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Primeiras notas sobre a inovação legislativa e seus reflexos no processo trabalhista.

Lei n.º 11.277/2006

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23/04/2009 às 00:00
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4. Noções sobre os princípios relacionados à inovação legislativa.

O princípio do devido processo legal tem sua gênese na expressão inglesaLaw of the Land (Direito da Terra, em oposição ao Direito Romano), usada pela primeira vez na Magna Charta, [55] outorgada por João Sem-Terra aos seus barões, em 1215, mais precisamente em seu artigo 39. [56] Cláusula parecida, já utilizando o termo due process of law, foi jurada por Eduardo III, [57] em 1354, abandonando a expressão "de harmonia com lei do país" para adotar um enunciado lingüístico mais rico, posto que mais indefinido, ou seja, processo devido em direito. O princípio em foco foi importado do Direito Inglês para ser inserido na V Emenda da Constituição estadunidense. [58][59] A sua teoria substantiva exige não apenas que alguém só possa ser afetado em seu direito à vida, à liberdade ou à propriedade através de um processo previsto em lei, é necessário, outrossim, que os seus direitos fundamentais sejam garantidos através de um processo legal, materialmente justo e adequado, que se principia "logo no momento de sua criação normativo-legislativa". [60] O princípio do devido processo legal, por sua vez, relaciona-se com os princípios da liberdade e da igualdade, os dois últimos imbricados aos valores essenciais do Estado de Direito, preconizados pela Revolução Francesa de 1789 — liberdade, igualdade e fraternidade. Seguindo essa linha, a Constituição pátria incorporou o princípio do devido processo legal. [61][62] Em nosso modesto sentir, não seria sequer necessário que a Lex Legum garantisse expressamente o contraditório nem a ampla defesa, pois, ambos são subprincípios do devido processo legal, bastando, portanto, a Lex Fundamentalis mencionasse o último, de todo modo, quod abundat non nocet... [63]

4. 1. 1. Subprincípio do contraditório.

O subprincípio do contraditório ou da audiência bilateral encontra seu gérmen no Direito Romano, na parêmia latina audiatur et altera pars, ou seja, "ouça-se também a outra parte". [64] Juiz, autor e réu travam ao longo do processo judicial um diálogo constante. Cada uma das partes apresenta uma tese em relação à qual o adversário deverá, necessariamente, ser comunicado para poder propor a respectiva antítese, cabendo, por fim, ao juiz, produzir uma síntese de todas as proposições, com base nas provas produzidas nos autos, consoante o seu livre convencimento fundamentado, id est, a sentença. [65] De tal sorte, todas as vezes que uma das partes apresentar uma alegação, produzir uma prova ou praticar qualquer ato que afete os interesses do seu adversário, o juiz, obrigatoriamente, deve disso dar ciência a este a fim de que tenha ensanchas para, querendo, defender-se, contra-argumentando ou produzindo contraprova. O contraditório tem como elemento essencial a informação obrigatória de que contra o litigante foi apresentada postulação ou prova, de modo que este tenha oportunidade para se defender. Se tal ensejo não for propiciado ao ex adversus e isso lhe trouxer prejuízo, deverá ser declarada a nulidade do processo a partir do momento em que ele deveria ter vista.

4. 1. 1. 1. A exigência da presença do réu na relação processual.

Segundo a definição tradicionalmente mais aceita pela doutrina, o processo é considerado como um complexo coordenado de atos destinados a uma sentença, esta, por seu turno, tem por objeto a solução de uma lide, ou seja, uma pretensão do autor resistida pelo réu. Assim, teríamos um relação jurídica processual triangular cujos sujeitos seriam autor, juiz e réu. [66] Por isso, Búlgaro chegou a dizer que iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris et rei, ou seja, o processo para existir necessita de autor, juiz e réu. A doutrina mais moderna, todavia, vem questionando esta definição, a começar pelo objeto do processo, id est, a solução de uma lide, esta definida por Francesco Carnelutti como uma pretensão do autor resistida pelo réu. [67] Aliás, a impropriedade da expressão lide foi, acertadamente, criticada por Piero Calamandrei, que a vê apenas em sua expressão sociológica e não jurídica. [68] Por outras palavras, quando há lide esta pertence ao universo do direito material privado, não se confundindo com a relação jurídica processual, regida pelo direito processual público. O Direito Processual moderno consagrou a autonomia da relação jurídica processual no que se refere à relação jurídica de direito material respectiva. O conceito tradicional de processo, portanto, só se aplica aos casos em que se tratam de direitos disponíveis, ou seja, de negócios jurídicos envolvendo os interesses de particulares. São várias as hipóteses, todavia, nas quais o autor é obrigado a recorrer ao Judiciário não porque alguém (o réu) se oponha ao seu interesse mas porque a sua situação jurídica — expressão mais precisa que abarca a relação jurídica — só pode ser solucionada através de provimento jurisdicional. A propósito, a doutrina nos fornece diversos exemplos, a começar pela ação declaratória de inconstitucionalidade, na qual não há sequer a figura do réu mas um processo objetivo. [69] A ação declaratória de falsidade documental é outro exemplo de inexistência de lide. O mesmo se dá em processos de jurisdição voluntária, como o de separação consensual. Isso para não falar dos processos nos quais se discutem direitos indisponíveis, tais como o estado civil, o nome e a paternidade. Pelo exposto, não deve causar espécie o fato de haver ação sem réu. [70]

Aliás, o próprio CPC de 1973 — com a redação da Lei n.º 5.925, de 1.º/10/73 — já previa, em seus artigos 295 e 296 (acima examinado), a hipótese de indeferimento da petição inicial antes mesmo da citação do réu, inclusive com julgamento do mérito como nos casos de decadência e prescrição. [71]o atual art. 296 — com a redação da Lei n.º 8.952/94 — sequer menciona a figura do réu, [72] sendo que a sua constitucionalidade já foi ratificada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal. [73]

No caso das ações trabalhistas, contudo, na maioria absoluta das situações teremos direitos disponíveis em disputa e, por conseqüência, a presença de um réu (reclamado), pois o autor (reclamante), geralmente, afora uma ação de natureza condenatória, isto é, ele pede ao Estado-juiz que condene um certo e determinado reclamado a pagar verbas trabalhistas não satisfeitas por este. São raros os casos nos quais não há a figura do reclamado, como no do protesto judicial para prevenir a prescrição. [74] Na hipótese da aplicação do art. 285-A na esfera laboral, portanto, salvo raríssimas exceções, poderá haver um réu (reclamado) mas este só será convidado a integrar a relação processual, se necessário, em momento posterior à prolação da sentença. Noutros termos, exsurge aí a figura do contraditório diferido, logo a seguir examinada.

4. 1. 1. 2. Contraditório diferido.

Muito embora tenhamos afirmado que o contraditório tem como elemento essencial um informação obrigatória, isso não é o mesmo que afirmar que se trata de um direito absoluto. Por sinal, direitos absolutos não são aceitos pela lógica do sistema jurídico, sob pena de terminar por inviabilizá-lo. [75] Aliás, temos no CPC como exemplo de contraditório diferido a autorização de prolação de liminar, inaudita altera pars, de medida cautelar ou de antecipação de tutela, conquanto seja relevante o fundamento da demanda e haja justificado receio que a comunicação da parte contrária possa prejudicar o efeito prático da tutela pretendida ao final da demanda. Desse modo, no caso da liminar proferida em medida cautelar inaudita altera pars o litigante contrário só tomará ciência da postulação contra ele apresentada depois que ela já foi acolhida, ainda que provisoriamente, pela decisão judicial. [76] O réu terá, só então, o prazo de cinco dias para contestar o pedido formulado no procedimento cautelar. [77]Mutatis mutandis, o mesmo se aplica à concessão liminar de antecipação de tutela inaudita altera pars. [78][79] O art. 461, em seu § 3.º determina que só após a concessão liminar da tutela seja o réu citado[80] É de bom alvitre salientar que, a qualquer momento, por sua própria precariedade, a liminar pode ser revogada. [81][82] Além disso, tratando-se as duas espécies de tutelas de urgência estudadas de decisões interlocutórias [83], poderá o prejudicado agravá-las, no processo comum [84][85], ou interpor mandado de segurança no processo trabalhista [86]. Desse modo, resguarda-se, outrossim, a ampla defesa. Pelo exposto, só depois dessa informação (intimação), característica do contraditório, poderá exercer o prejudicado sua reação através dos meios lícitos inerentes à ampla defesa (contestação ou recurso ou mandamus). Assim, haverá, nos casos em debate, apenas um contraditório diferido no tempo e não um arbítrio completo do juiz, já que a liminar, através da iniciativa da parte prejudicada, poderá ser cassada por uma das instâncias revisoras ou mesmo pelo seu próprio prolator. O mesmo se aplica ao art. 285-A quando o contraditório é apenas postergado para a fase recursal.

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4. 1. 2. Subprincípio da ampla defesa.

O subprincípio da ampla defesa está imbricado ao do contraditório, uma vez que a ampla defesa, entendida como a faculdade de utilização de todos os meios lícitos inerentes à própria defesaad exemplum, a apresentação de contra-argumentação, a produção de contraprova e a permissão para recorrer das decisões desfavoráveis — representa uma reação a uma acusação, que só pode ser exercida se a parte for informada de que contra ela foi produzida alguma alegação ou prova. Ao contrário, porém, do que a expressão ampla defesa induz a pensar, esta não é uma garantia exclusiva do réu mas uma possibilidade de reação autorizada a qualquer das partes e interessados sempre que comunicados a respeito da realização de qualquer ato processual capaz de afetar seus interesses. [87]

4. 1. 3. Distinção entre contraditório e ampla defesa.

Ambos os subprincípios estão intimamente relacionados, tanto que parte respeitável da doutrina sequer os distingue. Entendemos, porém, que o contraditório estaria situado numa fase processual anterior ao da ampla defesa, porquanto, é primeiro preciso que aja a informação (exigida pelo contraditório) para que, aí sim, possa haver a possibilidade de o litigante contrário reagir (garantida pela ampla defesa). Outra distinção se situa no fato de que a informação exigida pelo contraditório é obrigatória, enquanto que a reação propiciada pela ampla defesa é facultativa, exceto nos casos das "...ações relativas a direitos indisponíveis, ao estado das pessoas — nacionalidade, filiação, casamento, separação, etc" [88]. [89][90][91]

4. 1. 4. Ampla defesa e o direito de ação.

O Diploma Maior garante o direito de ação: "Art. 5.º - [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito...". Por sua vez, o Novo Código Civil estabelece: "Art. 189 - Violado o direito, nasce para o titular a pretensão...". De outro lado, a ampla defesa, como "re- ação", não poderia existir se não houvesse o respectivo direito de ação, portanto, ambas as figuras são faces da mesma moeda. [92] Temos como corolário lógico o direito de ação entendido, outrossim, como a faculdade de o cidadão utilizar de todos os meios legítimos na defesa dos seus direitos.

4. 2. Princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas.

O princípio da economia processual significa que o processo deve ser o menos custoso às partes e ao Erário Público. Considerando que o processo é tão somente um instrumento colocado à disposição dos cidadãos a fim de que possam cobrar do Estado o restabelecimento de seu status quo ante prejudicado por uma ato, supostamente injusto, praticado por um particular ou pelo próprio Estado. Por outras palavras, com o processo "deve tratar-se de obter o máximo de resultado com o mínimo de emprego de atividade processual", como prega Echandia. [93] O direito de ação não se pode ver embaraçado por um processo muito oneroso, capaz de excluir parte considerável da população do acesso ao Poder Judiciário. Por outro lado, a máquina judiciária, por sua própria natureza, é cara e não pode ser sobrecarregada com a prática de atos processuais despiciendos. Desse modo, o processo deverá ser simplificado de modo a chegar ao seu fim com mínimos de atos necessários. Imbricado ao princípio sub examine está o da instrumentalidade das formas, segundo o qual a forma processual prevista em lei se destina a dar maior segurança jurídica à atividade processual, porém não se pode partir para o formalismo estéril, isto é, a forma não é um fim em si mesma. De tal arte, não se declarará a nulidade de um ato processual quando a forma legal não for observada desde que o ato atinja a sua finalidade [94] e que a nulidade não traga prejuízo à parte afetada [95]. [96]

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA, Marcelo. Primeiras notas sobre a inovação legislativa e seus reflexos no processo trabalhista.: Lei n.º 11.277/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2122, 23 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12667. Acesso em: 20 abr. 2024.

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