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Dissídio coletivo, ação civil pública e a efetivação do princípio protetivo nas negociações coletivas

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24/07/2009 às 00:00

Resumo:


  • A evolução do Direito do Trabalho no Brasil ainda reflete a necessidade de tutela estatal para garantir a igualdade material entre empregadores e trabalhadores, especialmente em negociações coletivas.

  • O poder normativo, que permitia ao Judiciário intervir em negociações para assegurar equilíbrio, foi limitado pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, que exige comum acordo para o ajuizamento de dissídios coletivos.

  • A ação civil pública surge como um instrumento eficaz para a tutela de direitos trabalhistas coletivos, capaz de substituir a ação de dissídio coletivo em muitos aspectos, promovendo a proteção necessária aos trabalhadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Como visto anteriormente, o poder normativo tinha como objetivo o acompanhamento mais próximo, pelo Judiciário, das dinâmicas alterações econômico-laborais, com a efetiva garantia de concretização dos ideais de igualdade material do Estado Social. Excluído que foi do nosso ordenamento, nos moldes primitivos, e patente a hipossuficiência do trabalhador, ainda que reunido em sindicatos, necessária a adoção de outros instrumentos processuais aptos a garantirem o efetivo equilíbrio das negociações trabalhistas.

A exemplo do que ocorre no Direito do Consumidor em que este equilíbrio buscado é pela via da ação civil pública em nome do princípio da justiça contratual, tem-se que é possível buscá-lo, em sede trabalhista, em nome do princípio da proteção, também por ação civil pública.

A ação civil pública, embora não se confunda com o dissídio coletivo, representa o esforço de síntese de toda evolução do processo coletivo e chega a apresentar mais vantagens que aquele primeiro instrumento [47].

Com efeito, as diferenciações que se faz das duas ações muitas vezes é somente aparente e, em termos de efetividade processual, a ação civil pública é mais avançada que a ação de dissídio coletivo. Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich, ao distinguir os dois instrumentos, menciona que o dissídio coletivo veicula pretensões predominantemente declaratórias e constitutivas, ao passo em que a ação civil pública pode veicular qualquer tipo de pretensão (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu). Para o autor, é equivocado limitar a natureza potencial da ação civil pública (que se afere pelo pedido) àquela condenatória ou inibitória [48]. Assim, este critério não basta para as diferenciar, de modo que mesmo as pretensões que inicialmente enquadrar-se-iam na disciplina do dissídio coletivo podem ser veiculadas por ação civil pública, inclusive para constituir novas situações.

O fato de que a sentença normativa estaria apta a produzir novas normas e condições de trabalho enquanto a ação civil pública estaria atada aos ditames da lei, é, também, mais aparente do que real. Adamovich ensina que em toda a atividade jurisdicional há atividade criativa e escolhas político-ideológicas, e desmistifica, em passagem longa, mas que vale ser citada:

Se a função jurisdicional coletiva permite o trato transindividual das questões e é capaz de mostrar vantagens sobre aquela outra individual é porque tem por característica fundamental e diferenciadora a normatividade ou o poder quase-legislativo que nelas exerce o juiz. A atividade criativa que exerce, v.g., o Tribunal Regional do Trabalho, ao decidir conflitos coletivos econômicos, e aquela outra que exerce o juiz civil ou também do trabalho, ao prover no vazio, na omissão ou mesmo na efetivação da legislação para a tutela das coletividades em seus interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos é substancialmente a mesma. Amplia-se em ambas o exercício da escolha político-ideológica que, em maior ou menor grau, existe em toda a função jurisdicional, mas no processo individual, de ordinário, é limitada pelos aspectos técnico-legislativos. (...). Em ambas confrontam-se valores, desfrutando o órgão julgador de uma liberdade de escolha político-ideológica maior, na medida em que os preceitos legais explícitos não resolvem direta e imediatamente tão altas indagações. (grifou-se). (...).

Em dissídios coletivos de natureza jurídica, a cognição do tribunal é exercida sobre matéria de direito, para fixar a interpretação de determinado texto legal ou convencional previamente existente. Também a ação civil pública, costuma-se dizer em doutrina e jurisprudência, destina-se a prover, em nível coletivo, sobre regras previamente existentes, não podendo, dizem, criar novas condições de trabalho, idéia que, acredita-se, não pode ser tomada como dogma sem perigo de erro e injustificável restrição na aplicação desta forma de ação ao processo do trabalho. Ainda que se compreenda que a menção da locução criação de direitos refira-se às novas condições econômicas de trabalho das categorias organizadas representadas pelos sindicatos, a afirmação pode conduzir a equívocos.

O primeiro e mais evidente é o de induzir a pensar que a função jurisdicional na ação civil pública não é criativa, o que já se viu, é próprio de toda a jurisdição, com sobrelevada importância do juízo político, não em sentido partidário, mas técnico-científico da palavra, quando se trata de toda a jurisdição coletiva, seja civil ou do trabalho.

O segundo é o de imaginar-se que esta margem de criação é maior nos dissídios do que nas ações coletivas civis, quando o que acontece é justamente o contrário. Como se verá adiante, em se tratando de direitos indisponíveis, a construção ou efetivação jurisdicional deles, seja em que espécie de jurisdição for, está sempre limitada às possibilidades do sistema jurídico no tempo e no espaço e, quando disponíveis, tanto em ações coletivas civis quanto do trabalho, a constituição de novas situações jurídicas é possível. É um erro pensar-se que a ação civil pública está limitada em seu objeto imediato à prestação de natureza condenatória ou inibitória. Como assevera Hugo de Nigro Mazzilli, em se tratando de tutela coletiva, cabem atualmente não apenas ações condenatórias, mas de "qualquer natureza".

Importa ter em conta que os instrumentos processuais são colocados pelo ordenamento como meios de alcançar os direitos materiais legalmente garantidos, daí chamarem-se instrumentos. Sendo assim, é possível que eventualmente haja mais de um instrumento apto à obtenção de determinado direito material (no caso, da proteção), pois são apenas caminhos para se atingir um mesmo fim. Por isso é que, com o progresso da disciplina coletiva, um pode ser mais efetivo que outro, como defende Adamovich acerca da ação civil pública, na medida em que permite a obtenção do mesmo direito material, com menores limitações de toda ordem (tempo, eficácia da decisão, questões procedimentais, etc.)

Assim, a ação civil pública é instrumento processual capaz de veicular pretensão de efetivação de princípios protetivos que garantam o real equilíbrio entre as partes negociantes – considerado o seu caráter normativo no pós-positivismo –, seja preventivamente, determinando às partes da negociação que observem os deveres de boa-fé ao negociarem, deixando de lado exigências absurdas e sem base de realidade, seja repressivamente, intervindo no conteúdo negociado, diminuindo a parte que excede os limites do equilíbrio visado, como ocorre quando se diminui cláusulas abusivas em contratos de consumo de adesão.

Em outras palavras, considerando-se que o princípio mestre do Direito do Trabalho, o princípio da proteção, decorre do princípio geral do direito norteador do Estado Social, da igualdade substancial, tem-se que na medida em que a negociação coletiva não estiver fundada na referida igualdade substancial [49], a parte prejudicada pode invocar o princípio da proteção e reclamar a tutela estatal no sentido de atingir um efetivo equilíbrio que garanta um resultado negocial justo, pela via da ação civil pública. Assim, se um sindicato for mais fraco que outro, de modo que o fato resulte em acordo ou convenção iníquos, pode pedir a intervenção do Judiciário para o restabelecimento do equilíbrio necessário à obtenção de um resultado justo da negociação.

Tal interpretação revela-se especialmente útil quando se considera a já mencionada hipossuficiência dos trabalhadores ainda quando reunidos em associações de classe, que os faz reclamar a tutela estatal (e não apenas da liberdade negocial coletiva). De modo que, até que a autonomia privada coletiva seja efetiva, no sentido de conferir real liberdade negocial às partes, e que as partes detenham efetivo equilíbrio nas negociações coletivas, pode ser necessário que o Estado preste-lhes tutela protetiva, (e que não se confunde com paternalista), a qual pode ser obtida via ação civil pública, a fim de não sacrificar direitos trabalhistas tão duramente conquistados, pena de negar efetividade ao princípio da proteção [50].

A ação civil pública, portanto, mostra-se apta a tutelar o referido princípio e eventualmente pode até mesmo veicular pretensões que seriam originariamente afetas aos dissídios coletivos, concretizando os ideais do Estado Social.

As questões procedimentais serão deixadas de lado por não integrarem o escopo do presente trabalho. Apenas algumas ponderações sobre legitimidade e coisa julgada parecem pertinentes, na medida em que influenciam diretamente na questão da efetividade da tutela coletiva.

A disciplina da ação civil pública prevê um sistema de legitimidade autônoma, concorrente e disjuntiva, na medida em que qualquer dos legitimados pode propô-la (concorrente), isolada ou conjuntamente (autônoma), sem depender da concordância dos demais legitimados (disjuntiva). Com efeito, a combinação do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública com o artigo 82 do CDC, estende-a ao Ministério Público, à União, aos Estados, Municípios e Distrito Federal, às autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta, destinadas à defesa dos interesses do consumidor (in casu, dos trabalhadores) e às associações civis (como os sindicatos), constituídas há pelo menos um ano ou que demonstrem manifesto interesse social (§ 4º, do artigo 5º da Lei 7347/85), com finalidade institucional de defender os interesses trabalhistas. Já houve alguma hesitação jurisprudencial com relação à legitimidade, porém hoje a aceitação da ação civil pública proposta por sindicatos é ampla e sem maiores celeumas, dispensando-se inclusive a exigência de constituição prévia de um ano.

Com relação à coisa julgada, a ação civil pública possibilita adequada resposta ao fenômeno de massa traduzido na hipossuficiência dos grupos trabalhadores. A lei regula que a sentença terá, no caso de direitos difusos, efeito erga omnes; tratando-se de direitos coletivos, a sentença produzirá efeitos ultra partes; e, finalmente, em sendo objeto da ação direitos de natureza individual homogênea, a sentença produzirá efeitos erga omnes apenas em caso de procedência do pedido, para beneficiar as vítimas (in utilibus) [51]. O legislador tomou ainda o cuidado de evitar práticas fraudulentas para formar coisa julgada através de ações simuladas, ao instituir a coisa julgada secundum eventum litis. Quer dizer que a extensão subjetiva dos efeitos da sentença depende do resultado da lide: nos casos em que a ação for julgada improcedente por ausência de provas tais efeitos não se produzem, e outra ação poderá ser proposta. Assim, impede-se que o demandado, em conluio com o autor, possa instaurar ação temerária, sem produzir as provas necessárias, com o desiderato de obter sentença de improcedência imutável, e salvaguardando a conduta ilícita do réu [52].

Não se pode deixar de mencionar, ainda acerca da coisa julgada na ação civil pública, a alteração que a Lei 9.494/97 introduziu na redação do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, pretendendo limitar o alcance subjetivo da coisa julgada material aos limites da competência territorial do órgão prolator. Com a alteração, o artigo passou a dispor que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova" (destacou-se).

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Já é pacífica na doutrina a flagrante confusão legislativa entre coisa julgada e competência territorial do juiz e limites da coisa julgada: a decisão do juiz, uma vez legitimada pelo poder jurisdicional que lhe é conferido, é dotada de imperatividade e inafastabilidade em todo o território nacional, e não se confunde com a competência, como divisão de funções e atribuições em territórios [53]. Embora não reconhecida pelo STF, a inconstitucionalidade do dispositivo é flagrante, pois afronta o poder de jurisdição dos juízes [54].

Inobstante este fato, o problema pode ser solucionado mediante o controle difuso de constitucionalidade: com isto, alerta Luciane Tessler, o juiz, além de afastar a norma inconstitucional, preserva os efeitos de sua decisão. Há que se lembrar, outrossim, que a alteração legal atingiu apenas a Lei da Ação Civil Pública, sem alterar o dispositivo que trata da coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor (artigo 103), o qual, por força do contido no artigo 21 daquela Lei, se aplica à ação civil pública. Assim, para afastar-se o dispositivo ilegal, basta fundamentar-se integralmente no Código de Defesa do Consumidor [55].

Perceba-se que a disciplina da Lei 7.347/85 combinada com o disposto no Título III do CDC, ao diferenciar o regime de legitimidade para a causa e da coisa julgada material, é capaz de atender às modernas exigências de efetividade da tutela jurisdicional, na medida em que permite a defesa de interesses que ultrapassam as raias da individualidade e lança seus efeitos para além destes limites, abarcando a toda uma coletividade de pessoas titulares de um direito ou de vários direitos de mesma origem.

Ademais, ao permitir que em uma única ação se tutele o direito de várias pessoas, a ação civil pública "além de eliminar os custos das inúmeras ações individuais, torna mais racional e célere o trabalho dos juízes e neutraliza as vantagens do litigante que, não fosse a ação única, se transformaria em habitual, e assim teria vantagens sobre o litigante eventual" [56].

É por isso, aliás, que foi dito, linhas atrás, que a ação civil pública é mais efetiva que a ação de dissídio coletivo. Por meio, dela pode-se buscar todo tipo de tutela, além da constitutiva e declaratória, de modo que atinge toda uma comunidade de trabalhadores sujeitos às mesmas violações ou ameaças a direitos, tornando-os muito mais efetivos. Bons exemplos do seu uso para fins diversos daquele do dissídio são as ações para conter os abusos nas transferências de bancários; para conter a poluição sonora e do ambiente nas indústrias e minas; para eliminar as condições que ocasionam lesões por esforços repetitivos; para minorar as exigências de produtividade ou competitividade exageradas; para recomposição do poder econômico em momentos de instabilidade; para garantir a segurança de trabalhadores em áreas ou profissões de risco; dentre outros.

Pensa-se, assim, que embora tolhidos do instrumento tradicionalmente utilizado para a busca da efetivação de uma maior igualdade material nas relações coletivas, os trabalhadores dispõem de outros meios, mais modernos e efetivos, para a tutela de seus direitos.

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Sobre a autora
Bruna Bonfante

Servidora pública do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFANTE, Bruna. Dissídio coletivo, ação civil pública e a efetivação do princípio protetivo nas negociações coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2214, 24 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13209. Acesso em: 22 dez. 2024.

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