WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.
A Importância do pensamento político clássico para compreender a política contemporânea
A ciência política moderna se sustenta sobre pilares conceituais construídos entre os séculos XVIII e XIX. Embora esses autores vivessem em contextos profundamente diferentes dos atuais, suas reflexões sobre liberdade, Estado, sociedade civil, desigualdade e democracia continuam moldando a forma como interpretamos fenômenos políticos contemporâneos. Kant, Hegel, Tocqueville, Marx e John Stuart Mill não apenas criaram categorias analíticas decisivas; eles formularam tensões que permanecem vivas no mundo político atual.
Kant, foi um filósofo iluminista alemão do século XVIII, para ele o “esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. A menoridade seria a falta de discernimento do próprio indivíduo de usar sua capacidade intelectual sem a tutela de outro. Conforme Kant, o homem é o próprio culpado dessa menoridade não sendo causa dele a falta de entendimento, mas a não decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem direção de outrem. Neste sentido, o indivíduo deve possuir a liberdade de pensamento e a capacidade de raciocinar e agir para debater e participar da esfera pública. O pensamento de Kant, é atual para compreender a política contemporânea em um contexto marcado pela desinformação, tornando sua reflexão primordial para a construção de um pensamento crítico, resistindo a manipulação ideológica e às formas invisíveis de dominação presentes nas democracias modernas.
No caso brasileiro parte da população continua na minoridade, considerando o contexto das eleições de 2018, segundo a Folha de São Paulo em que Bolsonaro divulgou notícias falsas que foram compartilhadas pelos eleitores em caso de fake news. Assim, a rede social, os dogmas, as instituições são as ferramentas utilizadas como reprodução de alienação e comportamentos padronizados, sem questionamento crítico, tornando as pessoas massa de manobra. Portanto, o pensamento de Kant contribui para compreender a política contemporânea atual devido a sua importância em relação ao pensamento autônomo e crítico, enfatizando que as estruturas de poder e as formas dependência social e tecnológica não tem gerado esclarecimento, mas nos tornado cada vez mais propenso a manipulação que limitam o uso da razão e a busca de maturidade de pensamento.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, é um dos pensadores mais influentes da filosofia ocidental moderna, filósofo idealista do século XX. A realidade é um processo histórico racional e em desenvolvimento impulsionado pela dialética de comparações, a dialética tem sua origem na Grécia Antiga com Sócrates e significa caminhos entre as ideias e é também um método que consiste na busca pelo conhecimento com base na arte do diálogo. O emprego do método dialético foi utilizado como instrumento para se compreender o desenvolvimento das circunstâncias humanas, integrando a filosofia, ontologia, epistemologia, ética, política e estética em uma estrutura unitária e dialética.
O pensamento de Hegel é profundo e de uma coerência interna notável, influenciando profundamente a teologia, a política, a ciência e as artes. Seu método dialético é introduzido de forma que em vez de eliminar contradições, as reconhece como motores da realidade, bem como defende que a realidade e a razão são inseparáveis formando uma única estrutura que se desenvolve através da história e que a liberdade é o propósito final deste processo. Sua lógica dialética afirma que a realidade se desenvolve através de contradição e é fundamental para se entender a história e a política como processos dinâmicos. Pode se acrescentar quando de suas afirmações que a concretização da liberdade é o tema central de sua filosofia política que se dá através de estágios, reconhecimento e participação social dentro de um Estado racional. Desta maneira Hegel de forma categórica e com muito fundamento deixou registrado de maneira atemporal que afirmam, o conhecimento, o diálogo e a participação de fato contribuem com o desenvolvimento científico, político e social.
Enquanto pensadores como Marx nos forneceram a gramática do conflito econômico e John Stuart Mill articulou a defesa da liberdade individual contra a coerção, é em Alexis de Tocqueville que encontramos o diagnóstico mais inquietante sobre as patologias culturais da própria democracia. Sua análise, apresentada em "Os Clássicos da Política", foca menos na economia ou na filosofia moral (como Kant) e mais no impacto social avassalador da "igualdade de condições". É exatamente neste ponto que sua obra transcende o século XIX e se torna um espelho para a sociedade contemporânea. Tocqueville previu o perigo de uma "tirania da maioria", uma força mais sutil que a opressão de um ditador, mas igualmente esmagadora.
Hoje, vemos essa tirania manifestada na polarização das redes sociais e na formação de câmaras de eco, onde a pressão da opinião pública silencia o debate que Mill tanto prezava e impõe uma conformidade que talvez nem Burke, em seu temor da revolução, pudesse imaginar. Igualmente presciente é seu conceito de "despotismo suave". Tocqueville argumentou que a igualdade, ao fomentar o individualismo e a apatia, levaria os cidadãos a se recolherem à vida privada.
Cansados da complexidade pública, eles voluntariamente entregaram sua liberdade a um Estado paternalista em troca de conforto e segurança. Esse poder tutelar, que nos "enternece e dirige", é o oposto do Estado ético sonhado por Hegel e representa a grande armadilha da democracia moderna. Um pouco mais do que qualquer outro pensador, foi Tocqueville quem melhor diagnosticou a doença da alma democrática: o risco de, em nome da igualdade, nos tornarmos apáticos e conformados, celebrando nossa própria servidão.
As ideias de Marx foram tão controversas quanto influentes, no terreno da política, as ideias de Marx inspiraram a formação de partidos comunistas em diversos países inclusive no Brasil e serviram de base para a construção de estados socialistas. Em sua obra o Manifesto do Partido Comunista faz uma crítica ao sistema capitalista que até hoje se torna relevante para a compreensão da sociedade de classes e suas oposições, sendo descrita na seguinte frase “ toda a história até os nossos dias é a história da luta de classes”. Desta forma, para Marx base da ordem social de todas as sociedades reside na produção de bens e na organização da estrutura econômica. A divisão da sociedade em classes dá origem a diferentes percepções políticas, éticas, filosóficas e religiosas, essas percepções e visão de mundo a ideologia no vocabulário de Marx tendem a consolidar o poder e a autoridade da classe dominante para virar o jogo, é preciso que haja uma “ tomada de consciência” por parte da classe dominada. Assim, o pensamento de Marx não só teve grandes repercussões acadêmicas, como inspirou até hoje inspira Partidos Políticos, e movimentos sociais, sindicatos, organizações humanitárias. No contexto da Revolução Industrial surge o proletariado como uma classe passiva que logo depois evolui rapidamente para uma classe ativa que é capaz de elaborar a sua existência e sua própria experiência que é de fato portadora de um projeto de emancipação, uma emancipação futura da qual depende o conjunto da humanidade talvez essa seja a elaboração que mais seja citada de Marx e Engel. A respeito do papel histórico do proletariado uma classe que carrega consigo a esperança de um comunismo vindouro. E então consegue-se perceber que o proletariado além de ser uma chave absolutamente essencial para pensar a sociedade contemporânea também é uma chave essencial para pensar a evolução do pensamento de Marx e Engel.
Segundo Stuart Mill, uma sociedade livre se desenvolve e possui progresso civilizacional, assim como a participação popular. Mill acreditava que uma sociedade livre cria a possibilidade de que a justiça e a verdade subsistam, reconhecendo, assim, a imprescindível importância da atuação do povo na política, não de forma excludente e de privilégio de poucos, e, sim, de responsabilidade coletiva para ampliação de desenvolvimento de uma sociedade. No Brasil, há uma construção histórica e social em que exemplos como a Ditadura Civil-Militar marcada pela censura, autoritarismo e a desvalorização da participação e conhecimento político dos cidadãos brasileiros, perpetuam no imaginário nacional, deixando heranças culturais e simbólicas. Períodos emblemáticos como este carregam discursos nos quais fundamentam uma apatia política e instrumentalizam correntes manipuladoras e de controle sobre as massas.
Enquanto Mill defendia a importância da atuação do cidadão ativo, crítico e participante na política, no Brasil, há pensamentos políticos cada vez mais centralizados em slogans religiosos e morais, uma vez que são utilizados para justificar fins autoritários, tornando-se um instrumento de domínio das emoções e interpretações políticas dos cidadãos. Nota-se que essa apatia política não deve ser vista como mero desinteresse da sociedade, mas como produto de uma cultura construída em ocultar a participação política popular, fortalecendo o crescimento da alienação das massas. Desse modo, Stuart Mill nos oferece ferramentas para interpretar que a democracia não deve ser feita apenas em instituições formais, mas deve ocorrer em cada cidadão de forma livre, crítica e participante. Mill nos mostra que, no contexto brasileiro, é necessário um esforço para fortalecer a educação política dentro de um país marcado pelas desigualdades e por processos históricos de exclusão.
Apesar do tempo que nos separa de Kant, Hegel, Tocqueville, Marx e Mill, suas obras continuam fornecendo categorias fundamentais para compreender a política do século XXI. Eles nos ajudam a analisar desde o crescimento das desigualdades e conflitos identitários até crises democráticas e desafios globais. Os clássicos não nos dão respostas prontas, mas oferecem quadros interpretativos robustos que enriquecem nosso entendimento e permitem formular diagnósticos mais profundos sobre o presente.
Referência(as):
KANT, I, “Que é Esclarecimento?” ou “Resposta à Pergunta O Que São as Luzes”. Edição bilingue. Introdução de Emmanuel Carneiro Leão. 2 edição, editora vozes. Petrópolis, 1985. QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.BALBACHEVSKY, Elizabeth. Stuart Mill: liberdade e representação. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.