VI Conclusão
Como observa-se, então, o chamado Direito de Ingerência, apesar de amplamente repudiado pelas normas, doutrina e costume de Direito Internacional, continua ainda, mesmo depois do fim da política de contenção ao comunismo e da Guerra Fria, como uma das formas mais correntes de atuação dos EUA em sua política externa.
A intervenção da OTAN em Kosovo - capitaneada pelos norte-americanos - ilustra bem como a utilização de argumentos politicamente corretos, como a defesa das minorias e dos direitos humanos, servem apenas como pano de fundo para o emprego unilateral da força, explicitando-se um proposital esvaziamento dos fóruns da ONU em favor do fortalecimento da OTAN enquanto organismo mundial de segurança, deixando-se de lado a multilateralidade que marca a primeira.
A tentativa de justificar a ingerência argumentando-se que a defesa das minorias, dos direitos humanos e do meio ambiente esteja acima dos princípio do DI não passa de sofisma. Ora, se assim fosse, porque até hoje não se conhece qualquer interferência norte-americana ou da OTAN na Turquia em defesa da minoria curda, p. ex.? Seria então justificável uma intervenção internacional nos próprios EUA durante a colonização de seus territórios à oeste, quando dizimou-se diversas nações indígenas? Qual é a base moral deste país em defender direitos humanos em terceiras nações, se ele próprio patrocinou e deu sustentação à ditaduras latino-americana que frontalmente violavam-nos? E, por fim, para não irmos muito longe, não seria necessária uma ingerência de outro país internamente nos Estados Unidos para defender os direitos humanos da minoria negra e hispânica? A resposta às questões logicamente devem ser negativas nenhum país detêm mais soberania do que outro no DI e as controvérsias devem ser sempre resolvidas pacificamente ou por intermédio da ONU, nunca unilateralmente.
Não resta dúvida que o objetivo primeiro dos EUA nesta empreitada intervencionista visa garantir a hegemonia de sua presença "imperial" no mundo, reproduzindo seus valores políticos e econômicos como se fossem obrigatórios e universais, sendo tudo isso parte inerente do jogo de sustentação do atual modelo capitalista que tem na grande nação do norte uma liderança inquestionável.
Internamente a opinião pública estadunidense entende que esta postura se defende pela necessidade de reprodução do modelo republicano e "democrático" de sua nação em todo o mundo, como se a ingerência se justificasse por uma missão messiânica, um "Destino Manifesto" dos EUA presente desde sua independência, atualmente rebatizado de "Nação Indispensável".
O mundo passa por uma época de incertezas no campo da manutenção da paz e do relacionamento entre as potências. Ao colocar em cheque a efetividade do Sistema das Nações Unidas e das normas de DI os EUA põem em risco a estabilidade de convivência entre os diferentes países.
O Direito de Ingerência nos assuntos internos de outras nações subjuga povos e princípios consagrados pela humanidade, abre uma brecha para que toda a construção que vem se dando há séculos de um sistema legal que visa o relacionamento pacífico entre povos e nações, faça-se cair por terra.
A continuidade desta prática poderá acarretar danos irreparáveis à paz mundial e à ninguém ela deveria interessar mais que ao próprio povo norte-americano. Contudo, irracionalmente, os rumos da Pax Americana parecem levar ao destino que outros impérios já desfrutaram.
Notas
1. in PECEQUILO, p. 13
Bibliografia
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 2000.
LAMBERT, Jean-Marie O Mundo Global, Curso de Direito Internacional Público, volume 1, Goiânia, Editora Kelps, 2000.
MELLO, Celso D. de Albuquerque Curso de Direito Internacional Público, 1º volume, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1982.
PECEQUILO, Cristina Soreanu - A Política Externa dos Estados Unidos: Fundamentos e Perspectivas, Cena Internacional, ano 2 - n.º 1 - jun/2000.
REZEK, José Francisco - Direito Internacional Público: Curso Elementar, São Paulo, Saraiva, 1994.
SOUTO MAIOR, Luiz A. P. O Dever de "Ingerência", Carta Internacional, n.º 86, ano VIII, abr/2000.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado O Esgotamento de Recursos Internos no Direito Internacional, Brasília, Edunb, 1984