3. A HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DO MERCOSUL
Há que se considerar ainda que, no processo de integração, quanto menos distorções houver entre as legislações tributárias internas de cada Estado-Parte, mais facilmente galgam-se firmes e longos passos rumo à consecução da almejada integração, principalmente no que tange aos impostos.
Os tributos têm grande afetação sobre os fatores e custos de produção. Em virtude disso, grandes distorções entre os Estados-Partes quanto ao seu enfrentamento podem gerar inúmeras desigualdades econômicas entre eles, em especial, quanto à alocação geográfica de recursos e a capacidade competitiva.
Todavia, em que pese tais considerações, indubitavelmente são os impostos sobre consumo e serviços que necessitam ser prioritariamente harmonizados. As eventuais assimetrias (normas, alíquotas, base de cálculo, etc) existentes entre os Estados-Partes nessa seara devem urgentemente ser reduzidas, sob pena de atravancar todo o processo. Afinal, a busca de um mercado comum, como pelo próprio nome se percebe, necessita, principalmente, de um comum trato nos aspectos econômicos entre os Estados-Partes e isso passa, necessariamente, pela harmonização desses tributos, vale dizer, pela redução ou eliminação das assimetrias mais graves que porventura hajam entre eles nessa esfera.
É a harmonização desses impostos que permitirá ou facilitará a livre circulação dos produtos e serviços oriundos do bloco, a livre concorrência e a não-discriminação tributária pela origem dos bens ou do capital, importantes contribuições para uma futura adoção do princípio da origem[21] em matéria de tributação entre os Estados-partes.
Urge salientar ainda que quando se menciona a harmonização tributária, refere-se em seu sentido negativo, vale dizer, e reiterando o que já foi dito anteriormente, no sentido de redução ou eliminação das assimetrias mais graves que porventura hajam entre os ordenamentos jurídicos internos e que possam contribuir negativamente de alguma maneira para o normal funcionamento do bloco econômico em desenvolvimento.
É nesse contexto que se insere o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado ou Acrescido) no âmbito do MERCOSUL, um imposto indireto para a tributação do consumo em geral, incidente sobre a cadeia produtiva e de distribuição de mercadorias para o consumidor final[22].
Todos os quatro países envolvidos nesse processo de integração no Cone Sul da América Latina (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) possuem, em seus sistemas tributários internos, tributação sobre o consumo e prestação de serviços nos moldes do IVA.
Todavia, em respeito à competência e à repartição tributárias preconizadas em sua Constituição Federal (federalismo fiscal), o Brasil, diversamente dos demais Estados-Partes do MERCOSUL, adotou uma estrutura tripartite (IPI, ICMS e ISS) do IVA, o que vem trazendo sérias complicações à harmonização tributária. Isto se dá, porque cada um desses impostos é de competência de entes políticos internos diferentes, o que inviabiliza qualquer ação da União, representante no âmbito externo da República Federativa do Brasil e única capaz de celebrar tratados, no sentido de diminuir com maior profundidade e eficácia as assimetrias tributárias com os demais Estados-Partes do MERCOSUL. Afinal, a União não pode alterar alíquotas, base de cálculo, conceder isenções de tributos que não estão em sua esfera de competências constitucionalmente estabelecida, o que implica em um certo retardamento de todo o processo integracionista, por torná-lo muito mais complexo.
Em vista disso, o processo de integração mercosulino está dependendo e ansiosamente esperando por uma ampla e profunda reforma constitucional tributária brasileira, a qual diminuiria significativamente as distorções existentes entre o Brasil e os sistemas tributários dos outros países do MERCOSUL[23]. Uma reforma que possa agregar em apenas um tributo aqueles três supramencionados e, assim, permitir que o Governo brasileiro aja com maior liberdade, autonomia, segurança e confiabilidade no trato das relações intra bloco, principalmente no que tange à concessão das chamadas isenções heterônomas (isenções de tributos no âmbito dos Tratados Internacionais[24]), algo que alavancaria de vez o processo de integração por deixá-lo mais tangível.
4. CONCLUSÃO
Tendo-se por base o exposto até o presente momento, pode-se afirmar ser a Federação a forma de Estado que mais se compatibiliza com o Estado Democrático de Direito, especialmente em razão de que a descentralização do poder político que ela proporciona permite que se possa auscultar e atender mais proximamente os verdadeiros anseios e necessidades locais e regionais para, assim, atingir-se o bem comum.
Deve-se destacar também que o fato da adoção do modelo federativo de Estado culminar em uma necessária repartição constitucional de competências implica também na necessidade da existência de recursos humanos e materiais suficientes para que se possa cumprir satisfatoriamente todas as atividades atribuídas. É nesse aspecto que se mostra vital à mantença do pacto federativo e, conseqüentemente, do próprio Estado Federal, a autonomia financeira.
A autonomia financeira pode ser obtida através de um amplo planejamento tributário de âmbito federal em que se busque assegurar uma melhor alocação geográfica dos recursos e uma justa e eqüitativa divisão de receitas, evitando-se, assim, a nociva guerra fiscal entre os entes federados e a excessiva dependência econômica deles para com o governo federal (União).
É nesse aspecto que surge a importância da repartição de competências tributárias. Afinal, é com a arrecadação de tributos que os entes federados obtém a maior parte de suas receitas e que, em tese, propicia as suas autonomias financeiras e, logo, mantém vivo o federalismo fiscal.
Dessa forma, conforme já destacado anteriormente ao longo do presente trabalho, tem-se como vantagens do federalismo fiscal: 1) a racionalidade das decisões referentes às despesas relativas à proximidade com a autoridade que ordena as despesas e coletividade que as demanda; 2) menor custo administrativo que a administração centralizada; 3) melhor oferta de serviços públicos. E, como desvantagens, apresenta 1) a tendência de agravar as situações regionais quando ausente a autonomia financeira necessária; 2) guerra fiscal; 3) limitação do uso extrafiscal da tributação; 4) descentralização do sistema arrecadatório.
Com relação ao federalismo fiscal brasileiro e a harmonização tributária do MERCOSUL, entende-se que o a estrutura do federalismo fiscal brasileiro, do modo como estão repartidas as competências, está contribuindo negativamente para o alcance da tão esperada integração do cone sul da América Latina. Isto se dá em razão de que o Brasil adotou um sistema tributário que acabou por "engessar" a ação da União na busca dessa interação.
Diz-se isso, porque a harmonização tributária é o ponto fulcral para a integração regional, porquanto é ela que vai proporcionar a consecução das liberdades econômicas fundamentais e, assim, permitir o alcance de um verdadeiro mercado comum.
Portanto, como se nota, o MERCOSUL, sob a ótica brasileira, só vai realmente se consolidar definitivamente quando internamente o Brasil começar a reestruturar significativamente seu sistema tributário interno, mormente no que diz respeito à fusão dos impostos sobre consumo e serviços sob a égide federal. Todavia, faz-se mister destacar, tal fusão, sem um profundo planejamento tributário que permita uma melhor divisão de receitas, acarretará um fortíssimo "estrangulamento financeiro" dos demais entes federados, algo que colocaria em risco seriamente a manutenção do federalismo fiscal brasileiro e, logo, do próprio modelo federativo de Estado por destruir dois de seus principais elementos característicos: a descentralização do poder político e a preservação das autonomias locais ou regionais.
Somente com uma profunda reforma constitucional tributária brasileira é que se poderá finalmente alcançar a tão esperada harmonização tributária mercosulina que, por sua vez, proporcionará, sem dúvida alguma, inúmeras vantagens econômicas e financeiras a todos os entes componentes do Estado Federal brasileiro, algo muito mais atrativo do que a mantença das atuais e intermináveis guerras fiscais entre os entes federados na busca de sair do sufoco orçamentário.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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6.NOTAS
1.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 282.
2.REIS, Élcio Fonseca. Federalismo fiscal: competência concorrente e normas gerais de direito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 42-43.
3.DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado federal. Série princípios nº 83. São Paulo: Ática, 1986, p. 20.
4.MORATI, Constantini. Istituzioni di diritto publico. 7 ed. Padova: Cedam, 1968, v. 2, p. 694 apud REIS, Élcio Fonseca. Federalismo fiscal: competência concorrente e normas gerais de direito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 41.
5.LEZAN, Eliane Seigneur. O sistema tributário brasileiro e o ICM. Rio de Janeiro: FGV, 1980 apud LANGEMANN, Eugenio; BORDIN, Luís Carlos Vitali. Federalismo fiscal no MERCOSUL. Poá: Pallotti, 1993, p. 10.
6.VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações ao poder de tributar e tratados internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.126
7.LANGEMANN, Eugenio; BORDIN, Luís Carlos Vitali. Federalismo fiscal no MERCOSUL. Poá: Palloti, 1993, p. 14.
8.REIS, Élcio Fonseca. Federalismo fiscal: competência concorrente e normas gerais de direito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 45-46.
9.LAFER, Celso. Globalização e regionalismo. Carta Internacional, São Paulo, ano VI, nº 67, p. 12.
10.RIBEIRO, Maria de Fátima. Considerações sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação tributária brasileira: o caso do MERCOSUL. In: SCIENTIA IURIS: revista do curso de mestrado em direito negocial da UEL. v. 1, n. 1 (jul./dez.1997). Londrina: UEL, 1997, p. 102.
11.Ibid., p. 65, v. II/III.
12.Pensamento de Tilbery, Cartou e Furtado citado em FALCÃO, Maurin. Harmonização tributária no Mercosul. Monografia cedida pelo autor, vencedora do Mercoprêmio em 2000.
13.SANTIAGO, Igor Mauler. A harmonização das legislações tributárias no MERCOSUL. In: Revista do CAAP, ano II, n. 2, Belo Horizonte: Centro Acadêmico Afonso Pena, Faculdade de Direito UFMG, p. 137.
14.PITA, Claudino. Uma abordagem conceitual da harmonização tributária no MERCOSUL. In: SALAZAR, Antônio; PEREIRA, Lia Valls (orgs.). MERCOSUL: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 122.
15.SILVA, Carlos Roberto Lavalle da. Harmonização tributária no MERCOSUL. In: SALAZAR, Antônio; PEREIRA, Lia Valls (orgs.). MERCOSUL: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 147.
16.AGUINIS, Ana Maria M. de. Empresas e inversiones en el MERCOSUL: sociedades y ‘joint ventures’; estabelecimento de sucursal y filial; inversiones extranjeras; impuestos. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994, p. 14.
17.RIBEIRO, Maria de Fátima Ribeiro. O preço de transferência (transfer- pricing): da coordenação à harmonização tributária no MERCOSUL. In: IX Encuentro Internacional de Derecho de América del Sur – los procesos de integración en el nuevo milenio. La Paz: UCB, 2000, p. 230.
18.Ibid.
19.RIBEIRO, Maria de Fátima. op. et loc. cit.
20.PITA, Claudino. op.cit., p. 132.
21.Por esse princípio entende-se que as mercadorias e serviços são tributados no país de origem e não no de destino, algo só possível de ser visto após a abolição das fronteiras fiscais entre os Estados-Partes.
22.NAKAYAMA, Juliana Kiyosen. Considerações acerca do imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no MERCOSUL. In: IX Encuentro Internacional de Derecho de América del Sur. La Paz: UCB, 2000, p. 215.
23.RIBEIRO, Maria de Fátima. Considerações sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação tributária brasileira: o caso do MERCOSUL. In: SCIENTIA IURIS: revista do curso de mestrado em direito negocial da UEL. v. 1, n. 1 (jul./dez.1997). Londrina: UEL, 1997, p. 115.
24.ARAUJO JUNIOR, José Rubens de. Tributação no MERCOSUL – aspectos polêmicos. In: Direito, Revista Jurídica on line: www.direito.com