A Lei nº 15.269/2025 e a reconfiguração do modelo jurídico do setor elétrico brasileiro

18/12/2025 às 18:40

Resumo:


  • A Lei nº 15.269/2025 promove uma reconfiguração profunda do modelo jurídico do setor elétrico brasileiro, consolidando a abertura do mercado de energia elétrica.

  • O diploma legal amplia a alocação de riscos econômicos aos agentes e consumidores, redefine a distribuição de encargos setoriais e fortalece as competências regulatórias das entidades do setor.

  • Analisando criticamente as transformações, destaca-se a mudança de paradigma de proteção tarifária para um modelo de responsabilização regulatória ampliada, cujo sucesso dependerá do controle jurídico da regulação infralegal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei nº 15.269/2025 e a reconfiguração do modelo jurídico do setor elétrico brasileiro

Resumo

A Lei nº 15.269/2025 representa um marco relevante na evolução normativa do setor elétrico brasileiro, ao promover profunda reconfiguração do seu modelo jurídico-institucional. O diploma legal consolida a abertura do mercado de energia elétrica, amplia a alocação de riscos econômicos aos agentes e consumidores, redefine a distribuição de encargos setoriais e fortalece as competências regulatórias e sancionatórias das entidades setoriais. O presente artigo analisa criticamente essas transformações sob a ótica do Direito Administrativo e do Direito Regulatório, examinando seus impactos sobre os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da isonomia, da modicidade tarifária e da livre iniciativa. Sustenta-se que a Lei nº 15.269/2025 opera verdadeira mutação do paradigma tradicional de proteção tarifária, substituindo-o por um modelo de responsabilização regulatória ampliada, cujo êxito dependerá da atuação proporcional e juridicamente controlada da regulação infralegal.

Palavras-chave: setor elétrico; regulação econômica; abertura de mercado; encargos setoriais; segurança jurídica.

Abstract

Law No. 15,269/2025 represents a significant milestone in the normative evolution of the Brazilian electricity sector, as it promotes a profound reconfiguration of its legal and institutional model. The statute consolidates the opening of the electricity market, expands the allocation of economic risks to market agents and consumers, redefines the distribution of sectoral charges, and strengthens the regulatory and sanctioning powers of sectoral authorities. This article critically examines these transformations from the perspective of Administrative Law and Regulatory Law, analyzing their impacts on the principles of legality, legal certainty, equality, tariff affordability, and free enterprise. It argues that Law No. 15,269/2025 brings about a genuine mutation of the traditional tariff-protection paradigm, replacing it with a model of enhanced regulatory accountability, whose success will depend on proportionate and legally controlled regulatory action.

Keywords: electricity sector; economic regulation; market opening; sectoral charges; legal certainty.

Sumário: 1 Introdução; 2 A abertura do mercado e a redefinição do papel do Estado regulador; 3 O Supridor de Última Instância e a institucionalização do risco sistêmico; 4 Autoprodução por equiparação e o combate a estruturas artificiais; 5 A realocação de encargos setoriais e a erosão da dicotomia ACR/ACL; 6 A Conta de Desenvolvimento Energético, o teto de arrecadação e o Encargo de Complemento de Recursos; 7 O fortalecimento sancionador da ANEEL e da CCEE; 8 Considerações finais.

1. Introdução

O setor elétrico brasileiro sempre foi marcado por forte intervenção estatal, estruturado historicamente a partir da noção de serviço público essencial, com centralidade na modicidade tarifária, na universalização do acesso e na mitigação de riscos econômicos aos consumidores finais.

Esse modelo, contudo, passou a revelar limites estruturais ao longo das últimas décadas, especialmente diante da crescente complexidade do sistema interligado nacional, da diversificação da matriz energética, da expansão da geração descentralizada e da intensificação da participação de agentes privados em ambientes concorrenciais.

É nesse contexto que se insere a Lei nº 15.269/2025, resultante da conversão da Medida Provisória nº 1.304/2025, a qual não se limita a ajustes pontuais, mas promove verdadeira inflexão no regime jurídico do setor elétrico.

A nova legislação opera uma mudança de paradigma: desloca progressivamente o eixo de proteção estatal direta para um modelo de responsabilização regulatória ampliada, com maior alocação de riscos econômicos aos agentes de mercado e aos consumidores, sobretudo no Ambiente de Contratação Livre (ACL).

O objetivo do presente artigo é analisar, sob uma perspectiva jurídico-dogmática e institucional, as principais mutações introduzidas pela Lei nº 15.269/2025, examinando suas implicações para os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da isonomia, da modicidade tarifária e da livre iniciativa, bem como os desafios regulatórios e contenciosos que emergem desse novo arranjo normativo.

2. A abertura do mercado e a redefinição do papel do Estado regulador

A abertura integral do mercado de energia elétrica para consumidores de baixa tensão constitui, sem dúvida, o eixo simbólico e estrutural da Lei nº 15.269/2025.

A ampliação do acesso ao mercado livre representa uma opção política clara pela intensificação da concorrência como instrumento de eficiência econômica, rompendo com a histórica segmentação entre consumidores cativos e livres.

Todavia, a abertura não se dá de forma automática ou incondicionada.

A lei subordina a migração ao cumprimento de uma série de requisitos a serem definidos e implementados por atos infralegais, como planos de comunicação institucional, regras de transparência tarifária, criação de produtos padronizados e regulamentação do Supridor de Última Instância.

Esse desenho normativo revela que a liberalização do mercado não implica redução do papel do Estado, mas, ao contrário, reforça a centralidade da regulação como mecanismo de organização do setor.

Sob o prisma jurídico, essa abertura condicionada suscita questões relevantes.

A dependência de regulamentação posterior amplia a discricionariedade do Poder Executivo e das agências reguladoras, o que pode tensionar o princípio da legalidade estrita em matéria tarifária e de encargos setoriais.

Ademais, a possível redefinição dos critérios de classificação de consumidores aptos à migração pode gerar controvérsias quanto à observância da isonomia, sobretudo se determinadas categorias forem excluídas sem fundamento técnico suficiente.

3. O Supridor de Última Instância e a institucionalização do risco sistêmico

A criação do Supridor de Última Instância (SUI) representa uma inovação relevante no ordenamento jurídico brasileiro.

Trata-se de mecanismo destinado a assegurar o fornecimento excepcional de energia elétrica aos consumidores que, por qualquer razão, tenham sido descontratados por seus representantes no mercado livre.

A figura do SUI aproxima o modelo brasileiro de experiências internacionais consolidadas, como o Supplier of Last Resort europeu.

Não obstante sua importância sistêmica, o SUI suscita delicadas questões jurídicas.

A possibilidade de atribuição dessa função às distribuidoras, ainda que a critério do poder concedente, pode comprometer a neutralidade concorrencial, ao impor a agentes do mercado regulado obrigações típicas de um ambiente competitivo.

Além disso, a ausência, na própria lei, de parâmetros objetivos quanto ao prazo máximo de suprimento, à formação de preços e às hipóteses exatas de acionamento do SUI transfere à regulação infralegal parcela significativa de definição de direitos e deveres econômicos.

Tal cenário reforça a necessidade de controle rigoroso da atuação regulatória, a fim de evitar a criação de encargos ou tarifas sem respaldo suficiente em lei formal, em consonância com a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores sobre reserva legal em matéria econômica.

4. Autoprodução por equiparação e o combate a estruturas artificiais

Outro ponto de inflexão relevante introduzido pela Lei nº 15.269/2025 diz respeito ao regime da autoprodução por equiparação.

Ao elevar substancialmente os requisitos de carga mínima e ao impor critérios societários mais rigorosos, o legislador busca coibir estruturas artificiais criadas exclusivamente para fruição de benefícios regulatórios e tarifários.

A exigência de participação societária relevante, com direito a voto, e a consideração de vínculos de controle ou coligação evidenciam uma opção por privilegiar a substância econômica sobre a forma jurídica.

Trata-se de movimento alinhado a tendências contemporâneas do Direito Regulatório, que busca identificar o efetivo controle e a real destinação da energia produzida.

Por outro lado, o endurecimento do regime suscita debates sobre proteção da confiança legítima e segurança jurídica, especialmente para empreendimentos em fase de estruturação.

O regime de transição previsto na lei mitiga, mas não elimina, o risco de judicialização, sobretudo em hipóteses em que investimentos relevantes tenham sido realizados à luz do regime anterior.

5. A realocação de encargos setoriais e a erosão da dicotomia ACR/ACL

A Lei nº 15.269/2025 promove profunda reconfiguração na alocação de encargos setoriais, diluindo progressivamente a distinção econômica entre o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL).

Encargos tradicionalmente internalizados pelas distribuidoras passam a ser rateados entre consumidores livres e cativos, na proporção do consumo.

Essa opção normativa redefine, de forma implícita, o conceito de modicidade tarifária, que deixa de ser um atributo exclusivo do consumidor cativo para assumir contornos sistêmicos.

A socialização ampliada de custos, contudo, pode suscitar questionamentos quanto à proporcionalidade e à existência de subsídios cruzados, especialmente quando determinados encargos recaem de forma mais intensa sobre consumidores do ACL.

6. A Conta de Desenvolvimento Energético, o teto de arrecadação e o Encargo de Complemento de Recursos

A introdução de um teto para a arrecadação da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), a partir de 2027, constitui resposta normativa à escalada de encargos que vinha pressionando as tarifas.

O mecanismo do Encargo de Complemento de Recursos (ECR), concebido como ajuste automático, busca compatibilizar previsibilidade tarifária e sustentabilidade fiscal do setor.

Do ponto de vista jurídico, entretanto, a redução proporcional de benefícios custeados pela CDE, operacionalizada por ato infralegal, pode tensionar o princípio da reserva legal, sobretudo quando atinge benefícios instituídos diretamente por lei.

A compatibilização entre flexibilidade regulatória e segurança jurídica será, nesse ponto, um dos principais desafios da implementação da nova disciplina.

7. O fortalecimento sancionador da ANEEL e da CCEE

A Lei nº 15.269/2025 amplia significativamente as competências sancionatórias da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE).

O aumento do limite das multas administrativas e a previsão expressa de responsabilização pessoal de administradores sinalizam a adoção de um modelo regulatório fortemente inspirado em práticas de compliance.

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Esse fortalecimento institucional, embora contribua para a disciplina do mercado, exige observância estrita do devido processo administrativo, da ampla defesa e do contraditório.

A intensificação do poder sancionador, sem salvaguardas procedimentais adequadas, pode ampliar a litigiosidade e comprometer a legitimidade da regulação.

8. Considerações finais

A Lei nº 15.269/2025 representa marco relevante na evolução do setor elétrico brasileiro, ao promover a transição de um modelo centrado na proteção tarifária para um arranjo de responsabilização regulatória ampliada.

Trata-se de legislação ambiciosa, tecnicamente sofisticada e alinhada a tendências internacionais de liberalização supervisionada.

Não obstante, sua implementação demandará cautela, sob pena de tensionar princípios estruturantes do Direito Administrativo e Regulatório.

A ampliação do espaço decisório das agências, a realocação de encargos e o endurecimento sancionador impõem a necessidade de controle institucional e judicial atento, a fim de assegurar que a busca por eficiência econômica não se dê em detrimento da segurança jurídica e da legalidade.

Nesse cenário, a Lei nº 15.269/2025 inaugura não apenas uma nova etapa do setor elétrico, mas também um campo fértil para debates jurídicos, acadêmicos e jurisdicionais, cuja maturação será decisiva para o sucesso do novo modelo regulatório.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002. Dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 29 abr. 2002.

BRASIL. Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007. Dispõe sobre o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 18 jun. 2007.

BRASIL. Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013. Dispõe sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, sobre a redução dos encargos setoriais e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 14 jan. 2013.

BRASIL. Lei nº 14.120, de 1º de março de 2021. Dispõe sobre a prorrogação de outorgas de geração de energia elétrica e sobre descontos nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 15.269, de 25 de novembro de 2025. Dispõe sobre a reforma do setor elétrico brasileiro, a abertura do mercado de energia elétrica, a realocação de encargos setoriais e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 nov. 2025.

BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021. Estabelece as Regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 9 dez. 2021.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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