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O regime patrimonial entre os cônjuges nos países do Mercosul e no Chile e a harmonização legislativa

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Resumo:


  • A globalização econômica impõe a necessidade de harmonização das legislações, especialmente em aspectos patrimoniais e sucessórios do matrimônio.

  • Os regimes de bens no casamento e as relações patrimoniais entre cônjuges variam entre os países do Mercosul e Chile, afetando a segurança jurídica nas transações comerciais.

  • É viável e necessário um esforço conjunto para a unificação das normas que regem o regime patrimonial no casamento, respeitando as peculiaridades culturais e históricas de cada nação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. A Possessão Hereditária e os cônjuges

3.1. Conceito de possessão hereditária

Não se deve confundir a aquisição da herança com a aquisição ou posse de direitos reais.

A posse de uma coisa se dá quando alguma pessoa, por si ou por outra, tenha uma coisa sob o seu poder, com intenção de submetê-la ao exercício de um direito de propriedade. Logo, percebe-se que a posse material requer dois elementos: o corpus e o animus. O primeiro é a detenção material da coisa ou a possibilidade certa de tal detenção, enquanto que o segundo é o elemento voluntário consistente em acreditar ser possuidor.

Nenhum dos dois elementos referidos é necessário para que se adquira a possessão hereditária. O herdeiro pode não ter materialmente as coisas sob o seu poder e, não obstante, ter a sua possessão hereditária. Do mesmo, pode tê-la sem nem mesmo saber que a tem.

Portanto, possessão hereditária, como bem definem Borda e Lafaille, citados por Córdoba, Levy, Solari e Wagmaster(6), é o título da qualidade de herdeiro, o reconhecimento de tal (Borda); é, sobretudo, a investidura oficial que exterioriza a transferência que se opera só pelo fato da morte.

A finalidade da possessão hereditária é dar a devida publicidade e, conseqüentemente, o reconhecimento da qualidade hereditária. Conforme a lição dos referidos autores(7), o que se persegue com a possessão hereditária é "um propósito de garantia e publicidade para acreditar esse caráter hereditário, para verificar que a transmissão se operou devidamente e, enfim, levá-la ao conhecimento de terceiros."

          3.2. Evolução histórica do instituto da possessão hereditária

Para alguns autores, a possessão hereditária se originou no direito medieval germânico, relacionada com a idéia de co-propriedade familiar da tribo, ou seja, a propriedade comum dos bens por parte da família. A propriedade pertencia a todo um grupo de pessoas e não a um único indivíduo. Quando morria algum dos seus integrantes, os restantes não recebiam a propriedade e sim continuavam na mesma, onde já se encontravam, mas com uma maior extensão.

Outra parte da doutrina aponta o antecedente desse instituto no direito francês, o qual impunha que quando da morte de uma pessoa seus bens passavam ao poder do senhor feudal, o qual logo os traspassava aos herdeiros do falecido, recebendo por isso um tributo. Esse sistema resultou em abusos, de modo que se evoluiu para a idéia de que é o próprio causante quem põe à sua morte a possessão dos bens aos seus sucessores, sem intervenção de terceiros, evitando-se, assim, o intermédio que constituía o fato gerador do tributo. Este sistema era denominado saisine e foi, mais tarde, adotado no Código Napoleão ("o morto põe em sucessão ao vivo, seu herdeiro mais próximo, hábil para suceder").

Também se encontra precursor da possessão hereditária no direito espanhol, no qual os herdeiros deviam acreditar ante a autoridade seu vínculo com o causante e com isso se lhes reconhecia a investidura hereditária, salvo quanto aos mayorazgos, cuja herança se dava pelo sistema da saisine.

O direito romano previa um sistema duplo: a) o adotado para os herdeiros que não entravam na categoria de "sui", que não adquiriam de pleno direito a situação jurídica da qual gozava o causante, razão pela qual as relações das quais este era titular ficavam temporariamente privadas de sujeito, e os bens, portanto, como "res nullius" (figura da herança jacente; e b) o sistema correspondente à "saisine" para os "heredes sui", pelo qual o herdeiro era investido pela lei na propriedade e na posse dos bens hereditários, de forma tal que automaticamente ocupava o lugar do causante na relação jurídica transmitida.

Porém, há quem sustente que este último sistema (que corresponde à saisine) não foi conhecido pelos romanos, já que seu espírito lógico e claro repugnava uma posse desprovida de toda materialidade, nem mesmo aplicada aos herdeiros necessários.

Mas tudo indica que a saisine, na sua verdadeira essência, tem sua origem mesma no feudalismo medieval, como uma fórmula encontrada pelo povo para furtar-se da gana tributária do rei ou do senhor feudal sobre a herança, conforme referido anteriormente.

Enfim, consoante Ripert e Boulanger(8) saisine é a habilitação legal reconhecida ao herdeiro, para efeito de exercer os direitos e ações do defunto, sem necessitar de nenhuma formalidade prévia.

          3.3. Histórico da possessão hereditária no direito comparado

No Código Napoleônico adotou-se a saisine quanto aos herdeiros legítimos (ascendentes, descendentes e colaterais imediatos), enquanto que os denominados sucessores irregulares (cônjuge e parentes naturais) deviam pedir a possessão hereditária ao juiz.

No antigo direito espanhol, segundo a maioria dos doutrinadores, há um único exemplo de saisine na Lei 45 de Toro, instituída para as heranças dos mayorazgos. Segundo essa versão doutrinária, excetuado este caso, no direito espanhol nunca se produzia a transmissão de pleno direito, pois era necessário requerer a investitura judicialmente.

Todavia, Córdoba(9) aponta outro antecedente no direito espanhol, segundo ele, nunca mencionado por outros doutrinadores. Tal antecedente emana da uma lei de 9 de novembro de 1526, recompilada sob o nº 42 do Título XXXII correspondente ao livro II das leis recompiladas, tento na versão de 1681 como na de 1774. Alerta o referido autor que, não obstante, a lei 45 de Toro foi outro antecedente espanhol da transmissão da possessão ipso jure, mas referente a transmissões singulares e não a título universal.

          3.4. A possessão hereditária e a posição do cônjuge nos países do Mercosul e no Chile

          3.4.1. Brasil

          3.4.1.1. A possessão hereditária

Conforme Bittar(10), no Brasil, "constitui aquisição ou adição da herança outro efeito do fato do falecimento do "de cujus", em razão do "droit de saisine". Assim, com a morte, a posse e a propriedade dos bens do finado transferem-se para seus herdeiros, como expressamente estatui nossa codificação."

Prossegue o mesmo autor(11), esclarecendo que "a aquisição e a aceitação são, portanto, momentos diferentes no fenômeno sucessório. Investe-se o herdeiro em sua condição de sucessor com o fato da morte, com o qual se opera a adição (=aquisição). Mas, a efetiva integração somente se processa com a aceitação, que retroage efeitos à época da abertura da sucessão. Pode-se, portanto, assentar, em visão global do fenômeno, a sua tríplice faceta, ou seja, a da abertura, a da transmissão e a da aquisição da herança, todas simultâneas ao falecimento, como conseqüências diretas e imediatas. Já a aceitação se produz, de regra, posteriormente, assumindo o herdeiro, de modo efetivo a sua posição jurídica com relação ao espólio, ou não, se porventura a renunciar, como se lhe faculta."

Em síntese: a possessão hereditária, no Brasil, segue o sistema da saisine, que se encontra corporificado no Código Civil, precisamente no artigo 1572.

          3.4.1.2. Herdeiros que são investidos imediatamente na herança e posição do cônjuge

No Brasil, a sucessão pode operar-se por vontade do autor da herança, por força de lei, ou mediante a combinação de regimes. A sucessão por vontade do autor denomina-se Testamentária e a sucessão por força de lei é chamada Legítima.

A sucessão legítima, que interessa a este estudo, é instituída em lei no intuito de suprir eventual ausência de disposição, ou, mesmo, com ela conviver, preservando interesses de certas categorias de pessoas relacionadas com o "de cujus". Funda-se a sucessão legítima nos liames decorrentes do casamento e do parentesco e se realiza consoante certos princípios básicos, que procuram direcionar a herança, segundo ordem própria, para categorias de pessoas descritas em seu contexto, que têm em comum a afeição, o respeito e a consideração recíprocas, em especial pais e filhos.

O sistema é construído, pois, a partir das seguintes noções: a) de que certos parentes devem, necessariamente, recolher parte de herança, consoante vontade presumida do "de cujus"; b) o chamamento à sucessão deve proceder-se consoante classes e por escala, de modo excludente, salvo explícitas exceções legais; e c) envolvem-se, em seu âmbito, tanto nacionais como estrangeiros, observadas as disposições específicas.

Os sucessores na sucessão legítima são classificados, em função da proximidade com o falecido, em necessários ou legitimários e facultativos. Necessários ou Legitimários (ou forçados ou, ainda, obrigatórios) são os ascendentes e os descendentes, a quem se reserva porção da herança denominada legítima, a qual representa um limite à plena disponibilidade por testamento (a pessoa que tem herdeiros necessários não pode doar, por testamento para valer à sua morte, bens pertencentes à legítima). Por sua vez, herdeiros facultativos são o cônjuge e os colaterais (acrescente-se: e o Estado, cuja condição mesma de herdeiro sempre tem sido objeto de debate).

As pessoas indicadas para suceder encontram-se relacionadas no art. 1603 do Código Civil. Ao mencionar os descendentes e ascendentes, refere-se somente aos ligados por laços de sangue, sendo excluídos, assim, os parentes por afinidade. Outrossim, a ordem é hierárquica e excludente, de modo que, havendo uma determinada categoria de herdeiro, ela exclui completamente a categoria seguinte.

Para arrematar, veja-se qual é a ordem de vocação hereditária estabelecida no Brasil e a possição em que o cônjuge se encontra nessa ordem, conforme o art. 1603 do Código Civil, "in verbis":

Art. 1603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes;

II - aos ascendentes;

          III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais;

V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.

Ressalte-se, para concluir, que os colaterais que herdam são somente aqueles até o quarto grau (art. 1612).

          3.4.1.3. A possessão hereditária no projeto de reforma do Código Civil

No projeto de reforma do Código Civil Brasileiro, que se encontra prestes a ser aprovado pelo Congresso Nacional, não há nenhuma alteração quanto ao momento e à forma de aquisição da herança pelos herdeiros.

Todavia, há substancial alteração no que concerne à posição do cônjuge na ordem de vocação hereditária. Pelo projeto, a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.652, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

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          III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Pelo Projeto, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, ainda ficará assegurado ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (art. 1843).

Como se percebe, o cônjuge, sem prejuízo do direito real de habitação sobre o único imóvel residencial da família a inventariar, passa a ser herdeiro em qualquer situação, concorrentemente com descendentes ou com ascendentes e pode ficar com toda a herança, na falta de descendentes ou ascendentes, eis que a ordem referida é excludente, ou seja, existindo uma categoria, ela herda tudo, e a seguinte fica excluída da herança.

Na concorrência com descendentes, o cônjuge fica com quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça e sua quota não pode ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer (art. 1844).

Se concorrer com ascendente em primeiro grau, o cônjuge ficará com um terço da herança; mas fica com a metade se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau (art. 1849).

Faltando descentendes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente fica com toda a herança (art. 1850).

À falta de herdeiros, tal como já vigora, fica com a herança o Município ou o Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou a União, quando situada em Território Federal (art. 1856).

Igualmente ao Código vigente, somente os colaterais até o quarto grau é que têm o direito de suceder na sucessão "ab-intestato".

          3.4.2. Argentina

          3.4.2.1. A possessão hereditária

Na Argentina, vigoram dois sistemas de transmissão da posse da herança. Pelo primeiro sistema, previsto no artigo 3410, quando a sucessão tem lugar entre ascendentes, descendentes e cônjuge, o herdeiro entra na possse da herança desde o dia da morte do autor da sucessão, sem nenhuma formalidade ou intervenção dos juízes, mesmo que ignorasse a abertura da sucessão e seu chamamento à herança. Portanto, no exato momento em que falece uma pessoa, seu(s) herdeiro(s), sendo ascendentes, descendentes ou cônjuge, adquire(m), "ipso jure", a propriedade da herança (art. 3420 do Código Civil argentino). A morte, a abertura da herança e a sua transmissão se produzem no mesmo instante, sem nenhum intervalo de tempo entre elas (art. 3282).

O outro sistema está inserido no artigo 3412 do Código Civil e consiste em que os outros parentes chamados pela lei à sucessão não podem tomar a posse da herança, sem pedí-la aos juízes e justificar seu título à sucessão.

          3.4.2.2. Herdeiros que são investidos imetiatamente na herança e posição do cônjuge

Segundo o sistema do Código Civil argentino, depois das reformas proporcionadas pelas Leis 17.711 e 23.264, os herdeiros que são investidos automaticamente na herança, desde a morte do causante, são os ascendentes, os descendentes e o cônjuge sobrevivente.

Se o falecido deixa cônjuge e filhos, o cônjuge sobrevivente herda uma parcela igual à dos filhos (arts. 3565 e 3570 do Código Civil); não havendo filhos e descendentes, herdam os ascendentes e o cônjuge sobrevivente, caso em que este herdará a metade dos bens próprios do "de cujus" e também a metade da parte de gananciales que cabia ao falecido, ficando a outra metade para os ascendentes pai e mãe, que recebem partes iguais desta metade (arts. 3568 e 3571), ou, na falta destes, para os ascendentes mais próximos em grau, por partes iguais, ainda que sejam de distintas linhas; não havendo descendentes nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente herda tudo, excluindo a todos os parentes colaterais (art. 3572).

O direito hereditário entre os cônjuges desaparece, em qualquer hipótese, se eles se divorciarem (art. 3574).

Estando separados por sentença de juiz, o cônjuge que porventura deu causa à separação perde o direito de herdar; se a separação foi por motivo de doença de um dos cônjuges, não desaparece o direito de herdar; em qualquer hipótese de separação na qual o cônjuge conserve o direito hereditário, o perderá se viver em concumbinato ou incorrer em injúrias graves contra o outro. Igualmente, desaparece o direito de herdar entre os cônjuges, se vivessem separdos de fato sem vontade de unirem-se ou estando provisionalmente separados pelo juiz competente, porém, o inocente conservará a vocação hereditária sempre que não incorrer nas demais causas de exclusão.

De grande importância, ainda, as disposições dos artigos 3576 e 3576 bis, do Código Civil argentino, este último incorporado pela Lei 23.515. O primeiro estabelece que "em todos os casos em que o viúvo ou viúva é chamado à sucessão em concorrência com descendentes, o cônjuge sobrevivente não terá parte alguma na divisão de bens lucrativos (=gananciales) que correspondiam ao cônjuge prefalecido." E o segundo dos dispositivos mencionados estabelece que "a viúva que permanecer nesse estado e não tiver filhos, ou que, se os teve, não sobreviviam no momento da abertura da sucessão dos sogros, terá direito à quarta parte dos bens que corresponderiam ao seu esposo em dita sucessão."

Veja-se um exemplo do primeiro caso: A e B são casados e B fica viúvo. Depois, morre o pai de A, deixando cônjuge e descendentes. Neste caso, B é chamado a herdar do pai de A, em concorrência com os descendentes deste (o pai de A). Nesta hipótese, o cônjuge do pai de A, ou seja, a mãe de A, não terá parte alguma dos bens lucrativos (=gananciales) deixados pelo marido falecido.

Agora, um exemplo do segundo caso, com as mesmas pessoas hipotéticas: A, homem, e B, mulher, são casados. Morre A, ficando viúva B.

Depois morre o pai de A. Neste caso, B herdará do pai de A a quarta parte do que A herdaria, se estivesse vivo, desde que não tivesse filhos quando seu pai faleceu ou, se os teve, eles já não eram vivos quando do falecimento do avô (pai de A).

          3.4.2.3. A possessão hereditária nos projetos de reforma do Código Civil

Não há nenhuma alteração projetada, quanto à ordem de vocação hereditária estabelecida no Código Civil, nem quanto à posição que o cônjuge ocupa nessa ordem.

          3.4.3. Uruguai

          3.4.3.1. A possessão hereditária

Dispõe o artigo 1037 do Código Civil uruguaio que a sucessão, seja testada ou intestada, se abre no momento da morte natural da pessoa ou pela presunção de morte causada pela ausência, observado o disposto no Capítulo III, Livro IV do Livro Primeiro.

Pelo simples fato de se abrir a sucessão (o que se dá automaticamente,com a morte), a propriedade e a posse da herança passa de pleno direito aos herdeiros do defunto, com a obrigação de pagar as dívidas e encargos hereditários (artigo 1039). Adota o Uruguai, pelo que se depreende, o sistema da saisine.

          3.4.3.2. Herdeiros que são investidos imetiatamente na herança e posição do cônjuge

A ordem de chamamento à sucessão hereditária, no Uruguai, prevê, em primeiro lugar, a linha reta descendente, conforme dispõe o artigo 1025 do Código Civil. Havendo descendentes legítimos ou naturais, eles excluem todos os outros herdeiros, sem prejuízo da porção conjugal(12) que corresponde ao cônjuge sobrevivente.

Não havendo descendentes legítimos ou naturais do defunto na linha reta, o sucederão seus ascendentes legítimos de grau mais próximos, ou naturais, quando tenha havido o reconhecimento anterior ao falecimento do causante e seu cônjuge. A herança, nesse caso, se divide em duas partes, uma para os descendentes e uma para o cônjuge (art. 1026).

Faltando os descendentes de grau mais próximos, sucederão os irmãos legítimos ou naturais e seus filhos adotivos, caso em que a herança se dividirá em duas partes: uma para os irmãos e outra para os filhos adotivos e, na falta de uma dessas classes, a outra levará toda a herança (art. 1027). Compreendem-se como irmãos, para efeito desta regra, tanto os que só o sejam por parte de pai como por parte de mãe, mas a porção do irmão paterno ou materno será a metade da porção do irmão carnal.

Faltando descendentes, ascendentes, irmãos, cônjuge sobrevivente e filhos adotivos, são chamados à sucessão o pai ou mãe adotante e os colaterais legítimos ou naturais do defunto, exceto os de segundo grau (art. 1021), observado o seguinte:

1º O adotante excluirá os colaterais;

2º O colateral ou os colaterais de grau mais próximo exclurão sempre os outros;

3º os direitos de sucessão dos colaterais não se estenderão além do quarto grau, sem prejuízo do direito de representação;

4º os colaterais de simples conjunção, ou seja, os que só são parentes do defunto por parte de pai ou por parte de mãe, gozarão dos mesmos direitos que os colaterais de dupla conjunção, isto é, os que são parentes do defunto por parte de pai ou por parte de mãe.

Morrendo um filho natural que não deixa descendentes legítimos, se deferirá a herança de acordo com a ordem e as regras a seguir:

Primeiramente ao seu cônjuge, depois, seu pai ou mãe, ou ambos, desde que o hajam reconhecido. Por fim, seus filhos naturais e seus filhos adotivos, dividindo-se a herança em partes iguais entre as classes que concorram.

Em segundo lugar, ao pai ou mãe adotante.

Em terceiro lugar a aqueles dos irmãos que forem filhos naturais ou legítimos do mesmo pai, da mesma mãe ou de ambos. Todos esses sucederão simultaneamente; mas o irmão carnal levará o dobro da porção paterna ou materna (art. 1029).

Finalmente, faltando qualquer dos que tenham direito a herdar, herdará o Estado (art. 1034).

Em síntese, o cônjuge sempre tem direito à metade da herança do defunto, nunca a toda ela. Porém, qualquer que seja o concorrente, ela sempre fica com a metade. Poder-se-ía esboçar, então,a ordem de vocação hereditária no Uruguai:

1º O cônjuge sobrevivente e os descendentes legítimos ou naturais do defunto na linha reta, sendo metade para aquela e metade dividida em partes iguais entre estes últimos;

2º O cônjuge sobrevivente e os ascendentes legítimos de grau mais próximo do defunto, ou naturais, neste último caso, se tiverem reconhecido o descendente antes de sua morte; aqui, também, o cônjuge fica com a metade e os descendentes com a outra;

3º O cônjuge sobrevivente, os irmãos legítimos ou naturais do defunto e os filhos adotivos do defunto. Neste caso, o cônjuge fica com a metade e a outra metade é dividida em duas partes, ficando uma para os irmãos e outra para os filhos adotivos. Na falta de uma destas duas classes, a outra fica com toda a metade da herança;

4º O cônjuge sobrevivente e o pai ou a mãe adotante do defunto,

5º O cônjuge sobrevivente e os colaterais legítimos ou naturais do defunto, exceto os de segundo grau (art. 1021), ficando aquele com a metade e os demais com a outra metade, observada a divisão determinada no artigo 1028.

6º Faltando qualquer um dos herdeiros acima, e somente nessa hipótese, herdará o Estado.

Na falta do cônjuge, é claro, observar-se-á a divisão de toda a herança entre os herdeiros, segundo a ordem de chamamento apontada.

Necessário acrescentar, finalmente, que o cônjuge perde o direito de suceder o outro se estivesse separado, por culpa sua, declarada na sentença (art. 1031).

          3.4.4. Paraguai

          3.4.4.1 A possessão hereditária

A sucessão por morte, no Código Civil paraguaio, encontra-se regulamentada no Livro Quinto. No Título I (Dos direitos hereditários), Capítulo I (Das disposições gerais), consta o artigo 2443, estabelecendo o seguinte:

          "Desde a morte de uma pessoa se transmitem a propriedade dos bens e direitos que constituem a herança, a aqueles que devem recebê-la."

Guardando coerência com o disposto no artigo transcrito, o artigo 2446 dispõe, "in verbis", que:

          "Desde a morte do causante, seus herdeiros lhe sucedem em seus direitos efetivos e nos eventuais. São possuidores dos que o autor possuía mesmo antes de exercer efetivamente o direito sobre as coisas hereditárias. O herdeiro que sobrevive um só instante ao causante transmite a herança aos seus próprios herdeiros."

Portanto, no Paraguai a transmissão da propriedade e da posse dos bens do falecido para os seus herdeiros é automática, dando-se simplesmente por decorrência da morte, inexistindo qualquer condição.

Ratifica essa afirmação o artigo 2450, que também assegura ao herdeiro a faculdade de renunciar à herança:

          "O herdeiro adquire a herança desde a morte do causante, sob reserva de sua faculdade de renunciá-la.

Esta faculdade deverá ser exercida dentro dos cento e cinqüenta dias contados da data do falecimento real ou presuntivo do causante.

Se o herdeiro tiver domicílio no estrangeiro, o prazo será de duzentos e quarenta dias.

O herdeiro que aceitar a herança está sujeito a todas as obrigações que lhe impõe tal qualidade, e transmite a seus sucessores universais a herança que recebeu, com os direitos e as obrigações derivados de sua aceitação.

          3.4.4.2. Herdeiros que são investidos imediatamente na

          herança e posição do cônjuge

Do disposto nos artigos 2584 a 2590, do Código Civil paraguaio, constata-se que:

a) são herdeiros os descendentes, os ascendentes, o cônjuge sobrevivente, os irmãos. Nesta relação, obedecidas as restrições especificadas no Código, estão compreendidos descendentes adotivos e extramatrimoniais, os quais herdam dos pais extramatrimoniais ou adotivos, e vice-versa; igualmente, estão compreendidos os irmãos matrimoniais ou extramatrimoniais (arts. 2591 a 2596);

b) mesmo havendo descendentes ou, na falta destes, ascendentes, o cônjuge sobrevivente sempre herdará concorrentemente com eles, sendo que o tamanho de sua porção dependerá da espécie dos demais herdeiros;

c) assim, havendo filhos do falecido, a porção do cônjuge é igual à que cabe a cada um dos filhos que com ele concorram à herança (art. 2586, "a");

d) se concorrerem com o cônjuge sobrevivente o pai e a mãe do causante, o cônjuge fica com a terça parte da herança; se este concorre apenas com um deles, ficará com a metade da herança (art. 2586 "b"); e

e) não havendo descendentes nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente fica com a totalidade da herança (art. 1586, "d").

f) o cônjuge que concorra com ascendentes ou descendentes não terá parte a título de herança nos bens lucrativos (=gananciales) que houverem correspondido ao causante (art. 2588);

f) o cônjuge que permanecer viúvo e não tiver filhos, ou que, se os teve, não sobreviviam ao tempo em que se abriu a sucessão dos sogros, terá direito à terceira parte dos bens que caberiam ao outro cônjuge em ditas sucessões (art. 2589);

g) o cônjuge sobrevivente, quando concorrer com ascendentes, ou descendentes extramatrimoniais, terá direito a uma quarta parte sobre o haver líquido hereditário de lucrativos. Este benefício não existe quando o cônjuge concore com descendentes ou ascendentes matrimoniais (art. 2590).

Filhos e descendentes extramatrimoniais, no direito paraguaio, herdam os bens próprios do causante em igualdade de condições com os matrimoniais, mas, quanto aos bens lucrativos (ou gananciales), receberão metade do que corresponda aos filhos matrimoniais.

          3.4.5. Chile

          3.4.5.1. A possessão hereditária

Consoante ensina Marcos M. Córdoba(13), o Código Civil chileno trata do tema no Livro II (Dos bens e de seu domínio, posse, uso e gozo), dispondo, precisamente no artigo 688, que: "No momento de deferir-se a herança, a possessão dela se confere por lei ao herdeiro; mas esta possessão legal não habilita o herdeiro para dispor de maneira alguma de um imóvel, enquanto não proceda:

          1) O decreto judicial que dá a possessão efetiva (o qual deve ser inscrito no registro competente e, sendo testamentária a sucessão, o testamento deverá ser também inscrito);

          2) As inscrições especiais previstas nos incisos 1º e 2º do artigo precedente (feitas esssas inscrições, os herdeiros poderão dispor dos imóveis herdados); e

          3) A inscrição especial prevista no inciso 3º (é também condição para que o herdeiro possa dispor, por si só, dos imóveis que lhe tenham cabido na partição) .

O artigo 955, do Código Civil chileno, dispõe que "a sucessão nos bens do uma pessoa se abre no momento de sua morte em seu último domicílio; salvos os casos expressamente excetuados."

Conclui-se, portanto, que, ressalvado quanto aos bens imóveis, a posse a a propriedade dos bens do falecido se transmitem automaticamente ao herdeiro, com o falecimento do autor da herança. O atributo do direito de propriedade relativo aos bens imóveis, referente ao poder de disposição, só os terá por completo, o herdeiro, depois de cumprir certas formalidades legais, já referidas.

          3.4.5.2. Herdeiros que são investidos imediatamente na

          herança e posição do cônjuge

Estabelece o artigo 983 do Código Civil chileno que "são chamados à sucessão os descendentes legítimos do defunto; seus ascendentes legítimos; seus colaterais legítimos; seus filhos naturais; seus pais naturais; seus irmãos naturais; o cônjuge sobrevivente; o adotado em seu caso; e o Fisco."

O adotado herda com base em lei própria (art. 983, "in fine").

Os filhos legítimos excluem a todos os outros herdeiros, salvo se houver também filhos naturais, caso em que estes concorrem com aqueles. Mas sempre fica ressalvada a porção conjugal do cônjuge sobrevivente.

          Em síntese, dos artigos 993 e 988 a 998, colhem-se as seguintes regras:

a) são herdeiros do falecido os seus descendentes legítimos; seus ascendentes legítimos; seus colaterais legítimos; seus filhos naturais; seus pais naturais; seus irmãos naturais; o cônjuge sobrevivente; o adotado, conforme o caso; e o Fisco;

b) havendo cônjuge sobreviente, este sempre herda a metade, independente de com quem esteja concorrendo;

c) os filhos legítimos excluem a todos os outros herdeiros, a menos que haja também filhos naturais, caso em que estes concorrem com aqueles, mas a porção de um filho natural será somente a metade da cabível para um filho legítimo e, ainda assim, as porções dos filhos naturais, em concorrência com os filhos legítimos, não poderão exceder em conjunto de uma quarta parte da herança ou de uma quarta parte da metade legitimária, se for o caso; mas fica preservada, sempre, a porção do cônjuge sobrevivente;

d) se o defunto não deixar sucessores legítimos, lhe sucederão seus ascendentes legítimos de grau mais próximo, seu cônjuge e seus filhos naturais. A herança, nesse caso, se dividirá em três partes, uma para os ascendentes legítimos, uma para o cônjuge sobrevivente e outra para os filhos naturais. Não havendo cônjuge sobrevivente, ou não havendo filhos naturais, se dividirá a herança por metades: uma para os ascendentes legítimos e outra para os filhos naturais (se faltar o cônjuge sobrevivente) ou uma para os ascendentes legítimos e outra para o cônjuge sobrevivente (se faltarem filhos naturais). Não havendo cônjuge sobrevivente, nem filhos naturais, toda a herança fica para os ascendentes legítimos. Havendo um só ascendente em grau mais próximo, ele sucederá o falecido em todos os bens, ou em toda a porção hereditária dos ascendentes;

e) se o defunto não deixar descendentes nem ascendentes legítimos, lhe sucederão seus filhos naturais, seu cônjuge e seus irmãos legítimos; a herança se dividirá em seis partes, três para os filhos naturais, duas para o cônjuge sobrevivente e uma para os irmãos legítimos. Não havendo irmãos legítimos, sucederão na metade dos bens os filhos naturais e na outra metade sucederá o cônjuge. Não havendo cônjuge, levarão três quartas partes da herança os filhos naturais e a outra quarta parte os irmãos legítimos (seja por parte só de pai ou só de mãe, sendo que a porção do irmão paterno ou materno é só metade do irmão carnal). Não havendo cônjuge nem irmãos legítimos, levarão toda a herança os filhos naturais. Não havendo irmãos carnais, os irmãos legítimos, paternos ou maternos, levarão toda a herança ou toda a porção hereditária dos irmãos;

f) não deixando o defunto descendentes, ascendentes legítimos nem filhos naturais, o cônjuge sobrevivente fica com três quartos da herança e os irmãos legítimos com um quarto. Faltando irmãos legítimos, o cônjuge fica com toda a herança e à falta de cônjuge ficam com toda a herança os irmãos legítimos;

g) faltando descendentes, ascendentes, irmãos legítimos, cônjuge sobrevivente e filhos naturais, os outros colaterais legítimos sucederão o defunto. Neste caso, os colaterais de grau mais próximo excluirão sempre os outros; além disso, os direitos de sucessão dos colaterais não vão além do sexto grau. Porém, os colaterais de simples conjunção gozam dos mesmos direitos que os de dupla conjunção;

h) no caso de morte de um filho natural, sucedem-lhe nos bens seus filhos legítimos e naturais ou, pela ordem, pais e irmãos. O cônjuge concorre com qualquer deles, sendo que, ao concorrer com filhos do defunto ou com pais naturais, lhe caberá a metade; e concorrendo com irmãos do defunto, fica com três quartos; e

i) o cônjuge divorciado não terá parte alguma na herança "ab-intestato" de sua mulher ou marido, se tiver dado motivo ao divórcio por sua culpa.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O regime patrimonial entre os cônjuges nos países do Mercosul e no Chile e a harmonização legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1626. Acesso em: 22 dez. 2024.

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