“Do Ciclo de Exceção à Retórica da Normalidade: Justiça, Mídia e o Limite da Constituição”

21/12/2025 às 11:43
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As decisões tomadas nos últimos anos pelos Ministros do STF, apresentada por setores da imprensa como o marco final de um período de “exceção”, expressão usada para descrever anos em que — segundo esses analistas — o devido processo legal, o juiz natural, a ampla defesa e até a Constituição teriam sido relegados a segundo plano. Esse discurso, contudo, revela mais do que pretende: acaba por admitir que práticas extraordinárias foram toleradas, até celebradas, desde que direcionadas contra determinados atores políticos.

O ponto de partida desse ciclo remonta ao chamado “inquérito do fim do mundo”, instaurado em março de 2019, já no governo Bolsonaro. O procedimento foi aberto sem provocação do Ministério Público, contrariando, segundo críticos, exigências constitucionais de atuação institucional. Ao longo das investigações, ministros do Supremo Tribunal Federal acumularam funções tradicionalmente separadas: vítima, investigador e julgador — uma junção inédita na história recente.

Esse movimento não surge do nada. Antes disso, no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, permitiu uma interpretação que relativizou o parágrafo único do artigo 52 da Constituição, dispositivo que determina a perda de direitos políticos por oito anos após condenação. A decisão foi vista por muitos como uma “emenda ad hoc”, aplicada apenas para aquele contexto específico. Para críticos, ali já se manifestava a lógica de flexibilização constitucional que ganharia força nos anos seguintes.

A imprensa desempenhou papel central nesse processo. Jornais e colunistas frequentemente trataram decisões excepcionais como aceitáveis — ou mesmo necessárias — diante da urgência de “conter o golpismo” ou neutralizar Bolsonaro na arena eleitoral. Somente após o desfecho do julgamento no STF, veículos como O Globo passaram a admitir que o tribunal extrapolou suas atribuições. Colunistas como Malu Gaspar e Pablo Ortellado registraram que houve decisões monocráticas inauditas, prisões preventivas prolongadas sem denúncia formal, bloqueios de contas digitais, modificações regimentais contestadas e manobras processuais que deslocaram julgamentos para turmas com composição mais previsível. Houve, enfim, o reconhecimento explícito de que poderes extraordinários foram usados — “esperamos que de forma excepcional e transitória”, segundo texto publicado.

Essa mudança discursiva revela certo paradoxo. Segundo essas colunas, a excepcionalidade teria sido tolerada por uma “boa causa”: impedir o avanço político de Bolsonaro e coibir mobilizações consideradas antidemocráticas. Somente agora, com o objetivo alcançado, seria chegada a hora de o Supremo “voltar ao seu quadrado” e restaurar a normalidade democrática. Curiosamente, essa restauração é proposta pelos mesmos que antes defenderam ou silenciaram sobre decisões fora das balizas constitucionais.

Dileon Soares

Advogado Contador

Sobre o autor
José Dileon Soares

Advogado, especialista em Administração Judicial, na Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, área em que atua há mais de 10 (dez) anos. Graduado em Direito pela Faculdade Luciano Feijão e graduado em Ciências Contábeis pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Empresarial pela Damásio Educacional. Professor universitário, advogado e gestor, com atuação nas áreas jurídica, empresarial e contábil, além de experiência em práticas estratégicas de gestão organizacional e conformidade tributária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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