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Globalização, Pinochet e o Tribunal Penal Internacional

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01/05/2000 às 00:00
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Como seria o julgamento do General: Jurídico ou Político?

Há algumas linhas, escrevi que a criação do TPI significava uma tentativa de se transpor soluções de uma sociedade interna, regida basicamente pelo princípio da submissão de todos à lei, para uma realidade internacional, onde seus membros não são regidos por um ordenamento que se assente sobre este pilar: seus membros são Estados soberanos e sua principal fonte legislativa é o costume e os acordos. Não obstante esta primeira observação, faço uma outra que talvez seja mais contundente: sabemos da falibilidade do sistema penal como ordenador de condutas futuras, pelo singelo argumento de que a repressão aos atos ilícitos, mesmo em níveis absurdos como se observa hoje em países ditos desenvolvidos, não fez diminuir sua ocorrência.

Vamos recorrer a um famoso penalista argentino, Raúl Zaffaroni, que tem feito verdadeiros "estragos" na elite jurídica brasileira com suas idéias bastantes reformistas: "é indiscutível que em toda sociedade existe uma estrutura de poder e segmentos ou setores mais próximos – ou hegemônicos – e outros mais alijados – marginalizados do poder. Obviamente, esta estrutura tende a sustentar-se através do controle social e de sua parte punitiva, denominada sistema penal. Uma das formas mais violentas de sustentação é o sistema penal, na conformidade da comprovação dos resultados que este produz sobre as pessoas que sofrem os seus efeitos e sobre aquelas que participam nos seus segmentos estáveis. Em parte, o sistema penal cumpre esta função, fazendo-o mediante a criminalização seletiva dos marginalizados. E também em parte, quando os outros meios de controle social fracassam, o sistema não tem dúvidas em criminalizar pessoas dos próprios setores hegemônicos, para que estes sejam mantidos e reafirmados no seu rol, e não desenvolvam condutas prejudiciais à hegemonia dos grupos a que pertencem". Conclui, mais adiante, nosso mestre: "Em síntese, o sistema penal cumpre uma função substancialmente simbólica frente aos marginalizados ou aos próprios setores hegemônicos. A sustentação da estrutura do poder social através da via punitiva é fundamentalmente simbólica".

Qual é a garantia de que a escolha de tal via não viria a reproduzir, em níveis internacionais, esta mesma estrutura de manutenção de poder e marginalização de segmentos sociais (poderíamos substituir, para fins de nossa análise, "segmentos sociais" por "grupos específicos de nações") observada nos ordenamentos jurídicos internos? Afinal, quando o assunto é crime contra a humanidade, quais os criminosos que serão julgados? Todos eles? Acredito que não. Podem ficar tranqüilos os líderes das grandes potências mundiais, pois genocidas, cruéis generais e seus prepostos são espécies nativas de nações subdesenvolvidas. Nada terão a temer futuros oficiais estadunidenses, franceses, ingleses, canadenses, russos, japoneses; poderão eles derramar suas bombas onde quiserem, pois a "Justiça" sempre estará ao seu lado. Tirante a trágica ironia, não tenhamos dúvidas de que assim ocorrerá.

Em recente artigo publicado em site da World Wide Web "Jus Navigandi", o Prof. Ives Gandra Martins nos coloca a seguinte pergunta: "Pode um membro do poder legislativo de um país ser julgado, num país estrangeiro, por fatos ocorridos em seu país de origem, sem que a soberania seja atingida?". A resposta dada pelo ilustre professor é negativa. Não percamos de vista que Pinochet seria julgado por homicídio cometido contra cidadãos espanhóis no Chile, portanto é o pedido juridicamente possível. Porém romper com a imunidade parlamentar do ex-ditador e sobrepujar as barreiras impostas pelo próprio Direito Internacional é quase como um retorno ao imperialismo imposto à toda a banda latino-americana durante séculos de colonização. Nas palavras do Prof. Gandra Martins: "Estou convencido de que o preconceito aristocrático dos países europeus em relação à América do Sul permanece, apesar de seu desumano colonialismo, praticado do século XVI ao começo do século XX, já não ter espaço nos dias atuais. Continuam, todavia, agindo como se o mundo fosse dividido entre raça superior, que são os europeus e os norte-americanos, e a plebe inferior que reside na América do Sul, na África e na Ásia".

Observem a semelhança entre as palavras de Zaffaroni e os fatos narrados acima. São assustadoras.

Sim, teríamos um julgamento político de Pinochet. Seria reafirmada a supremacia européia sobre os pobres latino-americanos, tão dependentes da Justiça desses povos tão sábios...


Conclusão

Apesar da aparente vitória do general Pinochet quando do seu retorno ao Chile, não obstante um certo trunfo também dos governos inglês e espanhol, que do alto da suas complacências "libertaram" o doente ex-ditador, algumas discussões devem ser trazidas à tona, principalmente no que concerne à redefinição do conceito de soberania nacional.

Primeiramente deverá ser estabelecido em que termos se dará tal redefinição, isto é, em que foro, jurídico ou político, serão estabelecidas suas novas bases. Se juridicamente, não haverá diferenças entre as nações; ex-ditadores ou criminosos não possuirão nacionalidade, serão julgados e punidos. Esta talvez seja a versão globalizada (e fictícia) desta nossa história.

Politicamente, teremos outra solução. As grandes potências mundiais ditarão o ritmo e o rumo desta "nova justiça". Cabe lembrar que os E.U.A. não são signatários do Pacto de Roma. Cabe lembrar que os E.U.A. são a maior potência bélica do mundo. Cabe lembrar que revendo as soluções adotadas pelos norte-americanos nos últimos 40 anos (Vietnã, Granada, Panamá, Irã, Iraque, Iugoslávia) não restam muitas esperanças de submissão daquele país a decisões de organismos internacionais. Talvez as nações européias se mostrem um pouco mais "civilizadas". Mas, não serão menos autoritárias.

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Cabe lembrar que nenhum destes países, nos últimos 100 anos, fez qualquer coisa para vivermos em um mundo um pouco menos desigual. Cabe lembrar que nenhum destes países, nos últimos 100 anos, fez qualquer coisa para vivermos em um mundo com menos fome. Cabe lembrar que nenhum destes países, nos últimos 100 anos, fez qualquer coisa para vivermos em um mundo um pouco mais justo.

Não parece-me ser o meio escolhido, o mais indicado para atingir todos estes objetivos.


Bibliografia

  1. Bastos, Celso Ribeiro. "Curso de Direito Constitucional". Editora Saraiva. São Paulo. 1999;
  2. Bobbio, Norberto. "Estado, Governo e Sociedade. Para uma teoria geral da política". Editora Paz e Terra. São Paulo. 1999;
  3. Constituição da República Federativa do Brasil. Coleção Saraiva de Legislação;
  4. Fausto, Boris. "O general venceu?". Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, de 13/03/00;
  5. Folha de São Paulo. Diversas matérias. Caderno Mundo, 13/03/00, página 13;
  6. Fontoura, Jorge. "O avanço constitucional argentino e o Brasil". Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, Caderno Direito&Justiça, de 06/03/00, página 5;
  7. Martins, Ives Gandra da S. "A soberania da América do Sul e Pinochet". Texto publicado no site jurídico "www.jus.com.br";
  8. Mello, Celso D. de Albuquerque. "Direito Internacional Público". Editora Livraria Freitas Bastos S.A., Rio de Janeiro e São Paulo;
  9. Steiner, Sylvia Helena F. "O Tribunal Penal Internacional". Artigo publicado no IBCCrim, Outubro/1997, n.º 83, Ano 7, página 12;
  10. Souza, Carlos Fernando M. "O Tribunal Penal Internacional". Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, Caderno Direito&Justiça de 29/11/99, página 6;
  11. Zaffaroni, Eugenio Raúl e Pierangelli, José Henrique. "Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral". Editora RT. São Paulo.
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Sobre o autor
Bruno dos Santos Paranhos

servidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, acadêmico de Direito no UniCEUB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PARANHOS, Bruno Santos. Globalização, Pinochet e o Tribunal Penal Internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1641. Acesso em: 5 nov. 2024.

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