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O fornecimento de medicamentos pelo Estado.

Considerações à luz do pensamento de Klaus Günther

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28/01/2009 às 00:00

Resumo:


  • O artigo discute o fornecimento de medicamentos pelo Estado, baseando-se no pensamento de Klaus Günther, destacando a distinção entre fundamentação e aplicação das normas.

  • A proposta de Günther enfoca a necessidade de adequação e coerência das normas ao caso concreto, em contraposição às teorias abstratas de justificação.

  • O estudo aborda o papel do Judiciário na decisão de casos envolvendo o fornecimento gratuito de medicamentos, ressaltando a importância de uma aplicação normativa que considere as particularidades do caso.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONCLUSÃO

A questão não é simples. Todavia, não podemos nos esconder dela, dada a relevância que a saúde tem na Constituição Federal e mesmo na Declaração Universal da ONU, de 1948, conforme se vê nos artigos 22 e 25.

Das discussões travadas no presente artigo, resta claro, como primeira conclusão, a natureza de direito fundamental conferida à saúde. A saúde é um direito subjetivo fundamental do indivíduo, indissociavelmente ligado ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

Outra conclusão é que a Carta Política autoriza o Poder Judiciário a tutelar ameaça ou lesão ao direito à saúde. Este papel conferido aos Tribunais não se confunde com a execução de políticas públicas voltadas para a Saúde.

Daí cabe ao Poder Judiciário a apreciação do caso concreto, considerando as circunstâncias que lhe são afetas, conforme a proposta de Klaus Günther para os discursos de aplicação, valendo-se da coerência e adequação com os imperativos exigidos no caso sub examine.

Este ponto, inclusive, afasta a argumentação contrária ao fornecimento de medicamentos às pessoas carentes sob o fundamento de que o Judiciário não faz políticas públicas, na medida em que se trata de apreciação de situação concreta, feita no exercício da jurisdição que lhe é atribuída pela Constituição Federal.

A proposta de Günther leva à consideração do caso concreto, afastando qualquer juízo sobre a validez da norma, conforme preconizado por Alexy e Dworkin, pois, para Günther, tal juízo exigiria tempo e conhecimento ilimitados, já que deveria observar todas as circunstâncias de aplicação, o que se caracteriza como uma situação utópica.

Logo, ao considerar o caso concreto e a adequação da norma, não há referência a todas as circunstâncias de aplicação, mas somente a uma circunstância, isto é, a ameaça ao direito à saúde de determinado indivíduo.


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Notas

  1. STF, Ag.Reg no RE nº 393,175-0, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 12.12.2006.
  2. Igual entendimento pode ser visto no Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstram a seguintes decisões: Resp. 869.843/RS; RMS 23.184/RS; Resp. 902.473/RS; 901.109/RS.
  3. STF, RE nº 226.835-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ. 10.03.2000
  4. SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988, p. 1. No mesmo sentido: SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 311. Segundo Marcelo Rebello Pinheiro, "Além de o constituinte ter positivado os direitos sociais como direitos fundamentais (fundamentalidade formal), pode-se inferir, ainda, que a fundamentalidade de tais direitos decorre também de sua relação com os valores e objetivos consagrados no texto constitucional (art. 1º e 3º), com especial referência à dignidade da pessoa humana (fundamentalidade material)." PINHEIRO, Marcelo Rebello. A eficácia e a efetividade dos direitos sociais de caráter prestacional: em busca da superação dos obstáculos, p. 79.
  5. SARLET, Ingo Wolfgang, Op. cit., p. 3
  6. Id. Ibid., p. 5.
  7. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 35.
  8. SORIANO, Leonor M. Moral. ¿Que discurso para la moral? Sobre la distinción entre aplicación y justificación em la teoria del discurso prático general, p. 193.
  9. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 19.
  10. DWORKIN, Ronald. Elogio à teoria, p. 4.
  11. Id. Levando os direitos a sério, p. 39; Id. Le positivisme, p. 41: "Eu chamo ‘princípio’ um standard que deve ser observado, não que ele permita realizar ou atender a uma situação econômica, política ou social, julgada desejável, mas que ele constitua uma exigência da justiça ou da eqüidade ou, ainda, de uma outra dimensão da moral."
  12. ALEXY, Robert. Sistema juridico, princípios juridicos y razón práctica, p. 140.
  13. PEDRON, Flávio Quinaud. Op. cit., p. 71; ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica, p. 11.
  14. ALEXY, Robert. Sobre a estrutura dos princípios jurídicos, p. 156.
  15. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Sobre a justificação e aplicação de normas jurídicas, p. 85.
  16. Id. Ibid., mesma página.
  17. GÜNTHER, Klaus. Un concepto normativo de coherencia para uma teoria de la argumentación jurídica, p. 281.
  18. GÜNTHER, Klaus. Un concepto normativo de coherencia para uma teoria de la argumentación jurídica, p. 297.
  19. Id. Ibid., p. 298.
  20. Id. Ibid., p. 300.
  21. Id. Ibid., p. 284.
  22. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
  23. O princípio "U" é enunciado por Habermas da seguinte maneira: "no caso de normas válidas os resultados e conseqüências laterais que, para a satisfação dos interesses de cada um, previsivelmente se sigam da observância geral da norma, tem que poder ser aceitos sem coação alguma por todos." HABERMAS, Jürgen. Escritos sobre moralidad y eticidad, p. 101-102. Explicando o princípio "U", Barbara Freitag escreve: "Para que uma norma tenha condições de transformar-se em norma geral, aspirando validade universal enquanto máxima da conduta de todos os participantes do discurso prático, os resultados e efeitos colaterais decorrentes de sua observância precisam ser antecipados, pesados em suas conseqüências e aceitos por todos." FREITAG, Barbara. Dialogando com Jürgen Habermas, p. 102.
  24. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 72; SORIANO, Leonor M. Moral. Op.cit., p. 194.
  25. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
  26. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 70.
  27. STF, STA nº 91, Rel. Minª Ellen Gracie, DJ 26.02.2007.
  28. BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 22
  29. Id. Ibid., p. 26.
  30. STF, AgRg no RE nº 271.286-8, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 24.11.2000.
  31. STF, AgRg no RE nº 393.175, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 02.02.2007.
  32. Segundo a Ministra Gracie: "Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas." STF, STA nº 91, Rel. Minª Ellen Gracie, DJ 26.02.2007.
  33. No mesmo sentido: STF, AgRg no RE 271.286-8.
  34. Segundo Menelick de Carvalho Netto, para Friedrich Müller a norma jurídica consiste no Direito aplicado aos casos concretos, nunca o dispositivo constitucional ou legal em abstrato. (Cf. CARVALHO NETTO, Menelick. Racionalização do ordenamento jurídico e democracia, p. 26). Ainda, segundo Menelick (Op. cit., p. 31), "A experiência nos mostrou que não mais podemos acreditar na aplicação silogística da lei, naquela idéia segundo a qual a norma geral seria a premissa maior; o fato, a premissa menor; e o trabalho do aplicador, uma simples tarefa mecânica."
  35. CARVALHO NETTO, Menelick. Op. cit., p. 33.
  36. Cf. GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, p. 85.
  37. De certa forma, não se pode falar em choque de princípios, na medida em que, no caso concreto, o único princípio ameaçado é o direito à saúde (e, portanto, à vida), exigindo-se do julgador a aplicação da norma que seja coerente e adequada para tutelar o direito ameaçado ou lesado. Um eventual choque de princípios poderia ocorrer na situação hipotética de se considerar todas as possíveis circunstâncias de aplicação, o que, segundo Günther, afasta o juízo de adequação da norma, por exigir tempo e conhecimento ilimitados.
  38. GÜNTHER, Klaus. Um concepto normativo de coherencia para una teoria de la argumentación jurídica, p. 297.
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Sobre o autor
Marcos César Botelho

Advogado da União, Coordenador-Geral de Atos Normativos na CONJUR do Ministério da Defesa. Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - Bauru/SP. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direitio Público - Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTELHO, Marcos César. O fornecimento de medicamentos pelo Estado.: Considerações à luz do pensamento de Klaus Günther. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2037, 28 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12259. Acesso em: 22 dez. 2024.

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