Isenção dos lucros distribuídos por empresas do Simples Nacional

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ISENÇÃO DOS LUCROS DISTRIBUÍDOS POR EMPRESAS DO SIMPLES NACIONAL

SUMÁRIO: 1. Alterações na legislação do imposto sobre a renda das pessoas físicas: a nova lei 15.270, de 2025. 2. Empresas submetidas ao regime especial do Simples Nacional: a lei complementar 123, de 2006.3.Tributação mínima do imposto sobre a renda das pessoas físicas. 4. Conclusão: Prevalência das disposições da LC 123/2006; isenção na fonte e na declaração do beneficiário.

1. A NOVA LEI 15.270, DE 26/11/2025.

1.1. O “caput” do art. 10 da Lei 9.249, de 26/12/1995, prescrevia que “os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”. Na redação que lhe foi dada pelo art. 3º da Lei 15.270, de 26/11/2025, dele foi suprimida a expressão “ou no exterior” e adicionado o seguinte: “observado o disposto nos arts. 6º-A e 16-A da Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995” (estes dispositivos, inexistentes na redação original desta lei, a ela foram adicionados pelo art. 2º da Lei 15.270, de 26/11/2025).

1.2. A nova redação do art. 10 da Lei 9.249/1995 exclui as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior da não incidência do imposto. Dessa forma, os lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas nele indicadas a pessoas domiciliadas no exterior passaram a sujeitar-se à incidência do imposto de renda na fonte e a integrar a base de cálculo do tributo anual do beneficiário. Outra alteração decorrente da nova redação desse preceito é submeter, quem recebe lucros ou dividendos pagos pelas pessoas jurídicas nele indicadas, às regras estabelecidas pelo art. 6º-A e pelo art. 16-A da Lei 9.250/1995. Com efeito, o adjetivo “observado”, constante do texto adicionado, significa “tomado em consideração; cumprido, respeitado” (1).

1.3. Observa-se, então, que a regra geral é a não sujeição dos lucros e dividendos à tributação pelo imposto de renda se eles forem pagos ao beneficiário por “pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado”. Porém, em obediência ao art. 6º-A da Lei 9.250/1995, no caso de pagamento (ou creditamento, ou emprego ou entrega) a partir do mês de janeiro de 2026, por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil “em montante superior a R$$$$$$$$$$$$$$$§ $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$50.000,00 (cinquenta mil reais) em um mesmo mês”, o respectivo valor “fica sujeito à retenção na fonte do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o valor pago ...”.

1.4. A obediência ao disposto no art.6º-A da Lei 9.250/1995, ou seja, reter na fonte o imposto, só é aplicável se, cumulativamente, os valores pagos superarem, em um mesmo mês, o montante nele fixado e se o pagamento for efetuado por uma das pessoas jurídicas indicadas no art. 10 da Lei 9.249/1995. Se os valores pagos, em um mesmo mês, por qualquer dessas pessoas jurídicas, não suplantarem o montante estabelecido, eles “não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário” (1ª parte do art. 10 da Lei 10.249/1995). Se pagos por uma pessoa jurídica não submetida à tributação por uma dessas modalidades (lucro real, presumido ou arbitrado), ainda que em quantia superior à fixada (R$50.000,00), sobre eles não incide o imposto.

2. A LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 2006.

2.1. As denominadas microempresas e empresas de pequeno porte são pessoas jurídicas não submetidas à tributação do imposto sobre a renda com base no lucro real, presumido ou arbitrado, inclusive o empresário de que trata o art. 966 do Código Civil. Para essas pessoas foi instituído o “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional” (LC 123/2006, art. 12), que implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos tributos arrolados em seu art. 13. Sua base de cálculo é a definida pelo § 3º, de seu art. 18, qual seja, “a receita bruta auferida no mês”, sobre a qual incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos parágrafos desse mesmo artigo. Não estando, portanto, abrangidos pela norma do art. 10 da Lei 9.249/1995, os lucros ou dividendos distribuídos ao titular ou aos sócios de microempresas e de empresas de pequeno porte, ainda que em valores superiores ao montante estabelecido, não estão sujeitos ao cumprimento do disposto no art. 6º-A da Lei 9.250/1995.

2.2. O novo dispositivo (art. 6º-A) alude, genericamente, a pagamentos efetuados por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física, sem nenhuma referência à modalidade tributária do imposto sobre a renda a que submetida a fonte pagadora. A imprecisão dessa norma, que é marca registrada da Lei 15.270/2025, não autoriza que, desavisada e superficialmente, se incluam nele as microempresas e as empresas de pequeno porte. Como visto, o art. 10 da Lei 9.249/1995 não as abrange.

2.3. Não bastasse essa razão, não é possível ignorar o estatuído pelo art. 14 da LC 123/2006, que isenta “do imposto de renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, salvo os que corresponderem a pró-labore, aluguéis ou serviços prestados”. Entre os valores pagos ou distribuídos ao titular ou ao sócio dessas empresas encontram-se, sem a menor sombra de dúvida, os lucros ou dividendos decorrentes do resultado por elas auferido.

2.4. A LC 123/2006 foi editada para dar efetividade a dispositivo da Constituição Federal. Esta (art. 146, III, d, alínea incluída pela EC 42/2003) determina que à lei complementar cabe estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre “definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239”.  Essa norma foi mantida em sua essência pela nova redação dada pela EC 132/2023 (2).      

2.5. Em seu parágrafo único, o art. 146 da Constituição (incluído pela EC 42/2003) prescreveu que a “lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, redação essa mantida pela EC 132/2023, renumerando-o para parágrafo 1º (3).

2.6. Na hipótese concreta, se existisse conflito entre a lei ordinária (art. 10 da Lei 9.249/1995) e a lei complementar (LC 123/2006, art.14), que não há, prevalece a norma estatuída por esta, porque aquela não pode alterá-la ou derrogá-la. A questão foi adequadamente debatida pela doutrina especializada, conquanto ainda possa ensejar divergências. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cabe referir o julgado, cujo voto condutor do Ministro Gilmar Mendes foi endossado pela maioria, que sufragou a tese da possibilidade de revogação, por lei ordinária, de isenção concedida por lei complementar (4). Nesse julgado considerou-se que isenção concedida pela lei complementar, então considerada, era tema a ela não reservado constitucionalmente, ou seja, podia ser concedida por lei ordinária e, por consequência, era derrogável por lei da mesma natureza. Em decisão mais recente, a Corte Suprema reiterou esse entendimento por considerar que “na hipótese dos autos, é possível a revogação por lei ordinária de benefício que foi instituído por lei complementar, uma vez que o Texto Constitucional não exige a edição de lei complementar para disciplinar matéria envolvendo servidor público” (5). Anteriormente, o plenário da Corte já pronunciara a inconstitucionalidade de normas do Convênio ICMS nº 93/15, por invadirem o “campo material de incidência da LC nº 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento tributário diferenciado e favorecido a ser dispensado a microempresas e empresas de pequeno porte” (ADIN 5.469).

2.7. Sendo essa a atual orientação da Suprema Corte, se a matéria veiculada por lei complementar foi constitucionalmente a ela reservada, suas normas não podem ser alteradas ou derrogadas por disposições de lei ordinária. Esta é a hipótese versada no art. 14 da LC 123/2006, em razão do estatuído pelo art. 146, inciso III, letra “d”, e seu parágrafo 1º, da Constituição Federal. Dessa forma, a isenção ampla e incondicionada, nele prescrita, do imposto sobre a renda (na fonte e na declaração do beneficiário) não pode ser modificada por lei ordinária.

3. TRIBUTAÇÃO MÍNIMA

3.1. A mesma conclusão se aplica quanto ao disposto no art. 16-A da Lei 9.250/1995, a ela adicionado pelo art. 2º da Lei 15.270/2025. Segundo esse dispositivo, que trata da tributação anual das denominadas “altas rendas”, a partir do exercício de 2027, ano-calendário ou ano-base de 2026, “a pessoa física cuja soma de todos os rendimentos recebidos no ano-calendário seja superior a R$$$$§ $$$$$$$600.000,00 (seiscentos mil reais) fica sujeita à tributação mínima do imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas”. Para essa finalidade, “serão considerados, na definição da base de cálculo da tributação mínima”, todos os rendimentos recebidos, “inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida”, deduzindo-se, exclusivamente, os arrolados nos incisos I a XII do § 1º desse artigo.

3.2. No rol dos rendimentos dedutíveis (§ 1º, do art. 16-A) não há menção explícita a lucros e dividendos pagos por microempresas e empresas de pequeno porte tributadas pelo Simples Nacional. O inciso XI, embora admita a exclusão dos rendimentos de títulos e valores mobiliários, veda a dedução dos rendimentos de ações e demais participações societárias. Lucros e dividendos dedutíveis são apenas os relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025.

3.3. Nesse contexto, tudo leva a crer que a administração tributária federal venha a exigir a inclusão, na base de cálculo da tributação mínima, dos valores pagos, a partir de 01/01/2026, ao titular ou sócios das microempresas e empresas de pequeno porte a título de lucros ou dividendos. Se com lastro no art. 16-A da Lei 9.250/1995 se impuser sua inclusão na base de cálculo da tributação mínima, ocorrerá inquestionável violação do art. 14 da LC 123/2006. Computá-los no cálculo da tributação mínima implica derrogação por lei ordinária da isenção ampla e incondicionada prevista na LC 123/2006, a qual, para ser válida e eficaz, demandaria sua modificação por outra lei complementar.

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4. CONCLUSÃO

4.1. As alterações constantes da Lei 15.270/2025 não revogam a isenção constante do art. 14 da LC 123/2006. A lei ordinária não pode modificar ou derrogar disposição de matéria reservada pela Constituição à lei complementar.

4.2. A retenção na fonte prevista no art. 6º-A da Lei 9.250/1995, na redação nela incluída pelo art. 2º da Lei 15.270/2025, não se aplica aos lucros e dividendos distribuídos, inclusive a partir de 01/01/2026, por empresas submetidas à tributação pelo “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional” (LC 123/2006, art. 12). Eles são isentos “do imposto de renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário” (LC 123/2006, art. 14).

4.3. Na tributação mínima do imposto sobre a renda das pessoas físicas (Lei 9.250/1995, art. 16-A, na redação da Lei 15.270/2025) não se computam os valores de lucros e dividendos distribuídos por empresas submetidas ao regime especial – Simples Nacional – em obediência ao prescrito pelo art. 14 da LC 123/2006.

São Paulo, 13 de dezembro de 2025.

Antônio Joaquim Ferreira Custódio

Advogado – OAB/SP 24.975

Procurador do Estado de São Paulo aposentado

  1. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª ed., 2001, Editora Objetiva. E uma das conotações do verbo observar é “conformar-se a (uma regra, uma lei, um regulamento); praticar, obedecer”.

  2. “definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156-A, das contribuições sociais previstas no art. 195, I e V, e § 12 e da contribuição a que se refere o art. 239” (EC 132/2023).     

  3. “A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (§ 1º do art. 146 da Constituição na redação dada pela EC 132/2023).

  4. “Conforme registrei naquela ocasião, no que diz respeito à possibilidade de revogação, por lei ordinária, da isenção concedida por lei complementar, é tradicional a jurisprudência desta Corte no sentido da inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente tendo em vista a matéria eventualmente reservada àquela pela própria Constituição (ADI 1.480 MC, Celso de Mello, DJ 18.5.01; AR 1.264, Néri da Silveira, DJ 31.5.02; e, ADI 2.711, Maurício Corrêa, DJ 16.4.04)”. RE 509.300 – AgR-EDv, Pleno, maioria, j. 17/03/2016 – voto condutor/vencedor do rel. Min. Gilmar Mendes.

  5. ARE1521802/MG, j. em 15/09/2025, fixando a seguinte tese (Tema 1.352): “É possível a revogação ou alteração por lei ordinária de benefício instituído a servidor público por lei complementar quando materialmente ordinária, observado o princípio da simetria.”

Sobre o autor
Antonio Joaquim Ferreira Custódio

Advogado – OAB/SP 24.975. Procurador do Estado de São Paulo aposentado. Autor de "Constituição Federal Interpretada pelo STF" (Juarez de Oliveira, 9ª edição).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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