and access to justice, constitutionally guaranteed.
The methodology employed consists of a bibliographic review of civil procedural doctrine, analysis of relevant legislation, and examination of jurisprudence from higher courts. It is concluded that urgent guardianships are indispensable to the Democratic Rule of Law, as they ensure that judicial proceedings do not become a means of perpetuating injustice, providing timely protection to threatened or violated material rights. The work also identifies contemporary challenges in applying these measures, including issues related to judicial reasoning, reversibility of effects, and evidence-based protection.
Keywords:
Urgent guardianships. Procedural effectiveness. Preliminary injunction. Precautionary measures. Code of Civil Procedure.
1. INTRODUÇÃO
A efetividade da jurisdição constitui um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, representando a concretização prática do acesso à justiça consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
No ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio encontra materialização nas tutelas de urgência, instrumentos processuais destinados a garantir que o decurso do tempo necessário ao trâmite processual não comprometa a utilidade da prestação jurisdicional.
O Código de Processo Civil de 2015 promoveu significativa reforma no sistema de tutelas provisórias, unificando sob a denominação de "tutelas de urgência" os institutos anteriormente conhecidos como medidas cautelares e tutela antecipada. Essa sistematização, prevista nos artigos 294 a 311 do diploma processual, buscou conferir maior racionalidade e eficiência ao sistema protetivo dos direitos em litígio, reconhecendo que a demora na prestação jurisdicional pode equivaler à própria denegação de justiça.
A relevância das tutelas de urgência transcende o aspecto meramente técnico-processual, inserindo-se no contexto mais amplo dos direitos fundamentais processuais. Como observa parcela significativa da doutrina contemporânea, a garantia de uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva constitui direito fundamental intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e à própria razão de ser do Poder Judiciário.
O presente trabalho científico tem como objetivo geral analisar o papel desempenhado pelas tutelas de urgência na garantia da efetividade da jurisdição civil brasileira. Como objetivos específicos, busca-se: compreender a evolução histórica e o tratamento legislativo das tutelas de urgência no ordenamento processual brasileiro; examinar os requisitos e pressupostos para a concessão das tutelas de urgência de natureza cautelar e antecipada; investigar a distinção e as especificidades de cada modalidade de tutela urgente; analisar a aplicação jurisprudencial desses institutos pelos tribunais brasileiros; e avaliar os desafios contemporâneos na efetivação dessas medidas protetivas.
A problemática que orienta esta investigação pode ser formulada nos seguintes termos: de que forma as tutelas de urgência contribuem para a efetividade da jurisdição civil e quais os principais desafios enfrentados na sua aplicação prática? A hipótese preliminar que norteia a pesquisa sustenta que as tutelas de urgência constituem instrumentos essenciais e insubstituíveis para a garantia da efetividade processual, atuando como verdadeira salvaguarda contra o risco de perecimento do direito material durante o curso do processo.
A metodologia empregada neste estudo consiste em pesquisa qualitativa de natureza exploratória e descritiva, mediante revisão bibliográfica da doutrina processual civil brasileira, análise sistemática da legislação pertinente, com ênfase no Código de Processo Civil de 2015 e na Constituição Federal, e exame crítico da jurisprudência consolidada pelos tribunais superiores, especialmente o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
A estrutura do trabalho desenvolve-se em cinco seções principais, além desta introdução e das considerações finais. Inicialmente, apresenta-se o contexto histórico e a evolução legislativa das tutelas de urgência no direito processual brasileiro. Em seguida, examina-se o fundamento constitucional da efetividade processual e sua relação com as tutelas urgentes. A terceira seção dedica-se à análise dos requisitos e pressupostos das tutelas de urgência. A quarta aborda as modalidades específicas de tutela urgente e suas características distintivas. Por fim, a quinta seção investiga a aplicação jurisprudencial e os desafios contemporâneos na efetivação dessas medidas.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO
A compreensão adequada do instituto das tutelas de urgência exige uma análise histórica de sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro. Essa trajetória revela não apenas mudanças legislativas, mas também transformações na própria concepção do processo civil e de suas finalidades.
No Código de Processo Civil de 1939, o sistema de tutelas provisórias fundava-se essencialmente no processo cautelar, concebido como procedimento autônomo e acessório destinado a assegurar o resultado útil do processo principal. A doutrina da época, fortemente influenciada pelo pensamento de Piero Calamandrei, compreendia as medidas cautelares como instrumentais em relação ao processo de conhecimento ou de execução, destinando-se exclusivamente a garantir a eficácia prática da futura decisão definitiva.
O Código de Processo Civil de 1973 manteve, em sua redação original, a sistemática do processo cautelar autônomo, disciplinando-o em livro próprio. As medidas cautelares típicas e atípicas visavam prevenir dano iminente ou assegurar o resultado útil do processo, caracterizando-se pela instrumentalidade, provisoriedade e referibilidade ao direito acautelado.
Um marco fundamental na evolução das tutelas de urgência ocorreu com a Lei n. 8.952/1994, que introduziu no ordenamento processual brasileiro a tutela antecipada, prevista nos artigos 273 e 461 do CPC/1973. Essa inovação legislativa representou verdadeira ruptura paradigmática, pois, diferentemente das medidas cautelares tradicionais, a tutela antecipada possibilitava a antecipação dos próprios efeitos da tutela jurisdicional final, satisfazendo provisoriamente a pretensão deduzida pelo autor.
A convivência entre tutela antecipada e medidas cautelares gerou intensos debates doutrinários e jurisprudenciais acerca dos limites e distinções entre ambos os institutos. Parte da doutrina identificava na tutela cautelar função exclusivamente conservativa ou assecuratória, enquanto a tutela antecipada possuiria natureza satisfativa. Outras correntes sustentavam critérios de distinção baseados na autonomia ou dependência em relação ao mérito da causa.
O Código de Processo Civil de 2015 promoveu profunda reformulação sistemática das tutelas provisórias, unificando sob o título de "tutela de urgência" as antigas medidas cautelares e a tutela antecipada. Essa unificação não representou mera alteração terminológica, mas sim uma reestruturação conceitual que reconhece a urgência como elemento comum a ambas as modalidades, distinguindo-as essencialmente pela natureza cautelar ou antecipada da medida.
A nova sistemática processual abandonou o processo cautelar autônomo, inserindo as tutelas de urgência como incidentes no próprio processo principal, seja em caráter antecedente ou incidental. Essa modificação atende aos princípios da economia processual e da efetividade, evitando a multiplicação desnecessária de demandas e conferindo maior celeridade à prestação jurisdicional.
3. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA EFETIVIDADE PROCESSUAL E AS TUTELAS DE URGÊNCIA
As tutelas de urgência encontram seu fundamento axiológico e normativo no próprio texto constitucional, particularmente nos princípios e garantias fundamentais relacionados ao acesso à justiça e à efetividade da prestação jurisdicional.
O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Essa norma consagra não apenas o direito de ação e o acesso formal aos tribunais, mas também a garantia de uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. A doutrina constitucional contemporânea reconhece que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva abrange não só o direito de demandar, mas também o direito a uma resposta judicial em tempo razoável e capaz de produzir efeitos práticos na realidade fática.
A Emenda Constitucional n. 45/2004 reforçou essa perspectiva ao acrescentar o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, assegurando a todos, no âmbito judicial e administrativo, "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Esse dispositivo constitucional explicita a dimensão temporal do direito fundamental ao processo justo, reconhecendo que a demora excessiva na prestação jurisdicional pode comprometer irremediavelmente a efetividade da tutela dos direitos.
Nesse contexto, as tutelas de urgência surgem como instrumentos processuais destinados a concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Ao permitir a antecipação provisória dos efeitos da tutela final ou a adoção de medidas assecuratórias, essas técnicas processuais evitam que o transcurso temporal inerente ao processo comprometa a utilidade prática da decisão definitiva.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido reiteradamente a dimensão constitucional das tutelas de urgência. Em diversas decisões, a Corte Suprema afirmou que a concessão de medidas urgentes representa exercício legítimo da jurisdição e concretização do acesso à justiça, desde que presentes os requisitos legais e observados os limites constitucionais, especialmente os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais.
Importante ressaltar que a efetividade processual garantida pelas tutelas de urgência não pode ser compreendida como valor absoluto, devendo harmonizar-se com outros princípios constitucionais igualmente relevantes, como a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa. O equilíbrio entre urgência e segurança constitui desafio permanente na aplicação concreta dessas medidas, exigindo do magistrado ponderação adequada dos valores em conflito.
A doutrina processual contemporânea também destaca a relação entre as tutelas de urgência e o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Segundo essa perspectiva, de nada adiantaria garantir formalmente o acesso ao Judiciário se a tutela jurisdicional chegasse tardiamente, quando o direito já estivesse perecido ou irreparavelmente comprometido. As tutelas de urgência operacionalizam, portanto, a própria garantia constitucional de acesso à justiça, conferindo-lhe dimensão substancial e efetiva.
4. REQUISITOS E PRESSUPOSTOS DAS TUTELAS DE URGÊNCIA
A concessão das tutelas de urgência submete-se a requisitos específicos estabelecidos pelo Código de Processo Civil, cuja presença deve ser demonstrada pela parte requerente e apreciada fundamentadamente pelo magistrado. Esses requisitos constituem condicionantes legais destinadas a assegurar que a antecipação da tutela ou a medida cautelar sejam concedidas apenas quando efetivamente necessárias e juridicamente adequadas.
O artigo 300 do CPC/2015 estabelece os requisitos genéricos aplicáveis a todas as tutelas de urgência, seja de natureza cautelar ou antecipada: elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Esses requisitos correspondem, na terminologia tradicional, ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, reformulados pelo legislador contemporâneo.
A probabilidade do direito consiste na demonstração, mediante cognição sumária, de que a pretensão deduzida pelo requerente possui fundamento jurídico plausível e probabilidade de acolhimento ao final do processo. Não se exige prova inequívoca ou certeza absoluta acerca da existência do direito alegado, mas apenas elementos que tornem verossímil a alegação, criando no julgador juízo de probabilidade suficiente para justificar a antecipação provisória da tutela.
A análise da probabilidade do direito realiza-se mediante cognição sumária, caracterizada pela menor profundidade no exame das questões de fato e de direito. Essa cognição superficial justifica-se pela própria natureza provisória e reversível das tutelas de urgência, que não produzem coisa julgada material e podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo.
O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo constitui o segundo requisito essencial das tutelas de urgência. Esse requisito evidencia a dimensão temporal da tutela jurisdicional, reconhecendo que a demora no provimento definitivo pode causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao direito alegado. O perigo deve ser concreto, atual e iminente, não se admitindo a concessão de tutela urgente com base em risco meramente hipotético ou remoto.
A jurisprudência dos tribunais superiores consolidou entendimento no sentido de que a demonstração do periculum in mora exige a comprovação de que a ausência da medida urgente poderá tornar inútil ou significativamente menos eficaz a tutela jurisdicional definitiva. Não basta, portanto, a mera alegação genérica de urgência, sendo necessária a demonstração específica dos riscos decorrentes da demora processual.
Além dos requisitos gerais previstos no artigo 300, o CPC/2015 estabelece requisitos específicos para determinadas modalidades de tutela urgente. A tutela antecipada requerida em caráter antecedente, por exemplo, submete-se à regra do artigo 303, que exige a comprovação da urgência contemporânea à propositura da ação e impõe ao autor o ônus de aditar a petição inicial em prazo determinado.
A concessão de tutela de urgência de ofício pelo juiz, prevista no parágrafo único do artigo 297, constitui exceção ao princípio da inércia da jurisdição e somente se admite quando se tratar de tutela de evidência. Nas tutelas de urgência propriamente ditas, prevalece o entendimento de que a iniciativa deve partir da parte interessada, sob pena de violação da imparcialidade judicial.
Importante destacar que os requisitos das tutelas de urgência não são estanques ou matematicamente definidos, exigindo do magistrado análise casuística das peculiaridades do caso concreto. A ponderação entre a probabilidade do direito e o perigo de dano deve considerar não apenas os interesses da parte requerente, mas também os direitos da parte contrária e os valores sociais envolvidos na controvérsia.
5. MODALIDADES DE TUTELA DE URGÊNCIA: CAUTELAR E ANTECIPADA
O Código de Processo Civil de 2015, embora tenha unificado sob a denominação comum de "tutela de urgência" os institutos anteriormente distintos, manteve a diferenciação substancial entre tutela cautelar e tutela antecipada, em razão das funções diversas que cada uma desempenha no sistema processual.
A tutela de urgência de natureza cautelar, prevista no artigo 301 do CPC/2015, destina-se essencialmente a assegurar o resultado útil do processo ou garantir a eficácia da futura decisão de mérito. Caracteriza-se por sua função conservativa ou assecuratória, não antecipando a satisfação do direito material alegado, mas apenas adotando medidas destinadas a preservar situações jurídicas ou fáticas que possam ser comprometidas pelo decurso do tempo.
As medidas de natureza cautelar apresentam como traço distintivo a referibilidade ao direito acautelado. Isso significa que a providência cautelar não satisfaz diretamente o direito material pleiteado, mas apenas assegura que a tutela definitiva, quando concedida, possa produzir seus efeitos práticos. São exemplos clássicos de tutela cautelar o arresto, o sequestro, a produção antecipada de provas e a busca e apreensão.
A tutela de urgência de natureza antecipada, por sua vez, caracteriza-se pela antecipação provisória dos próprios efeitos da tutela final, satisfazendo, ainda que provisoriamente, a pretensão deduzida em juízo. Diferentemente da tutela cautelar, que possui função meramente assecuratória, a tutela antecipada apresenta caráter satisfativo, proporcionando ao requerente, desde logo, os benefícios práticos que ele obteria com o provimento definitivo favorável.
A distinção entre tutela cautelar e antecipada possui relevância prática significativa, especialmente no que concerne à estabilização da tutela antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC/2015. Esse instituto, aplicável exclusivamente à tutela antecipada, permite que a decisão que concede a medida urgente em caráter antecedente torne-se estável caso não seja impugnada pela parte adversa, produzindo efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada.
A estabilização da tutela antecipada representa significativa inovação do CPC/2015, permitindo que determinadas situações jurídicas sejam resolvidas de forma mais célere e eficiente, sem necessidade de prosseguimento no processo de conhecimento até sentença de mérito. Trata-se de técnica processual que privilegia a efetividade e a economia processual, embora suscite debates doutrinários acerca de sua natureza jurídica e compatibilidade com o sistema de coisa julgada.
A jurisprudência tem enfrentado questões relevantes acerca da fungibilidade entre tutela cautelar e antecipada. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, estando presentes os requisitos legais, o juiz pode conceder tutela de urgência com conteúdo diverso do requerido pela parte, desde que respeitados os limites do pedido e observado o contraditório.
Tanto a tutela cautelar quanto a antecipada podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental. A tutela antecedente formula-se antes ou simultaneamente à petição inicial, antecedendo o pedido principal, enquanto a tutela incidental requer-se no curso do processo já instaurado. O CPC/2015 disciplina detalhadamente o procedimento da tutela antecedente nos artigos 303 e 304, estabelecendo requisitos específicos e prazos para aditamento da inicial.
A concessão de tutela de urgência, seja cautelar ou antecipada, deve sempre observar o requisito da reversibilidade dos efeitos, conforme determina o parágrafo 3º do artigo 300 do CPC/2015. Esse dispositivo veda a concessão de tutela urgente quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, protegendo a parte adversa contra prejuízos irreparáveis decorrentes de medidas provisórias posteriormente revogadas.
6. APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
A aplicação prática das tutelas de urgência pelos tribunais brasileiros revela tanto os avanços conquistados quanto os desafios persistentes na efetivação desse importante instrumento processual. A análise jurisprudencial permite identificar tendências interpretativas, controvérsias recorrentes e questões emergentes na matéria.
O Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado consistentemente a importância das tutelas de urgência para a efetividade processual, reconhecendo a necessidade de interpretação adequada dos requisitos legais à luz dos direitos fundamentais. A jurisprudência superior consolidou diversos entendimentos relevantes, tais como: a possibilidade de concessão de tutela de urgência em face da Fazenda Pública, desde que observadas as restrições legais específicas; a admissibilidade de antecipação de tutela contra a literalidade de lei, quando esta for objeto de controle concentrado de constitucionalidade; e a necessidade de fundamentação específica e concreta para concessão ou denegação de medidas urgentes.
Um dos principais desafios contemporâneos na aplicação das tutelas de urgência relaciona-se à adequada fundamentação das decisões judiciais. O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. Tratando-se de tutelas de urgência, a fundamentação assume especial relevância, pois a decisão liminar interfere provisoriamente na esfera jurídica das partes com base em cognição sumária.
A jurisprudência tem enfrentado situações em que a fundamentação da decisão concessiva ou denegatória de tutela urgente mostra-se genérica, baseada em fórmulas padronizadas que não analisam especificamente os elementos do caso concreto. Esse déficit argumentativo compromete não apenas a legitimidade da decisão, mas também dificulta o exercício do direito de defesa e a eventual impugnação recursal.
Outra questão relevante diz respeito à aplicação do requisito da reversibilidade dos efeitos da decisão. O parágrafo 3º do artigo 300 estabelece que a tutela de urgência não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos. Contudo, a jurisprudência tem reconhecido que esse dispositivo não pode ser interpretado de forma absoluta, sob pena de inviabilizar completamente a concessão de tutelas antecipadas de natureza satisfativa.
Os tribunais superiores construíram entendimento segundo o qual o requisito da reversibilidade deve ser ponderado com a probabilidade do direito e a gravidade do perigo de dano. Quando o direito alegado apresenta elevada probabilidade e o risco de dano for extremamente grave, admite-se a concessão de tutela urgente mesmo que seus efeitos sejam de difícil reversão, especialmente quando a não concessão da medida puder causar prejuízos ainda mais graves e irreversíveis.
A tutela de urgência em matéria de direitos indisponíveis, especialmente no âmbito do direito público, constitui tema de intenso debate jurisprudencial. O artigo 1º da Lei n. 8.437/1992 e o artigo 1º da Lei n. 9.494/1997 estabelecem restrições à concessão de tutelas de urgência contra atos do Poder Público, exigindo que a decisão seja fundamentada em audiência prévia com o representante judicial da pessoa jurídica de direito público. A jurisprudência tem relativizado essas restrições quando presentes os requisitos do artigo 300 do CPC e demonstrada situação de excepcional urgência que justifique a proteção imediata do direito fundamental em jogo.
A estabilização da tutela antecipada antecedente, novidade introduzida pelo CPC/2015, tem gerado controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca de sua natureza jurídica e extensão. Questiona-se se a decisão estabilizada produz coisa julgada material, se pode ser modificada em ação autônoma de revisão, e quais os efeitos da estabilização sobre a prescrição e a decadência. A jurisprudência ainda está em processo de consolidação sobre esses pontos, existindo posicionamentos divergentes nos tribunais.
Desafio significativo também se apresenta na concessão de tutelas de urgência em demandas coletivas e de massa. Nesses casos, a decisão liminar pode produzir efeitos sobre número indeterminado de pessoas e envolver questões de grande complexidade fática e jurídica. A jurisprudência tem exigido cautela redobrada na análise dos requisitos, considerando o potencial impacto social e econômico da medida urgente.
A utilização de novas tecnologias no processo judicial também impacta as tutelas de urgência. A possibilidade de peticionamento eletrônico, realização de audiências virtuais e acesso remoto aos autos viabiliza maior celeridade na análise e concessão de medidas urgentes. Por outro lado, surgem questões relacionadas à segurança das comunicações processuais e à garantia do contraditório no ambiente digital.
A pandemia de COVID-19 evidenciou a importância das tutelas de urgência como instrumento de proteção de direitos fundamentais em situações de crise. Os tribunais brasileiros defrontaram-se com volume expressivo de demandas urgentes envolvendo questões sanitárias, trabalhistas, contratuais e de direito público, o que exigiu adaptação dos procedimentos e reafirmação do papel das medidas urgentes na garantia do acesso efetivo à justiça.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida ao longo deste trabalho permite concluir que as tutelas de urgência desempenham papel fundamental e insubstituível na garantia da efetividade da jurisdição civil brasileira. Como demonstrado, esses instrumentos processuais concretizam direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, especialmente o acesso à justiça e a razoável duração do processo, evitando que o decurso temporal necessário ao trâmite processual comprometa irremediavelmente a proteção dos direitos materiais.
A evolução histórica das tutelas de urgência no ordenamento processual brasileiro revela progressiva conscientização acerca da necessidade de instrumentos adequados à tutela tempestiva dos direitos. A unificação promovida pelo Código de Processo Civil de 2015, embora mantenha a distinção funcional entre tutela cautelar e antecipada, representou avanço significativo na sistematização e racionalização dessas técnicas processuais.
Os requisitos legais para concessão das tutelas de urgência, especialmente a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, constituem garantias de equilíbrio entre a necessidade de proteção urgente e a segurança jurídica. A aplicação adequada desses requisitos exige do magistrado análise casuística e fundamentada, ponderando os valores em conflito e as peculiaridades do caso concreto.
A distinção entre tutela cautelar, de natureza assecuratória, e tutela antecipada, de caráter satisfativo, mantém relevância prática e dogmática no sistema processual vigente, especialmente em razão do instituto da estabilização da tutela antecipada. Essa diferenciação funcional permite que o ordenamento processual ofereça resposta adequada às diversas situações de urgência que podem ocorrer no curso do litígio.
A análise jurisprudencial demonstra que os tribunais brasileiros têm aplicado as tutelas de urgência de forma crescentemente comprometida com a efetividade processual, embora persistam desafios relacionados à fundamentação das decisões, à ponderação entre reversibilidade e urgência, e à aplicação dessas medidas em contextos específicos como demandas contra a Fazenda Pública e ações coletivas.
Os desafios contemporâneos identificados, incluindo questões relacionadas à estabilização da tutela antecipada, à aplicação de novas tecnologias no processo judicial e à tutela urgente em situações de crise, demonstram que o tema permanece atual e em constante evolução. A doutrina e a jurisprudência devem continuar aprimorando a compreensão e aplicação desses institutos, sempre orientadas pelos valores constitucionais do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva.
Conclui-se, portanto, que as tutelas de urgência constituem elemento essencial do Estado Democrático de Direito, representando a concretização prática do compromisso constitucional com a justiça célere e efetiva. Sem esses instrumentos processuais, o direito de acesso aos tribunais poderia converter-se em garantia meramente formal, incapaz de assegurar proteção real e tempestiva aos direitos fundamentais.
A efetividade da jurisdição civil, objetivo último das tutelas de urgência, não se resume à celeridade processual, mas compreende a adequação, a tempestividade e a capacidade da tutela jurisdicional de produzir efeitos concretos na realidade fática. Nessa perspectiva, as tutelas de urgência emergem como instrumentos indispensáveis à própria legitimação do Poder Judiciário e à realização da justiça no caso concreto.
Por fim, recomenda-se que estudos futuros aprofundem aspectos específicos do tema, tais como a análise comparativa com sistemas estrangeiros, a eficácia das tutelas de urgência em matérias especializadas como direito ambiental e direito do consumidor, e o impacto das novas tecnologias na operacionalização dessas medidas. Tais investigações contribuirão para o aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos processuais destinados à garantia da efetividade jurisdicional.
REFERÊNCIAS
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