A Importância do pensamento político clássico para compreender a política contemporânea

16/12/2025 às 19:31
Leia nesta página:

WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.

A Importância do pensamento político clássico para compreender a política contemporânea

A ciência política moderna se sustenta sobre pilares conceituais construídos entre os séculos XVIII e XIX. Embora esses autores vivessem em contextos profundamente diferentes dos atuais, suas reflexões sobre liberdade, Estado, sociedade civil, desigualdade e democracia continuam moldando a forma como interpretamos fenômenos políticos contemporâneos. Kant, Hegel, Tocqueville, Marx e John Stuart Mill não apenas criaram categorias analíticas decisivas; eles formularam tensões que permanecem vivas no mundo político atual.

Kant, foi um filósofo iluminista alemão do século XVIII, para ele o “esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. A menoridade seria a falta de discernimento do próprio indivíduo de usar sua capacidade intelectual sem a tutela de outro. Conforme Kant, o homem é o próprio culpado dessa menoridade não sendo causa dele a falta de entendimento, mas a não decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem direção de outrem. Neste sentido, o indivíduo deve possuir a liberdade de pensamento e a capacidade de raciocinar e agir para debater e participar da esfera pública. O pensamento de Kant, é atual para compreender a política contemporânea em um contexto marcado pela desinformação, tornando sua reflexão primordial para a construção de um pensamento crítico, resistindo a manipulação ideológica e às formas invisíveis de dominação presentes nas democracias modernas.

No caso brasileiro parte da população continua na minoridade, considerando o contexto das eleições de 2018, segundo a Folha de São Paulo em que Bolsonaro divulgou notícias falsas que foram compartilhadas pelos eleitores em caso de fake news. Assim, a rede social, os dogmas, as instituições são as ferramentas utilizadas como reprodução de alienação e comportamentos padronizados, sem questionamento crítico, tornando as pessoas massa de manobra. Portanto, o pensamento de Kant contribui para compreender a política contemporânea atual devido a sua importância em relação ao pensamento autônomo e crítico, enfatizando que as estruturas de poder e as formas dependência social e tecnológica não tem gerado esclarecimento, mas nos tornado cada vez mais propenso a manipulação que limitam o uso da razão e a busca de maturidade de pensamento.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, é um dos pensadores mais influentes da filosofia ocidental moderna, filósofo idealista do século XX. A realidade é um processo histórico racional e em desenvolvimento impulsionado pela dialética de comparações, a dialética tem sua origem na Grécia Antiga com Sócrates e significa caminhos entre as ideias e é também um método que consiste na busca pelo conhecimento com base na arte do diálogo. O emprego do método dialético foi utilizado como instrumento para se compreender o desenvolvimento das circunstâncias humanas, integrando a filosofia, ontologia, epistemologia, ética, política e estética em uma estrutura unitária e dialética.

O pensamento de Hegel é profundo e de uma coerência interna notável, influenciando profundamente a teologia, a política, a ciência e as artes. Seu método dialético é introduzido de forma que em vez de eliminar contradições, as reconhece como motores da realidade, bem como defende que a realidade e a razão são inseparáveis formando uma única estrutura que se desenvolve através da história e que a liberdade é o propósito final deste processo. Sua lógica dialética afirma que a realidade se desenvolve através de contradição e é fundamental para se entender a história e a política como processos dinâmicos. Pode se acrescentar quando de suas afirmações que a concretização da liberdade é o tema central de sua filosofia política que se dá através de estágios, reconhecimento e participação social dentro de um Estado racional. Desta maneira Hegel de forma categórica e com muito fundamento deixou registrado de maneira atemporal que afirmam, o conhecimento, o diálogo e a participação de fato contribuem com o desenvolvimento científico, político e social.

Enquanto pensadores como Marx nos forneceram a gramática do conflito econômico e John Stuart Mill articulou a defesa da liberdade individual contra a coerção, é em Alexis de Tocqueville que encontramos o diagnóstico mais inquietante sobre as patologias culturais da própria democracia. Sua análise, apresentada em "Os Clássicos da Política", foca menos na economia ou na filosofia moral (como Kant) e mais no impacto social avassalador da "igualdade de condições". É exatamente neste ponto que sua obra transcende o século XIX e se torna um espelho para a sociedade contemporânea. Tocqueville previu o perigo de uma "tirania da maioria", uma força mais sutil que a opressão de um ditador, mas igualmente esmagadora.

Hoje, vemos essa tirania manifestada na polarização das redes sociais e na formação de câmaras de eco, onde a pressão da opinião pública silencia o debate que Mill tanto prezava e impõe uma conformidade que talvez nem Burke, em seu temor da revolução, pudesse imaginar. Igualmente presciente é seu conceito de "despotismo suave". Tocqueville argumentou que a igualdade, ao fomentar o individualismo e a apatia, levaria os cidadãos a se recolherem à vida privada.

Cansados da complexidade pública, eles voluntariamente entregaram sua liberdade a um Estado paternalista em troca de conforto e segurança. Esse poder tutelar, que nos "enternece e dirige", é o oposto do Estado ético sonhado por Hegel e representa a grande armadilha da democracia moderna. Um pouco mais do que qualquer outro pensador, foi Tocqueville quem melhor diagnosticou a doença da alma democrática: o risco de, em nome da igualdade, nos tornarmos apáticos e conformados, celebrando nossa própria servidão.

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As ideias de Marx foram tão controversas quanto influentes, no terreno da política, as ideias de Marx inspiraram a formação de partidos comunistas em diversos países inclusive no Brasil e serviram de base para a construção de estados socialistas. Em sua obra o Manifesto do Partido Comunista faz uma crítica ao sistema capitalista que até hoje se torna relevante para a compreensão da sociedade de classes e suas oposições, sendo descrita na seguinte frase “ toda a história até os nossos dias é a história da luta de classes”. Desta forma, para Marx base da ordem social de todas as sociedades reside na produção de bens e na organização da estrutura econômica. A divisão da sociedade em classes dá origem a diferentes percepções políticas, éticas, filosóficas e religiosas, essas percepções e visão de mundo a ideologia no vocabulário de Marx tendem a consolidar o poder e a autoridade da classe dominante para virar o jogo, é preciso que haja uma “ tomada de consciência” por parte da classe dominada. Assim, o pensamento de Marx não só teve grandes repercussões acadêmicas, como inspirou até hoje inspira Partidos Políticos, e movimentos sociais, sindicatos, organizações humanitárias. No contexto da Revolução Industrial surge o proletariado como uma classe passiva que logo depois evolui rapidamente para uma classe ativa que é capaz de elaborar a sua existência e sua própria experiência que é de fato portadora de um projeto de emancipação, uma emancipação futura da qual depende o conjunto da humanidade talvez essa seja a elaboração que mais seja citada de Marx e Engel. A respeito do papel histórico do proletariado uma classe que carrega consigo a esperança de um comunismo vindouro. E então consegue-se perceber que o proletariado além de ser uma chave absolutamente essencial para pensar a sociedade contemporânea também é uma chave essencial para pensar a evolução do pensamento de Marx e Engel.

Segundo Stuart Mill, uma sociedade livre se desenvolve e possui progresso civilizacional, assim como a participação popular. Mill acreditava que uma sociedade livre cria a possibilidade de que a justiça e a verdade subsistam, reconhecendo, assim, a imprescindível importância da atuação do povo na política, não de forma excludente e de privilégio de poucos, e, sim, de responsabilidade coletiva para ampliação de desenvolvimento de uma sociedade. No Brasil, há uma construção histórica e social em que exemplos como a Ditadura Civil-Militar marcada pela censura, autoritarismo e a desvalorização da participação e conhecimento político dos cidadãos brasileiros, perpetuam no imaginário nacional, deixando heranças culturais e simbólicas. Períodos emblemáticos como este carregam discursos nos quais fundamentam uma apatia política e instrumentalizam correntes manipuladoras e de controle sobre as massas.

Enquanto Mill defendia a importância da atuação do cidadão ativo, crítico e participante na política, no Brasil, há pensamentos políticos cada vez mais centralizados em slogans religiosos e morais, uma vez que são utilizados para justificar fins autoritários, tornando-se um instrumento de domínio das emoções e interpretações políticas dos cidadãos. Nota-se que essa apatia política não deve ser vista como mero desinteresse da sociedade, mas como produto de uma cultura construída em ocultar a participação política popular, fortalecendo o crescimento da alienação das massas. Desse modo, Stuart Mill nos oferece ferramentas para interpretar que a democracia não deve ser feita apenas em instituições formais, mas deve ocorrer em cada cidadão de forma livre, crítica e participante. Mill nos mostra que, no contexto brasileiro, é necessário um esforço para fortalecer a educação política dentro de um país marcado pelas desigualdades e por processos históricos de exclusão.

Apesar do tempo que nos separa de Kant, Hegel, Tocqueville, Marx e Mill, suas obras continuam fornecendo categorias fundamentais para compreender a política do século XXI. Eles nos ajudam a analisar desde o crescimento das desigualdades e conflitos identitários até crises democráticas e desafios globais. Os clássicos não nos dão respostas prontas, mas oferecem quadros interpretativos robustos que enriquecem nosso entendimento e permitem formular diagnósticos mais profundos sobre o presente.

Referência(as):

KANT, I, “Que é Esclarecimento?” ou “Resposta à Pergunta O Que São as Luzes”. Edição bilingue. Introdução de Emmanuel Carneiro Leão. 2 edição, editora vozes. Petrópolis, 1985. QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.BALBACHEVSKY, Elizabeth. Stuart Mill: liberdade e representação. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001. v. 2.

Sobre a autora
Ranielle Pessoa de Jesus

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí, com estudos na área de Relações Internacionais e Ciência Política. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Atualmente como professora substituta da Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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