4. A unificação ou a harmonização das legislações?
Fazendo-se uma leitura de ambos os Tratados, o de Roma e o de Assunção verifica-se o compromisso expresso assumido pelos Estados-membros respectivamente, no sentido de aproximar e harmonizar as legislações nacionais para lograr o fortalecimento do processo de integração regional.
Para haver a consolidação de um processo de integração faz-se mister uma harmonização jurídica. Até porque os impactos oriundos de um processo de integração plena não se restringem ao âmbito econômico. Há desdobramentos institucionais, sociais, e principalmente jurídicos, os quais representam o maior desafio do processo de integração. Sendo assim para que se dê um processo de integração é necessário o cumprimento de um estágio prévio, qual seja: a harmonização das legislações.
É muito comum a utilização do termo unificação como sinonímia de harmonização das legislações, mas são situações distintas. Em geral, na unificação há a pretensão de dotar os países envolvidos de uma legislação comum, afastando o princípio da soberania interna.
Segundo Martha Jimenez ao analisar a jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Européia, observa que é reiterado o entendimento do Tribunal no sentido de que o "Tratado Comunitário criou um novo ordenamento jurídico em favor do qual os Estados têm limitados, em âmbito cada vez mais amplo, seus direitos de soberania e cujos sujeitos não são unicamente os Estados Membros, são também seus nacionais".(14)
Ao passo que na harmonização se pretende eliminar as divergências entre os ordenamentos, mas cada um permanece com a autonomia da sua legislação. Busca-se uma convergência principalmente no que diz respeito as normas gerais.
O recurso à uniformização não é o mais acatado principalmente, se for levado em conta a sua inflexibilidade.
"À rigidez da unificação, na forma de direito supranacional com vigência em vários estados, buscou-se a alternativa de uma fórmula mais leve e arejada, encontrada na harmonização que significa, corretamente, a adaptação das legislações internas a uma diretriz comum tomada externamente. A escolha entre a unificação e a harmonização está intrinsecamente ligada à questão de como se quer uma comunidade econômica: com maior ou menor perda de soberania, construindo um Superestado ou cedendo o mínimo de individualidade para a autoridade central. Essa questão, como se vê, tem fundo filosófico, político e ideológico, parecendo claro que a opção pela forma mais atenuada da harmonização é a que mais se amolda aos princípios liberais e democráticos.
Por outro lado, a tarefa gigantesca de unificação pode ser substituída pela mera adoção uniforme de princípios gerais ou de pontos essenciais de determinada relação jurídica, o que também indica o caminho da harmonização como o mais adequado para atingir-se a uniformidade, ainda que parcial mas, sem dúvida no seu aspecto fundamental.
E entre a unificação completa, instituída em todos os níveis e que deve ser evitada, e o completo isolamento dos sistemas jurídicos dos Estados, que deve ser igualmente rejeitado, há um caminho intermediário que é o da harmonização". (15)
Feitas todas essas considerações é inconteste que o Mercosul detém uma estrutura eminentemente econômica, ainda que se considere a contemplação do princípio da gradualidade como mecanismo aliado ao elemento tempo para equacionar as diferenças e peculiaridades presentes em cada integrante do bloco. Não obstante, nada que justifique a maneira lenta como vêm se dado a superação das etapas. Ratificando o que fora dito acima, a livre circulação dos trabalhadores no Mercosul está no plano teórico.
Nesta mesma linha de pensamento nos filiamos a síntese, bastante pertinente, de Osanir de Lavor ao enumerar os problemas atuais do Mercosul e a necessidade de superá-los para a plenitude de uma integração, são eles:
"a) a inexistência, até o momento, de um Estatuto do Trabalhador Migrante;
b) o desencontro ainda existente das legislações sociais dos países-membros;
c) a ausência de normas protetoras do exercício da atividade dos profissionais liberais, com harmonização de legislação de ensino e equalização de currículos acadêmicos;
d)inexistência de acordos sobre a questão da "reserva de mercado" para os trabalhadores nacionais (sobre quais campos de atividade deve incidir a "reserva");
e)a falta de uma regulamentação, não uniforme, mas, pelo menos, harmoniosa dos direitos sociais comuns dos quatro países-membros;
f)a não-existência de regras de proteção para o trabalhador estrangeiro e para sua família, no que concerne à seguridade social;
g)a carência de normas reguladoras do exercício da atividade inter-nações ou internacional dos sindicatos;
h)a indolência dos estados-membros em relação à necessidade de reforma em suas Constituições para facilitarem os processos de integração e melhor se adaptarem às exigências das relações internacionais hodiernas." (16)
5.Conclusões
Após as considerações fica claro que os parceiros do Mercosul não estão dando a importância devida ao problema da livre circulação dos trabalhadores.
Hoje, passados oito anos da constituição do Tratado de Assunção, mesmo considerando o princípio da gradualidade, vê-se um processo de integração internalizado, ou seja, cada um dos parceiros com parcimônia em relação ao outro. As diferenças não foram superadas, a começar pela ausência de harmonização das legislações que representa a base de todo processo de integração.
O contexto do Mercosul é muito mais de uma união aduaneira, significando dizer que está no estágio da integração com fins econômicos e longe de alcançar o nível de mercado comum da União Européia.
Isto ficou muito patente quando se fez o cotejo os dois blocos a partir daqueles aspectos, quais sejam: a normatividade das migrações trabalhistas, precisamente a incompatibilidade da legislação brasileira frente ao processo de integração, a ausência de um Tribunal de Justiça supranacional e a incipiente harmonização das legislações entre os parceiros. Etapas já superadas pela União Européia.
Em suma, ou se dá um cunho mais incisivo de mercado comum ao Mercosul ou ele tende a ser mais um processo frustrado de integração vivido pela América Latina.
E por fim, no tocante a análise pretendida, ou seja, a livre circulação dos trabalhadores percebeu-se que ainda é muito genérico e vago as atenções com a matéria.
NOTAS
1. Cf. Tratado de Roma alterado pelo Tratado de Maastricht, art. 2º e 3º, c.
2. Tratado de Roma, art. 48.
3. Constituição Federal, arts. 1º, III e IV , 3º, I, 170, VIII e 193.
4. Georgenor de Sousa Franco Filho. Livre circulação de trabalhadores no Mercosul. Revista Consulex, 1998, p. 64.
5. Cf. Direito constitucional, 6ª ed., 1995, p.166.
6. Cf. Introdução ao estudo do direito, 1988, p. 132.
7. Cf. Uma decisão trabalhista e o Mercosul. ST, 1997, p. 18
8. Amauri Mascaro Nascimento. Normas para a circulação de trabalhadores no Mercosul
9. Haroldo Pabst, Mercosul: direito da integração, 1997, p. XIX.
10. Armando Álvares Garcia Jr. O direito do trabalho no Mercosul, 1997, p. 89.
11. Protocolo de Brasília.
12. Citado por Paulo Borba Caselha. Mercosul: exigências e perspectiva, 1996, p. 165.
13. Helios Sarthou. Primeras reflexiones sobre trabajo, derecho, integracion Mercosul y Globalizacion ante las puertas del nuevo siglo. Suplemento trabalhista, 114, 1998, p. 121-2.
14. Cf. Mercosul seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. 1995, p.18
15. Haroldo Pabst, Mercosul: direito da integração, 1997, p. 35-6.
16. Cf. Revista Consulex, 1998, p. 59
BIBLIOGRAFIA
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