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Como conceber uma fundamentação teórica: roteiro prático para a pesquisa jurídica

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11/08/2012 às 17:17
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4.Um exemplo de como se pode desenvolver uma fundamentação teórica na área do Direito Constitucional (a Teoria dos Direitos fundamentais)

Tradicionalmente a doutrina de Direito Constitucional no Brasil expunha a doutrina dos direitos fundamentais com base no apanhado histórico da formação dessa categoria de direitos, remetendo-se necessariamente, às declarações de direito na era moderna (Declaração dos Direitos da Virgínia-EUA e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – França) com a indicação da evolução que cada uma delas promoveu à conceituação e ampliação dos direitos fundamentais (SILVA, 2000).

E de outra parte, se explanava, em geral, as causas históricas fincadas nas teorias filosóficas liberais que inspiraram politicamente tais fatos históricos, que, diga-se de passagem, são de notória importância da evolução do constitucionalismo ocidental refletindo na maior parte dos países, inclusive no Brasil (FERREIRA FILHO, 2007). Ou,  em outro prisma, tais obras se edificavam em torno de comentários dos artigos da Constituição Federal embasado estritamente nos direitos de liberdade e de igualdade (PINTO FERREIRA, 1989).

Seguindo esse itinerário, os “manuais” de Direito Constitucional, após noticia histórica sobre os direitos fundamentais, acresciam ainda capítulos sobre a Teoria dos direitos fundamentai, os quais se referiam em essência a transposição das “lições dos clássicos” sobre a Igualdade, Liberdade e outros princípios que foram assim concebidos desde o séc. XVIII pelos teóricos políticos liberais (Locke, Montesquieu, Rousseau). Portanto, se constituíam em teorizações um tanto imóveis, tendo em vista o valor da Constituição e sua força normativa.

Desse modo, a exposição apenas indicativa das declarações de direito e sobre o que dispunham, negligenciava o fato de cada uma das declarações de direito tinha de relevância em termos de inovação de uma para outra, especialmente no contexto dos direitos sociais. Ou seja, o caráter mais libertário da declaração dos Direitos da Virgínia, e o caráter mais social da declaração francesa.

Com as obras de Paulo Bonavides (2004), Gilmar ferreira Mendes (2007)  e Ingo Wolfgang Sarlet (2008)[11] as abordagens sobre a teoria dos direitos fundamentais não  ficaram  adstritas a apenas um apanhado histórico e na elucidação de conceitos, muitas vezes baseados nos doutrinadores estrangeiros que definiam os direitos fundamentais pelo prisma tradicionalista. Essas obras foram mais além.

O manual de Direito Constitucional do Prof. Paulo Bonavides, por exemplo, passou a trazer lições preciosas sobre a evolução histórica e teórica das gerações de direitos e em outro importante capítulo aborda as formas contemporâneas como diversas teorias européias se posicionam sobre os direitos fundamentais. Além disso, o ilustre constitucionalista, trouxe, em seu manual, uma explanação primordial sobre o princípio da proporcionalidade que é um tema estreitamente conexo aos direito fundamentais.

O professor e Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes foi um dos primeiros autores nacionais a discutir, sob os auspícios da doutrina germânica, uma nova dogmática dos Direitos Fundamentais. O ilustre jurista expõem de modo lapidar a classificação dos direitos fundamentais tendo em conta a postura do Estado em face dos cidadãos e destes em face do Estado, como também a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal).

Trata ainda, do âmbito de proteção dos direitos fundamentais elucidando sobre a determinação de proteção e as restrições a eles, sem descuidar do exame da exigência da reserva de lei quando cabível em relação à eficácia de tais direitos.

De sua parte o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e  Prof. Ingo Wolfgang Sarlet, concebeu uma das mais expressivas obras sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais. Mas a obra não descura quanto à elaboração de uma importante e imprescindível noticia teórica sobre a definição conceitual dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o autor, esclarece as diferenças terminológicas entre direitos humanos, direitos humanos fundamentais, direitos fundamentais e outras denominações (SALET, 2008).

Além disso, o ilustre jurista é hoje considerado uma das maiores referências quanto ao tema. A sua obra A eficácia dos direitos fundamentais, constitui leitura obrigatória para quem pretende se debruçar sobre o tema. O que há de importante nessa obra, não é apenas a abrangência quanto ao tema, mas a sua inovadora perspectiva em esclarecer que, pelo prisma constitucional, não há que se divergir quanto à denominação dos direitos fundamentais. Vale sim, entender que os chamados direitos humanos, em âmbito nacional, estão hoje positivados no texto da Constituição de 1988.

O que importa, para o referido autor, é discutir a eficácia dos direitos humanos que foram inseridos no texto constitucional e tê-los em conta como direitos assegurados e que há uma força ideológica em não mais tratar os direitos humanos como ideais a serem conquistados em termos de positivação dos direitos. Pois a questão central é a aplicabilidade e eficácia das conquistas, quando a esses direitos, auferidas pelo texto constitucional de 1988.

Se o pesquisador já tem um tema específico definido poderá buscar uma boa fundamentação nas obras mencionadas acima. Caso ainda esteja percorrendo antes da elaboração de um projeto essa seara a fim de se definir, poderá descobrir que existem muito problemas a serem enfrentado a partir da teoria dos direitos fundamentais com forte repercussão prática.

Importa destacar, portanto, que a consulta a essas obras constituirá uma valiosa consulta para, em termos de direitos fundamentais, proceder a um esboço de uma pesquisa mais aprofundada que possa contribuir de modo especial (não necessariamente original), diferentemente de trabalhos já escritos à teoria jurídica.


5.Conclusão

Vimos em linhas gerais como pode ser elaborada uma fundamentação teórica a partir das indicações metodológicas aqui expostas.

A fundamentação teórica é uma atividade prática, mas que tem forte base teórica e poderá ser decisiva na pesquisa jurídico teórica, tendo em conta o cuidado que o pesquisador ou o autor de um texto monográfico deve ter.

A preocupação com a aplicação de conceitos metodológicos à área jurídica foi o que nos norteou para a concepção do presente trabalho.

Entendemos pertinente que a atenção que se deve ter aos referenciais teóricos não é destituída de valor e utilidade. Essas fontes teóricas (os referenciais) em cada área de conhecimento acabam por ser passagem obrigatória para a concepção de trabalhos acadêmicos.

A escolha do tema, direitos fundamentais, para exemplificar o modo como se pode desenvolver uma fundamentação teórica é devido a maior afinidade do autor com essa área do Direito.

Os conceitos metodológicos gerais podem ser utilizados em outros ramos jurídicos.

Uma última palavra: a questão de ser original muitas vezes não está atrelada, necessariamente, à novidade do tema que deva ser revelado pelo pesquisador, mas sim,  estritamente, à forma como um determinado aspecto da teoria jurídica poderá ser abordado de modo inovador.

Uma abordagem inovadora revela certa originalidade, mesmo sobre temas ou problemas já anteriormente desenvolvidos em pesquisa. Se não fosse assim não seriam originais, após Aristóteles, as teorias sobre o problema da justiça distributiva

A questão da originalidade em ciências humanas é muito discutida. Mas isso é assunto para outro estudo.


REFERÊNCIAS

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_____ . Diferença (ontológica entre texto e norma: afastando o fantasma do relativismo. In.: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito e poder: nas instituições e nos valores do público e do privados contemporâneos. Estudos em homenagem a Nelson Saldanha. Barueri/São Paulo: Manole, 2005, p. 26-63.


Notas

[1] Apesar de existir uma vasta bibliografia sobre metodologia científica aplicada ao Direito, e Monografia Jurídica, são os autores das outras Ciências Sociais que acabam sendo consultados primaria e secundariamente para fins de formatação de trabalhos acadêmicos na seara jurídica.

[2] Os autores divergem quanto aos elementos de um projeto de pesquisa e a denominação de cada um deles: de acordo com Soares (2010) os elementos de um projeto de pesquisa são: Problema, Hipóteses, Objetivos Justificativa, Metodologia, Sistema Conceitual, Teoria de Base (entendemos que estes dois últimos são partes de uma Fundamentação teórica), Instrumentos, Orçamento/Recursos, Cronograma; para Lakatos e Marconi (2010) os elementos que compõem a estrutura de um projeto de pesquisa são: Apresentação, Objetivos, Justificativa, Objeto, Metodologia, Embasamento Teórico, Cronograma, Orçamento, Instrumentos de Pesquisa, Bibliografia. De outra parte, Délcio Salomon  restringe a estrutura do projeto de Pesquisa aos seguintes elementos: Tema e Problema, Formulação de Hipóteses, Marco Teórico de Referência (fundamentação Teórica), Bibliografia Básica, Justificação,  Metodologia, Cronograma, Orçamento. Para Antonio Joaquim Severino (2007) um Projeto de Pesquisa deve ser estruturado a partir dos elementos a seguir: Título, Apresentação, Objeto e Problema a pesquisa, Justificativa, Hipóteses e Objetivos, Quadro Teórico (fundamentação teórica), Fontes, procedimentos e etapas, Cronograma, bibliografia.

[3] NBR 6023/2002 – Associação Brasileira de Normas Técnicas-ABNT.

[4] O livro da professora Maria Helena Diniz (Compêndio de Introdução à Ciência do Direito) é uma obra consagrada nos meios acadêmicos sobre Teoria Geral do Direito e conhecimentos afins, tanto filosóficos como sociológicos; ela traz um excelente capítulo (Capítulo II, 4) sobre a evolução do pensamento jurídico e suas diversas vertentes teóricas e ideológicas, associado cada uma dessas teorias a autores consagrados considerados clássicos da teoria do direito; encontramos ainda na mesma obra e no mesmo capítulo uma seção (Capítulo II, 8) sobre a definição da Ciência do Direito e sua concepção ontológica, o ser do Direito ( Capítulo II, 9). O Capítulo II I é inteiramente dedicado aos conceitos jurídicos fundamentais. Todas esses conceitos, categorias e institutos jurídicos podem ser aplicados a qualquer sub-área do Direito (ramo do Direito). De outra parte, a obra do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr. traz uma abordagem inovadora sobre o conceito do direito; ela está estruturada em diversas concepções metodológicas da teoria jurídica do autor: dogmática analítica, dogmática hermenêutica e dogmática da decisão ou teoria dogmática da argumentação jurídica. Neste último âmbito específico, argumentação, o autor revela a importância da teoria da argumentação e sua aplicabilidade no âmbito jurídico. A importância disso reside no fato de que a teoria da argumentação não é apenas aplicável à retórica (na prática jurídica, por exemplo), mas, também na construção de argumentos científicos em defesa de determinado ponto de vista. Quanto à Miguel Reale, é ele considerado um dos maiores juristas de todos os tempos e sempre é recomendável lançar mão de suas lições sobre o direito para iniciar textos científicos; além disso a sua teoria tridimensional do direito constitui uma das mais brilhantes formulações epistemológicas sobre o fenômeno jurídico e é reconhecida internacionalmente.

[5] Devemos esclarecer que a alusão feita a esses autores é apenas exemplificativa e não exaustiva. Existem, obviamente, muitos outros autores que podem ser consultados. Mas deve-se ter em mente que as fontes não podem ser esgotadas nos dias de hoje, por essa razão, o pesquisador poderá lançar mão de autores de sua preferência para elaboração de sua base teórica.

[6] É importante fazer menção a um grande autor brasileiro que desenvolveu uma teoria própria sobre os princípios jurídicos: Humberto Ávila (2005). Sobre uma crítica às teorias de Alex, Doworkin e de Ávila,  c.f. Virgílio Afonso da Silva (2003; 2008).

[7] A obra Taking Rights Seriously (Levando os Direitos a Sério) foi lançada nos estados Unidos da América em 1977.

[8] Sem desconsiderar, entretanto, a importante contribuição de Juarez Freitas a teoria da interpretação do direito, com a sua obra Interpretação Sistemática do direito (2010).

[9] Ver também do mesmo autor: Diferença (ontológica) entre texto e norma: afastando o fantasma do relativismo (2005).

[10] Mas pelo menos o nome de um grande teórico não pode ser aqui esquecido: Norberto Bobbio. Este pensador italiano, um tanto eclético, por sinal, escreveu uma obra muito vasta sobre Teoria do Direito (1995; 1999) e da Política (2003), como também, para a teoria dos Direitos Fundamentais (2004)

[11] A par dessas obras o pesquisador poderá ter acesso a outras tantas que são referidas pelos ilustres pensadores do direito; além disso, ele poderá vivenciar a experiência de ser induzido a buscar nas fontes por eles indicas valiosas contribuições que possam ser mais próximas ao objeto específico do seu trabalho de pesquisa.

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Sobre o autor
Geraldo Batista Júnior

Professor de Direito. Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Curso de Direito da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA JÚNIOR, Geraldo. Como conceber uma fundamentação teórica: roteiro prático para a pesquisa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3328, 11 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22322. Acesso em: 22 nov. 2024.

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