Impeachment sob Liminar: quando o Supremo reescreve a Constituição e silencia o Senado

21/12/2025 às 11:37
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A recente decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes reacendeu um dos debates mais sensíveis da democracia brasileira: quem tem, afinal, a iniciativa para deflagrar o processo de impeachment de autoridades como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Procurador-Geral da República (PGR)?

Segundo a Constituição Federal, especialmente no art. 52, compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Ministros do STF e o Procurador-Geral da República, nos crimes de responsabilidade. Trata-se de uma escolha clara do constituinte, inserida no sistema de freios e contrapesos, justamente para evitar a concentração de poder e assegurar o controle recíproco entre os Poderes.

Ocorre que a liminar concedida por Gilmar Mendes praticamente esvazia essa competência constitucional do Senado ao afirmar que a iniciativa para esses processos não pode partir do Parlamento, mas apenas do Procurador-Geral da República. Surge, então, uma pergunta inevitável e lógica: e quando o próprio Procurador-Geral da República for o acusado, quem poderá iniciar o processo? A decisão cria um vácuo institucional e um evidente conflito lógico-jurídico, não previsto pela Constituição.

O argumento central utilizado para justificar a liminar foi o suposto “excesso” de pedidos de impeachment — segundo notícias amplamente divulgadas, cerca de 99, sendo que ministros como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Flávio Dino e Dias Toffoli figurariam entre os mais citados. Para o ministro, haveria perseguição política. Contudo, se existe reação política, ela decorre, inevitavelmente, de ações percebidas como políticas por parte do próprio Supremo. A reação é consequência, não causa.

Não por acaso, o próprio presidente do STF, Luís Roberto Barroso, já afirmou publicamente que a Corte deixou de ser apenas um tribunal constitucional para assumir um papel político. Essa confissão, longe de pacificar o debate, reforça a percepção de que se instalou no país um ciclo de exceção — algo que, inclusive, vem sendo reconhecido por setores da grande imprensa nas páginas de opinião.

Nesse contexto, a paralisia do Senado torna-se ainda mais grave. O presidente da Casa, ontem Rodrigo Pacheco, hoje Davi Alcolumbre, permanece “sentado” sobre os requerimentos, impedindo qualquer análise política e institucional do mérito das acusações. Bastaria permitir o prosseguimento de alguns poucos pedidos — quatro, por exemplo — para restaurar minimamente a confiança no equilíbrio entre os Poderes e demonstrar respeito às chamadas “quatro linhas da Constituição”, tantas vezes invocadas.

Outro ponto central é a forma da decisão: uma liminar. No direito, a liminar se justifica pela urgência, pelo chamado periculum in mora, quando a demora pode causar dano irreparável a um direito. Mas qual seria a urgência nesse caso? A Lei nº 1.079/1950, que regula os crimes de responsabilidade, foi recepcionada por todas as Constituições posteriores — de 1946, 1967 e 1988 — e serviu de base para os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff. Não há novidade, nem risco iminente que justificasse uma decisão dessa magnitude por ato individual e provisório.

Mais grave ainda: ao invés de simplesmente declarar a lei inconstitucional — o que já seria controverso — a decisão praticamente a reescreve. Introduz novos requisitos, altera quóruns, restringe sanções e cria um texto normativo que não passou pelo crivo do Poder Legislativo. Isso extrapola a função jurisdicional e invade diretamente a competência do Congresso Nacional.

Em síntese, não se trata apenas de discutir impeachment ou proteger ministros. Trata-se de preservar a Constituição, o equilíbrio institucional e a própria democracia. Quando um Poder passa a reescrever a lei e a limitar preventivamente o controle político que a Constituição expressamente prevê, o problema deixa de ser jurídico e passa a ser estrutural. E estruturas, quando se deformam, comprometem todo o edifício democrático.

José Dileon Soares

Advogado e Contador

Sobre o autor
José Dileon Soares

Advogado, especialista em Administração Judicial, na Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, área em que atua há mais de 10 (dez) anos. Graduado em Direito pela Faculdade Luciano Feijão e graduado em Ciências Contábeis pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Empresarial pela Damásio Educacional. Professor universitário, advogado e gestor, com atuação nas áreas jurídica, empresarial e contábil, além de experiência em práticas estratégicas de gestão organizacional e conformidade tributária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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