José Olímpio Ferreira Neto *
A Lei nº 14.835, de 4 de abril de 2024, “institui o marco regulatório do Sistema Nacional de Cultura (SNC), para garantia dos direitos culturais, organizado em regime de colaboração entre os entes federativos para gestão conjunta das políticas públicas de cultura”. Para que os interessados possam aderir e pensar na esteira do novo paradigma que se instala é fundamental que haja diálogo cooperativo entre o Executivo, o Legislativo, a sociedade civil, os servidores e os agentes culturais.
O fundamento do SNC está no § 3º do art. 216-A da Constituição Federal de 1988, cuja redação foi incluída pela Emenda Constitucional nº 71/2012, transcrita a seguir:
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. § 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo.
Neste texto, defendemos que a formação é um pilar estratégico para que os agentes que articulam a política cultural se aprimorem, permitindo que a política implementada alcance seus objetivos. Sendo assim, destaco o Art. 11, XI e a sua articulação com os Programas de Formação e outras disposições previstas na Lei nº 14.835/2024.
A obrigação primária dos Municípios é atuar de forma colaborativa para a formação de pessoal para atuar no SNC. Conforme o inciso XI, do Art. 11, “compete aos Municípios que aderirem ao SNC [...] cooperar para a implementação de ações federais e estaduais de formação de gestores e de conselheiros municipais de cultura”. Diante do exposto, cabe aos Municípios o papel ativo de garantir a participação de seus agentes e fornecer o suporte operacional necessário.
O Art. 11, XI se articula diretamente com a Seção X da Lei nº 14.835/2024, que trata dos Programas de Formação na Área da Cultura e com o arcabouço geral do SNC. O Art. 35 define que os entes deverão instituir e implementar programas de formação ou integrar-se a programas de entes federativos de maior abrangência.
A competência de cooperar, mencionada no Art. 11, XI, é a via para essa integração, garantindo que o Município participe ativamente sem sobrecarregar sua estrutura com a criação de um programa. O Art. 34 prevê que a formação deve seguir diretrizes nacionais, focando na promoção e fomento à qualificação de gestores, profissionais e da sociedade civil, e no incentivo à adoção de ações que abranjam educação formal e não formal, formação inicial e continuada, em diversas modalidades.
A formação contribui diretamente para a criação das condições administrativas e orçamentárias de adesão plena, pois o SNC exige a qualificação de recursos humanos para a gestão eficaz do setor cultural e seus respectivos instrumentos
Profissionais e conselheiros qualificados promovem a eficácia do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), conforme a seção IV, Art. 16, 17 e 18. A formação também direciona para a correta aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Cultura (FMC) e a transparência nas transferências fundo a fundo, previstas no Art. 29. Além disso, também é crucial para a elaboração técnica, o monitoramento e a avaliação do Plano Municipal de Cultura (PMC), previstos no Art. 23 e para a correta alimentação dos Sistemas de Informações e Indicadores Culturais, previstos no Art. 33, § 3º.
Reafirmo que estamos diante de um novo paradigma. Segundo Thomas Kuhn, em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de 1962, paradigma é um conjunto de valores, crenças e instrumentos que os cientistas de um determinado tempo lançam mão para resolver as questões da ciência de sua época. No entanto, ao surgirem as anomalias, aquele paradigma vigente, não dá mais conta, então é preciso um novo paradigma que vai estabelecer os valores, crenças e instrumentos para solucionar as questões hodiernas, acontecendo assim uma revolução que estabelece uma nova ciência. A formação, no setor cultural, pode ser a via para que a adesão ao novo paradigma ocorra de modo a colaborar para o êxito das ações.
Em suma, o Art. 11, XI, estabelece a cooperação como o pilar da formação, essencial para construir um corpo técnico e político capacitado, conforme as diretrizes e exigências do SNC, presentes na Lei nº 14.835/2024, que estabelece o novo paradigma para o setor cultural. Sendo assim, como disse Cecília Rabelo, em relação ao fomento à cultura, que também está na esteira dessa discussão, é preciso “[...] lutar pela mudança desses paradigmas [...] para a devida efetivação dos direitos culturais”. O novo paradigma já foi apresentado, a luta é por sua adesão, a partir da formação continuada.
José Olímpio Ferreira Neto, Advogado, Professor, Mestre de Capoeira, Mestre em Ensino e Formação Docente, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), Presidente da Comissão de Direitos Culturais da Ordem dos Advogados do Brasil Ceará (CDCult OAB/CE), Membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: [email protected]