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Ação civil pública para regularização de loteamentos

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01/10/1999 às 00:00
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    II – DO DIREITO:

A. Introdução:

É Importante fazer, primeiramente, para se ter uma idéia global da situação ora discutida, uma breve exposição dos passos exigidos pelas legislações federal e municipal para se aprovar e regularizar o parcelamento do solo urbano, desde seu nascedouro até sua implantação definitiva, com o arquivamento do processo correspondente na Prefeitura Municipal.

Eis - dentro do sistemática traçada pela Lei Federal n.o 6.766/79 – as várias etapas que deve percorrer o loteador para que o parcelamento seja tido como regular:

          1. solicitação à Prefeitura Municipal das diretrizes para o uso do solo, do traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel (Artigo 6º);

2. indicação pela Prefeitura Municipal, nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e municipal: das ruas ou estradas; do traçado básico do sistema viário principal; da localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público; das faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e das faixas não edificáveis; da zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis (Artigo 7º);

3. apresentação à Prefeitura Municipal do projeto, contendo desenhos e memorial descritivo, acompanhado do título de propriedade, certidão de ônus reais e certidão negativa de tributos municipais, todos relativos ao imóvel (Artigo 9º);

4. aprovação pela Prefeitura Municipal do projeto do loteamento (Artigo 12);

5. pedido de registro do loteamento ao CRI competente dentro de 180 dias da aprovação do projeto, sob pena de caducidade da aprovação (Artigo 18). O pedido deve ser acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras;

6. registro propriamente dito, caso não haja impugnação ou, se houver, esta for tida como improcedente (Artigo 19);

7. suspensão, pelos compradores, dos pagamentos restantes e notificação do loteador para suprir a falta, quando for verificado que o loteamento não se acha registrado ou regularmente executado (Artigo 38). A Prefeitura Municipal ou o Ministério Público poderá promover a notificação ao loteador prevista no caput deste artigo e na forma determinada pelo Artigo 49 (Artigo 38, § 2).

8. efetivação dos depósitos das prestações devidas junto ao Registro de Imóveis competente, que as depositará em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do Artigo 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial, no caso de ocorrer a suspensão do pagamento das prestações restantes, na forma do caput deste artigo (Artigo 38, § 1);

9. levantamento judicial dos valores depositados pelo loteador, após ter regularizado o loteamento (Artigo 38 § 3);

10.regularização, pela Prefeitura Municipal, do loteamento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, caso seja desatendida pelo loteador a notificação, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes (40).

Observações importantes: A Prefeitura Municipal, quando promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento (Artigo 40, § 1º). Se os depósitos feitos não cobrirem as importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal para regularização do loteamento, este exigirá a parte faltante do loteador (Artigo 40, § 2º). No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido (Artigo 40, §, 3º). A Prefeitura Municipal, para assegurar a regularização do loteamento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados (Artigo 40, § 4);

11.obtenção do registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado, após o pagamento integral do lote adquirido;

          A Lei Municipal n.o 2.567, de 08 de Dezembro de 1988, que trata do ordenamento de uso e de ocupação do solo do Município de Campo Grande, por sua vez, em suplementação a Lei Federal 6.766/79, estabelece, de forma mais detalhada, os seguintes passos para a efetivação de um parcelamento do solo de forma regular:

solicitação, pelo empreendedor, da definição das diretrizes para o uso do solo, antes da elaboração do projeto (Item A.3.1.I);

  • devolução, pela Prefeitura Municipal, ao loteador interessado de uma via da planta da área a ser loteada (Item A.3.1.II);
  • apresentação à Prefeitura, para aprovação, do projeto do loteamento (Item A.4.2.1).
  • Observação: a aprovação do projeto pode ser feita sem ou com garantia. Dependendo da forma de aprovação, ocorrerá os seguintes desdobramentos:

  • * - APROVAÇÃO SEM HIPOTECA:

              a. aprovação do projeto de loteamento e, posterior, expedição de termo de licenciamento para início das obras – TIO, válido por dois anos (Item A.4.2.2.I.a e c);

    b. execução prévia, pelo loteador, das obras de infra-estrutura (Item A.4.2.2.I)

    c. solicitação, pelo loteador, da vistoria técnica após a execução de todas as obras (Item A.4.2.2.I.d).

    d. aceitação das obras pela Prefeitura, que expedirá o Termo de Verificação da Execução das Obras (TVO), bem como do Ato de Aprovação do Loteamento, liberando-o, desta forma, para o registro no Cartório de Registro de Imóveis e para, conseqüente, feitura de publicidade e venda dos imóveis (A.4.2.2.I."e" e "f");

              * - APROVAÇÃO COM HIPOTECA

              apresentação do Cronograma Físico-Financeiro de execução das obras de infra-estrutura, requerendo à prefeitura municipal o Ato de aprovação (A.4.2.2.II.a);

    b. aprovação, pela Prefeitura, do referido Cronograma Físico-Financeiro (A.4.2.2.II.b);

    c. determinação, através de avaliação, do número de lotes a serem hipotecados à Prefeitura, para garantir a execução das obras (A.4.2.2.II.b e c);

    Observação: o número de lotes deverá corresponder ao valor das obras a serem realizadas pelo empreendedor.

              d. expedição do instrumento de garantia hipotecária de execução das obras (A.4.2.2.II.e);

    e. liberação do loteamento para registro no Cartório de Registro de Imóveis, registro este que deve ser feito no prazo máximo de 180 dias (A.4.2.2.II.e)

    f. registro, pelo empreendedor, do loteamento, no CRI competente e apresentação ao Município da certidão que comprove a efetivação do registro, mediante o que o Poder Público expedirá o Termo de Licenciamento para Início das Obras, que deverão ser concluídas em 2 anos, a menos que haja prorrogação por mais 1 ano, a pedido justificado do loteador (A.4.2.2.II.f);

    g. execução da hipoteca pela Prefeitura, que se subroga nas obrigações do loteador na execução das obras (A.4.2.2.II.g)


    Observações finais:

              1) a lei municipal não fixa responsabilidade para o Município no caso de o loteador não realizar as obras de infra-estrutura, quando a aprovação se dá sem a exigência da garantia. E não o faz sob o falso entendimento de que a Prefeitura Municipal não falhará no seu mister de fiscalizar o andamento das obras. No entanto, o Poder Público Municipal, sabedor de suas responsabilidades, fixa no fluxograma de implantação de loteamento, o seu dever de "Verificar in loco a implantação das quadras" (f. 434, do PA 012);

    2) o artigo 50 da Lei 6.766/79 estabelece como crime contra a Administração Pública dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei federal de parcelamento do solo urbano ou das normas pertinentes do Estados e Municípios.

    3) o parágrafo único deste artigo 50 prevê a qualificação do crime acima se ele for cometido por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

    1. já o Artigo 51 prevê que quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo 50 incide nas penas a estes cominadas;

    2. mister se faz deixar claro aqui, para melhor compreensão da situação em comento o que seja loteamento clandestino e irregular. Loteamento clandestino é aquele não existe no mundo jurídico, ou seja, não foi levado a registro. Já o loteamento irregular é aquele que tendo sido registrado, o empreendedor não realizou, no tempo hábil, as obras de infra-estrutura. Ou, as tendo realizado, o fez em desacordo com o projeto aprovado pelo Poder Público competente;

    3. nas condições acima, pode-se afirmar que o loteamento Jardim São Judas Tadeu é clandestino, posto que sequer está aprovado pelo Município e, por conseqüência, não foi registrado. Sua regularização não demanda apenas o registro do loteamento como também a realização - nas condições impostas pela lei e pelo próprio Município no ato da aprovação do projeto - de todos os atos, obras e benfeitorias que o loteador estaria obrigado a fazer;

    4. não há óbice legal em que o registro seja feito antes das obras de infra-estrutura. Aliás, nas condições em que se encontram o referido parcelamento e os consumidores, o pronto registro do loteamento se impõe como medida de direito e justiça.

    A. Das responsabilidades do réu para com os consumidores que adquiriram lotes no Jardim São Judas Tadeu:

              1. Da obrigação do demandado de regularizar o loteamento São Judas Tadeu, de acordo com a Lei n.o 6.766/79:

              A princípio, o dever de executar as obras de infra-estrutura e de regularizar é da empreendedora. Na omissão desta, a obrigação é repassada, prontamente, para o Município, por força de disposição expressa do artigo 40 da Lei Federal nº 6.766/79, " in verbis":

    " Art. 40 – A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado em observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes dos lotes.

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    (....).

    § 2 - As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no Artigo 47 desta Lei.

    (....).

    § 4 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados."

    É essencial também destacar na íntegra o item "g", A.4.2.2, II, Lei Municipal n.º 2.567/88:

    "g) findo os prazos do cronograma da prorrogação, se houver, a Prefeitura Municipal executará hipoteca mencionada, subrogando-se nas obrigações do loteador, e os recursos financeiros oriundos dos lotes hipotecados, serão alocados em sub-conta específica do Fundo Municipal de desenvolvimento Urbano, destinados a execução das obras de infra-estrutura."

    Assim, tendo o loteador vendido lote clandestino; e tendo seu representante legal deixado este Município sem cumprir as obrigações assumidas e impostas pela lei, cabe ao Município de Campo Grande a responsabilidade de regularizar o parcelamento em questão.

    Note-se que a lei não impõe o dever ao Município de regularizar o loteamento tão somente quanto ele agir com culpa, a única exigência é a de que o loteador não tenha cumprido essa tarefa. Assim, a responsabilidade do réu é objetiva.

    2. Da obrigação do Município de regularizar o loteamento São Judas Tadeu, de acordo com a Constituição Federal e as lei municipais em vigor:

    A urbanização é tarefa eminentemente pública e o empresário-loteador, antes de fracionar o solo, deve submeter seu intento às conveniências da coletividade, para que este seja tido por viável, dentro da obrigação da função social do uso da propriedade.

    A realização de loteamento em total desacordo com as leis que regem o parcelamento do solo constitui-se em ato danoso, capaz de gerar situação prejudicial para os adquirentes desavisados, bem como para a Municipalidade, que se vê obrigada a conviver com situação de risco potencial e desrespeito ao bem estar público.

    Neste contesto, o Poder Público municipal tem papel preponderante a realizar, quer fiscalizando todas as áreas urbanas que compõe o município, para detectar, debelar, coibir e determinar a correção de parcelamentos clandestinos e irregulares; quer analisando, corrigindo e aprovando projetos de parcelamento; quer regularizando todos os loteamentos clandestinos e irregulares.

    É, exatamente, pela existência de tamanha responsabilidade do Município que a Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 182, que compete à Administração Municipal disciplinar, no âmbito de seu território, o uso da propriedade com vistas ao cumprimento de sua função social.

    Eis o teor do referido artigo:

    Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

    § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

    § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

    De pouco adiantaria se ter um plano diretor, como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, se o Executivo se mantém omisso, não o cumprindo nem o fazendo cumprir, bem como é vã a previsão constitucional de que a propriedade deve atender sua função social se o Poder Público municipal não toma as medidas necessárias para que tal mandamento se concretize no município.

    Ainda, no sentido de determinar o dever-poder da Administração Público de defender o consumidor em geral, dentre eles os que compram ou que se comprometem a comprar lotes de terrenos, a mesma Carta Política determina:

    "Art. 5º. (....).

    "XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;"

    (....).

    170 . A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

    I – (...)

    V – defesa do consumidor"

    Quando a Constituição Federal fala em Estado, ela não está se referindo apenas aos estados-membros, mas o faz de uma forma genérica, querendo, com isso, abranger, latus sensus, todos os níveis de Poder, quer Federal, quer Estadual, quer Municipal. Assim é que, constitucionalmente, o Município tem sim o dever de defender o consumidor e quando não o faz está ferindo o próprio princípio democrático estabelecido pela Carta Maior, cujo ápice é de que "todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido".

    Atendendo a estes princípios constitucionais e ao seu papel legiferante supletivo, as normas municipais têm disciplinado de forma eficaz a ocupação do solo urbano do município campo-grandense. Tanto é verdade que a Lei Orgânica de Campo Grande dispõe:

    "Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais do Município:

    I – garantir o desenvolvimento municipal;

    II – promover o bem da comunidade campo-grandense, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;

    III – zelar pelo respeito, em seu território, aos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal.

    (....).

    Art. 8º - Compete ao Município, além do estabelecido no art. 30 da Constituição Federal:

    III – elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar a função social das áreas habitadas do Município e garantir o bem estar de sua população;

    (....).

    Art. 47 – (....).

    Parágrafo único – São objetos de Leis Complementares, as seguintes matérias:

    (....);

    V – Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo;"

    Continuando na mesma linha e visando sempre os objetivos constitucionais, é que, ao tratar do Planejamento Municipal, a Lei Orgânica prevê, em seu artigo 108, que:

    "O Governo Municipal manterá processo permanente de planejamento, visando promover o desenvolvimento do Município, o bem estar da população e a melhoria da prestação dos serviços públicos municipais."

    Ainda, a mesma Lei Orgânica explicita em capítulo dedicado à Política Urbana:

    "Art. 116 - A Política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal dentro de um processo de planejamento permanente, tem por finalidade ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes, atendendo às diretrizes e aos objetivos estabelecidos no plano diretor.

    Parágrafo único – As funções sociais da cidade dependem do acesso de todos os cidadãos aos bens e aos serviços urbanos, assegurando-lhes condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do Município.

    Artigo 117 – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

    § 1º - O plano diretor fixará os critérios que assegurem a função social da propriedade, cujo uso e ocupação deverão respeitar a legislação urbanística, a proteção do patrimônio ambiental natural e construído e o interesse coletivo.

    (....).

    Art. 119 – O Município promoverá, em consonância com sua política urbana, respeitadas as disposições do plano diretor, programas de habitação popular e de saneamento básico destinados a melhorar as condições de moradia, sanitárias e ambientais da população carente no Município.

    § 1º - A ação do Municício deverá orientar-se para:

    (....);

    III – urbanizar, regularizar e titular as áreas ocupadas por população de baixa renda, passíveis de urbanização.

    No Capítulo "Da Assistência Social", em sua Seção I, "Dos Princípios Gerais", a predita Lei Orgânica municipal contempla:

    "Art. 158 – A ação do Município no campo da assistência social, além do estabelecido no art. 203 da Constituição Federal, objetivará promover:

    (....);

    IV – criação de meios de defesa ao consumidor."

    É preciso que se ressalte que, no caso em exame, o empreendimento é destinado à habitação da classe pobre, motivo pelo qual as práticas ilegais levadas a cabo pelo loteador deveriam ter sido duramente fiscalizadas e combatidas pelo réu.

    Longe de cumprir todos esse deveres, o demandado manteve-se, o tempo todo, no caso em exame, totalmente omisso e conivente. Como se não bastasse, o Senhor Secretário da Semur, em audiência na Promotoria de Justiça do Consumidor, Habitação e Urbanismo, teve o desplante de dizer que o Município não tem o dever de defender o consumidor. Está aí a razão de todo o equívoco. Se quem tem o dever de conhecer, obedecer e fazer obedecer a lei, sequer a conhece, como se pode exigir que o Município réu não seja omisso. Diante dessa constatação, só apelando para o Poder Judiciário, para que, através de um comando concreto, exija do administrador público que cumpra a lei, defendendo a coletividade e o plano diretor de urbanismo.

    Não se pode deixar de indagar, a respeito do aludido acima, que se o município réu não agiu porque entende que não tem o dever de defender o consumidor, por que não tomou as medidas cabíveis então para, pelo menos, fazer com que o parcelamento urbano se fizesse de uma forma planejada e de acordo com as normas legais em vigor?

    É ainda previsão constitucional de que a responsabilidade da administração pública é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, bastando ao lesado comprovar apenas o nexo de causalidade, o que já foi suficientemente demonstrado ao longo desta peça.

    3. Da obrigação do réu regularizar o loteamento São Judas Tadeu, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor:

    Mesmo que as leis acima citadas não tivessem fixado, com tanta clareza, a responsabilidade do Município de regularizar, na omissão do loteador, o Jardim São Judas Tadeu, o Código de Defesa do Consumidor não permitiria que o réu ficasse ileso dessa obrigação.

    De fato, o CDC, que se aplica também ao réu no presente caso, estabelece que são responsáveis solidários todos os que de alguma forma deram causa ao dano. Nesse sentido, estão os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, "in verbis":

    "Artigo 7º - (....).

    Parágrafo único - tendo mais de um autor a ofensa todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo".

    "Art. 25. (....).

    § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores."

    Sem sombra de dúvida, o réu não só foi responsável pela causação do dano quando podia e devia agir para evitá-lo e nada fez, além do que deu informação enganosa, por omissão, ao consumidor, quando disse que o loteamento estava aprovado, sem lhe explicar que isso não dava direito ao empreendedor de comercializar os lotes.

    O consumidor tinha o direito de receber uma informação adequada, clara e completa a respeito do loteamento onde ele queria comprar um lote, para estabelecer moradia. No entanto os representantes do demandado se contentaram em dizer apenas que o loteamento se encontrava aprovado. Além de mentirosa tal informação ela é omissiva, dado que o loteamento não estava aprovado. O que o Município aprovou, em 07.08.95, foi o projeto do loteamento e não o próprio loteamento.

    Por outro lado, além que não devesse permitir a venda de loteamentos clandestinos, deveria fazer retirar do contrato padrão usado pelo loteador de que o loteamento estava em "fase de aprovação", posto que de loteamento em fase de aprovação não se pode fazer sequer publicidade. Não só se omitiu, como também reforçou informação enganosa feita ao consumidor leigo e vulnerável.

    O Código de Defesa do Consumidor condena tal comportamento nos seguintes termos:

    "Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

    (....);

    III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

    (....).

    Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

    (....).

    "30 - toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".

    Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

    (....).

    Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

    § 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços."

    Além de tudo que acima foi dito, há que se acrescentar também que o réu feriu o CDC, quando, para proteger o consumidor:

    a) não notificou os adquirentes, como prevê o art. 38, "caput", da Lei 6.766/79, para que suspendessem o pagamento das prestações, tão logo constatou as irregularidades na execução do loteamento;

    b) não preveniu os futuros compradores, a fim de evitar provável lesão aos seus direitos;

    c) não exigiu do loteador mafioso as garantia necessárias, com realização da hipoteca prevista em lei;

    d) não promoveu, de pronto, a regularização do loteamento, como era do seu dever, aumentando, ainda mais, os prejuízos do consumidor.

    É sabido que o Poder Público Municipal tem por dever a obrigação de defender o consumidor, o que compreende, indubitavelmente, o dever de prevenir os danos.

    A própria Lei Orgânica municipal, no Capítulo "Da Assistência Social", em sua Seção I, "Dos Princípios Gerais", prevê:

    "Art. 158 – A ação do Município no campo da assistência social, além do estabelecido no art. 203 da Constituição Federal, objetivará promover:

    (....);

    IV – criação de meios de defesa ao consumidor."

    O Codecon reforça tal mandamento nos seguintes dispositivos:

    Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

    I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

    II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

    a) por iniciativa direta;

    b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

    c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

    d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho;

    (....);

    IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

    (....);

    VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

    VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

    (....).

    Art. 5º. Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o Poder Público com os seguintes instrumentos, entre outros:

    (....).

    § 1º. Os Estados, Distrito Federal e Municípios manterão órgãos de atendimento gratuito para orientação dos consumidores.

    § 2º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão fiscalizar preços e autuar os infratores, observado seu prévio tabelamento pela autoridade competente.

    Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

    (....)

    VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

    VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

    (....);

    X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."

    Eis aí, Senhor Julgador, as disposições inequívocas de que o réu deveria, como deve, proteger o consumidor e não só ver nele um cidadão a ser explorado, como pagador de tributos.

    O Estado mínimo, pregado pelo neoliberalismo, só existe quando se trata de o Poder Público cumprir suas obrigações, posto que na ora de achacar o cidadão com tributos exorbitantes e de toda ordem só se vê o Estado máximo e vilão.

    Há que se deixar assentado, por fim, que a responsabilidade do Município, também na visão do CDC, é objetiva. Tal se depreende da leitura dos artigos 14 e 22, "in verbis":

    Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

    "Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

    Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."

    Sobre o autor
    Amilton Plácido da Rosa

    Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    ROSA, Amilton Plácido. Ação civil pública para regularização de loteamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16007. Acesso em: 23 abr. 2024.

    Mais informações

    Ação civil pública contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

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