CONCLUSÃO
A questão não é simples. Todavia, não podemos nos esconder dela, dada a relevância que a saúde tem na Constituição Federal e mesmo na Declaração Universal da ONU, de 1948, conforme se vê nos artigos 22 e 25.
Das discussões travadas no presente artigo, resta claro, como primeira conclusão, a natureza de direito fundamental conferida à saúde. A saúde é um direito subjetivo fundamental do indivíduo, indissociavelmente ligado ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
Outra conclusão é que a Carta Política autoriza o Poder Judiciário a tutelar ameaça ou lesão ao direito à saúde. Este papel conferido aos Tribunais não se confunde com a execução de políticas públicas voltadas para a Saúde.
Daí cabe ao Poder Judiciário a apreciação do caso concreto, considerando as circunstâncias que lhe são afetas, conforme a proposta de Klaus Günther para os discursos de aplicação, valendo-se da coerência e adequação com os imperativos exigidos no caso sub examine.
Este ponto, inclusive, afasta a argumentação contrária ao fornecimento de medicamentos às pessoas carentes sob o fundamento de que o Judiciário não faz políticas públicas, na medida em que se trata de apreciação de situação concreta, feita no exercício da jurisdição que lhe é atribuída pela Constituição Federal.
A proposta de Günther leva à consideração do caso concreto, afastando qualquer juízo sobre a validez da norma, conforme preconizado por Alexy e Dworkin, pois, para Günther, tal juízo exigiria tempo e conhecimento ilimitados, já que deveria observar todas as circunstâncias de aplicação, o que se caracteriza como uma situação utópica.
Logo, ao considerar o caso concreto e a adequação da norma, não há referência a todas as circunstâncias de aplicação, mas somente a uma circunstância, isto é, a ameaça ao direito à saúde de determinado indivíduo.
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Notas
- STF, Ag.Reg no RE nº 393,175-0, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 12.12.2006.
- Igual entendimento pode ser visto no Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstram a seguintes decisões: Resp. 869.843/RS; RMS 23.184/RS; Resp. 902.473/RS; 901.109/RS.
- STF, RE nº 226.835-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ. 10.03.2000
- SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988, p. 1. No mesmo sentido: SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 311. Segundo Marcelo Rebello Pinheiro, "Além de o constituinte ter positivado os direitos sociais como direitos fundamentais (fundamentalidade formal), pode-se inferir, ainda, que a fundamentalidade de tais direitos decorre também de sua relação com os valores e objetivos consagrados no texto constitucional (art. 1º e 3º), com especial referência à dignidade da pessoa humana (fundamentalidade material)." PINHEIRO, Marcelo Rebello. A eficácia e a efetividade dos direitos sociais de caráter prestacional: em busca da superação dos obstáculos, p. 79.
- SARLET, Ingo Wolfgang, Op. cit., p. 3
- Id. Ibid., p. 5.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 35.
- SORIANO, Leonor M. Moral. ¿Que discurso para la moral? Sobre la distinción entre aplicación y justificación em la teoria del discurso prático general, p. 193.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 19.
- DWORKIN, Ronald. Elogio à teoria, p. 4.
- Id. Levando os direitos a sério, p. 39; Id. Le positivisme, p. 41: "Eu chamo ‘princípio’ um standard que deve ser observado, não que ele permita realizar ou atender a uma situação econômica, política ou social, julgada desejável, mas que ele constitua uma exigência da justiça ou da eqüidade ou, ainda, de uma outra dimensão da moral."
- ALEXY, Robert. Sistema juridico, princípios juridicos y razón práctica, p. 140.
- PEDRON, Flávio Quinaud. Op. cit., p. 71; ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica, p. 11.
- ALEXY, Robert. Sobre a estrutura dos princípios jurídicos, p. 156.
- BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Sobre a justificação e aplicação de normas jurídicas, p. 85.
- Id. Ibid., mesma página.
- GÜNTHER, Klaus. Un concepto normativo de coherencia para uma teoria de la argumentación jurídica, p. 281.
- GÜNTHER, Klaus. Un concepto normativo de coherencia para uma teoria de la argumentación jurídica, p. 297.
- Id. Ibid., p. 298.
- Id. Ibid., p. 300.
- Id. Ibid., p. 284.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
- O princípio "U" é enunciado por Habermas da seguinte maneira: "no caso de normas válidas os resultados e conseqüências laterais que, para a satisfação dos interesses de cada um, previsivelmente se sigam da observância geral da norma, tem que poder ser aceitos sem coação alguma por todos." HABERMAS, Jürgen. Escritos sobre moralidad y eticidad, p. 101-102. Explicando o princípio "U", Barbara Freitag escreve: "Para que uma norma tenha condições de transformar-se em norma geral, aspirando validade universal enquanto máxima da conduta de todos os participantes do discurso prático, os resultados e efeitos colaterais decorrentes de sua observância precisam ser antecipados, pesados em suas conseqüências e aceitos por todos." FREITAG, Barbara. Dialogando com Jürgen Habermas, p. 102.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 72; SORIANO, Leonor M. Moral. Op.cit., p. 194.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
- GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
- STF, STA nº 91, Rel. Minª Ellen Gracie, DJ 26.02.2007.
- BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 22
- Id. Ibid., p. 26.
- STF, AgRg no RE nº 271.286-8, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 24.11.2000.
- STF, AgRg no RE nº 393.175, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 02.02.2007.
- Segundo a Ministra Gracie: "Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas." STF, STA nº 91, Rel. Minª Ellen Gracie, DJ 26.02.2007.
- No mesmo sentido: STF, AgRg no RE 271.286-8.
- Segundo Menelick de Carvalho Netto, para Friedrich Müller a norma jurídica consiste no Direito aplicado aos casos concretos, nunca o dispositivo constitucional ou legal em abstrato. (Cf. CARVALHO NETTO, Menelick. Racionalização do ordenamento jurídico e democracia, p. 26). Ainda, segundo Menelick (Op. cit., p. 31), "A experiência nos mostrou que não mais podemos acreditar na aplicação silogística da lei, naquela idéia segundo a qual a norma geral seria a premissa maior; o fato, a premissa menor; e o trabalho do aplicador, uma simples tarefa mecânica."
- CARVALHO NETTO, Menelick. Op. cit., p. 33.
- Cf. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 85.
- De certa forma, não se pode falar em choque de princípios, na medida em que, no caso concreto, o único princípio ameaçado é o direito à saúde (e, portanto, à vida), exigindo-se do julgador a aplicação da norma que seja coerente e adequada para tutelar o direito ameaçado ou lesado. Um eventual choque de princípios poderia ocorrer na situação hipotética de se considerar todas as possíveis circunstâncias de aplicação, o que, segundo Günther, afasta o juízo de adequação da norma, por exigir tempo e conhecimento ilimitados.
- GÜNTHER, Klaus. Um concepto normativo de coherencia para una teoria de la argumentación jurídica, p. 297.