Pena de morte em voo:

Viabilidade da “lei do abate” frente à Constituição Federal e outros ordenamentos nacionais

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13/03/2014 às 19:49
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3 DISCUSSÃO LEGISLATIVA

A Lei do Abate iniciou sua jornada no Congresso Nacional com o Projeto de Lei 1229 de 1995, de iniciativa da Presidência da República, por uma proposta dos Ministros da Justiça e Aeronáutica. Através desta lei, 9614 de 1998, foi alterada a lei 7565 de 1986, Código Brasileiro de Aeronáutica, permitindo a hipótese do “Tiro de Destruição de Aeronaves”, sob circunstâncias especiais, quando da interceptação pela Força Aérea.

Através de uma exposição de motivos, os Ministros da Justiça e da Aeronáutica apresentaram a proposta de Projeto de Lei ao Presidente da República:

“Temos a honra de dirigirmo-nos a Vossa Excelência a propósito do policiamento do espaço aéreo brasileiro, medida essencial ao pleno cumprimento da missão constitucional da Força Aérea, no que se refere, especificadamente, ao exército de soberania no espaço aéreo sobrejacente ao Território Nacional.

Como é do conhecimento de V. Exa. a legitimidade do direito de exercer a soberania no espaço aéreo sobrejacente aos territórios dos estados, bem como das respectivas áreas marítimas, o âmbito internacional, constitui matérias pacíficas, contemplada em diversos documentos de que o Brasil é signatária.

No plano nacional, o ordenamento jurídico cuidou de disciplinar o assunto de maneira clara e insofismável, fornecendo o indispensável embasamento legal para preservar a inviolabilidade do espaço aéreo, com o propósito de impedir o seu uso, por parte de aeronaves e outros engenhos aéreos, para a prática de atos hostis ou atentatórios contra a segurança da Nação Brasileira.

De outra parte, resta indubitável que a atribuição de fazer cumprir os diversos dispositivos legais para assegurar o exercício da soberania no espaço aéreo, cabe, em primeira instância, à Força Aérea.

A partir da missão constitucional, passando pela legislação complementar ( lei complementar 69/91) e específica (Código Brasileiro Aeronáutica), decretos e outros dispositivos legais, o direito positivo atribui ao Ministério da Aeronáutica a e à Força Aérea, em especial, inequívocas responsabilidades, no tocante à Defesa Aeroespacial.

O cumprimento dessa missão, Sr. Presidente, implica em dispor, como primeiro pré-requisito, de sensores capazes de detectar os movimentos aéreos que podem ser divididos em tráfegos cooperativos e conhecidos, ou não cooperativos, esses últimos, em geral, objeto de adoção de medidas específicas que se iniciam com a classificação das aeronaves, em função dos respectivos comportamentos em vôo.

Implica, também, na capacidade de estabelecer comunicações instantâneas e de se dispor de vetores capazes de interceptar as aeronaves classificadas como desconhecidas, a vigiar ou suspeitas, visando identificá-las, verificar sua situação, suas intenções e esclarecer outros aspectos e a partir desse conhecimento, sob comandamento da autoridade de Defesa Aérea, prestar-lhes assistência ou determinar que as mesmas pousem em aeroportos pré-determinados para submeterem-se às denominadas medidas de controle do solo.

Essas medidas foram objeto de estudos conjuntos baseados nas instruções relativas à detenção, interdição, apreensão, custódia e guarda de aeronaves civis e competem ao próprio Ministério da Aeronáutica, ao Ministério da Justiça (com a polícia federal), ao Ministério da fazenda (com a receita federal) e ao Ministério da Saúde.

Ocorre, porém, Sr. Presidente, que uma vez recebida a ordem de pouso, as aeronaves em questão podem adotar procedimento diverso, seja tentando evadir-se, seja assumindo atitudes agressivas que obriguem o interceptador a compelí-las a pousar, conforme previsto no Código Brasileiro de Aeronáutica.

Configurado em impasse de tal ordem, segundo as Normas de Defesa Aeroespacial em vigor, cabe ao interceptador executar o tiro de aviso, e “ in extremis” o tiro de destruição, este último somente quando expressamente autorizado por V. Exa., em tempo de paz.

Todavia, o texto do Código Brasileiro de Aeronáutica não traduz com a devida clareza a ideia de que em situações extremas serão aplicadas às aeronaves infratoras, ainda que civis, medidas tão rigorosas.

De outro lado, as Normas de Defesa Aeroespacial estão contidas apenas em documentos internos que não possuem o grau de hierarquia legal compatível com as possíveis conseqüências de suas aplicações, nem assegurem a publicidade e a transparência requeridas para que tais medidas possam ser adotadas, sem que se argua sua validade, do ponto de vista jurídico, até mesmo em razão do seu desconhecimento.”

Na Câmara dos Deputados o debate inicia-se destacando-se os artigos que os Senhores Deputados consideram importantes para o tema:

“Art. 1º - O Direito Aeronáutico é regulado pelos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, por este Código e pela legislação complementar.

...

§ 2º - Este Código se aplica a nacionais e estrangeiros, em todo o território nacional, assim como no exterior, até onde for admitida a sua extraterritorialidade.

...

Art. 4° - Os atos que, originados de aeronave, produzirem efeito no Brasil, regem-se pelas leis brasileiras, respeitadas as leis do Estado em que produzirem efeito.

...

Art. 10 – Não terão eficácia no Brasil, em matéria de transporte aéreo, quaisquer disposições de direito estrangeiro, cláusulas de contrato, bilhete de passagem e outros documentos que:

II – Visem à exoneração de responsabilidade inferiores aos estabelecidos neste Código (arts. 246, 257, 260, 262, 269 e 277).

Art. 11 – O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial.

...

Art. 303 – A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da polícia federal, nos seguintes casos:

I – se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II – se, entrando em espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

IV – para averiguação de sua carga no caso de restrição legal (art. 21) [16] ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do art. 21); e

V – para averiguação de ilícito.

§ 1º - A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2 º - A autoridade mencionada no parágrafo anterior responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório .”

A nova lei, como podemos observar, só vem a colaborar com as determinações do Código de Aeronáutica.

Na Câmara passou pelas Comissões de Defesa Nacional, de Viação e Transportes, de Constituição e Justiça e Redação.

A Comissão de Defesa Nacional, na pessoa do seu relator, deu o seguinte parecer[17]:

“[...] Entendemos que a pretensão contida na proposição é absolutamente oportuna e relevante para o aperfeiçoamento da legislação vigente e atinente à defesa do espaço aéreo nacional. Na certeza da impunidade, em face da reconhecida ausência da disposição legal que autorize os interceptadores a uma ação regressiva concreta, o espaço aéreo brasileiro é diariamente agredido em sua soberania por inumeráveis aeronaves que nele ingressam ou trafegam clandestinamente, em ostensivo desrespeito às lei do País. Na esteira desses vôos, sabemos prosperar as atividades ilegais do narcotráfico, do contrabando e do descaminho, o que não exclui, em tese, a possibilidade de que tais ações se constituam em concretas ameaças à nossa segurança externa.

Concordamos, portanto, com o Poder Executivo, em sua iniciativa para sanar esta lacuna de legislação vigente, com vistas à preservar o nosso espaço aéreo das invasões de que decorrem prejuízos concretos para os nossos interesses econômicos, para a segurança da sociedade brasileira e, não podemos ignorar, para a própria defesa do território nacional.

Somos, no entanto, levados a concordar também com a emenda proposta pelo Deputado José Genoíno que contém em sua abrangência a apresentada pelo Deputado Domingos Dutra, argumentando que a decisão de destruição de uma aeronave em vôo, em tempo de paz, seja civil ou militar, implica em considerável responsabilidade, com enormes conseqüências éticas e jurídicas, não podendo, portanto, ser tomada por escalões operacionais, em regra, submetidos às pressões dos fatos presentes. A História recente testemunha que, mesmo chefes militares de reconhecida qualificação e aprestamento operacional, como é o caso das forças aéreas israelenses, soviéticas e norte-americanas, sucumbiram em momento de pressão, tomando decisões que resultaram em inúmeras mortes de civis inocentes e expondo os seus países à repulsa internacional.”

No dia 3 de julho de 1996 foi solicitada urgência a tramitação da matéria, o Projeto Lei 1229, que trata da destruição de aeronaves. O então presidente da Câmara dos Deputados, Luís Eduardo Magalhães, colocou em votação o requerimento.

O PSB votou pelo “sim”, na pessoa do Sr. Nilson Gibson.

O Sr. Inocêncio de Oliveira, do PFL, se pronunciou da seguinte forma[18]:

“ Sr. Presidente, creio que não há nenhuma objeção a esse projeto. Trata-se da destruição de aeronaves que ultrapassem o espaço aéreo de nosso país. É uma proteção à segurança do Brasil. Portanto, peço a V. Exa. que consulte o plenário para saber se alguém é contra e poderia fazer...”

O Presidente da Câmera responde[19]:

“Deputado Inocêncio de Oliveira, o projeto tem uma utilidade adicional, pois visa, sobretudo, à questão do tráfico de drogas. Entretanto, como se trata de requerimento de urgência com base no art. 155[20], quero conferir no painel se realmente há quorum para que possamos votar. Quero ficar em paz com minha consciência e com o Deputado Prisco Viana”.

O Sr. Matheus Schmidt, representante do PDT vota pelo “sim”.

O Sr. Humberto Costa, representante do PT, afirma:

“Sr. Presidente, esse projeto foi objeto de acordo quanto ao seu mérito. Então, o PT votará pela urgência e votará a favor no mérito. O PT vota sim”.

Foi contra o Sr. Fernando Gabeira, PV-RJ[21]:

“Sr. Presidente, não participei do acordo, mas fui contra a derrubada de um avião em Cuba em circunstâncias semelhantes. Naquele momento, mostrei que Cuba errou ao derrubar tal avião, porque tinha condições de perseguí-lo, detectá-lo e neutralizá-lo. Sou contra essa disposição, que acho altamente agressiva e perigosa. Portanto, voto não”.

Concordou com este parecer o Sr. Sérgio Arouca, PPS-RJ[22]:

“Sr. Presidente, voto na mesma linha do deputado Fernando Gabeira. Acho um absurdo, no momento em que estamos tratando da vida, autorizamos a possibilidade de uma agressão indevida”.

O Sr. Sérgio Miranda, representante do PC do B, votou pelo “sim”.

O Sr. Eraldo Trindade, do PPB, também votou pelo “sim”.

O Sr. José Genoíno pediu a palavra[23]:

“ A matéria sofreu mudanças importantes na Comissão de defesa Nacional, onde todas as ressalvas foram feitas. Mas ainda é o Presidente da República quem autoriza a destruição de aeronave, que será feita por quem ele indicar. Portanto, nós, da Comissão de Defesa Nacional, fizemos todas as ressalvas, para não haver possibilidade de abate de aeronaves em qualquer lugar ou por qualquer autoridade”.

O Deputado Marconi Perillo, representante do PSDB, também concorda que a decisão deve caber ao Presidente da República, e recomenda o voto pelo “sim”.

O Sr. Michel Temer, representante do PMDB, votou pelo “sim”.

Os demais representantes foram se sucedendo e concordaram com urgência da matéria em vista de se tratar de tema relacionado à segurança nacional e ao tráfico de drogas. Em seguida ocorreu a votação, que teve o seguinte resultado: 362 foram a favor da urgência, 5 contra e com uma abstenção[24].

No dia 4 de julho, dia seguinte, o Projeto é colocado novamente em pauta. Vai ao plenário em virtude da aprovação do requerimento de urgência.

O Sr. José Genoíno apresentou seu parecer[25]:

“Chamo a atenção do Plenário para a questão central do parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, no que diz respeito às cláusulas pétreas. Dou parecer favorável nos seguintes termos:

A proposta do governo, nos termos em que foi enviada a esta Casa dizia o seguinte:

Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, na forma da legislação específica.

Na Comissão de Defesa Nacional houve o acréscimo da expressão “após a autorização do presidente da República ou autoridade por ele delegada”.

A autoridade aeronáutica vai compelir militarmente o pouso da aeronave. Esgotadas todas essas possibilidades, esgotados todos os recursos – de comunicação, interceptação, persuasão e até o de forçar o pouso, ocorreria a destruição.

No caso de destruição – abordada no § 2º, remunerado como § 3º.

§ 3º - A autoridade mencionada no parágrafo anterior – o Presidente da República, ou seu delegado - responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Entendemos, primeiro, que o substitutivo da Comissão de Defesa nacional garante o princípio da autoridade civil. Segundo, que se estabelecem toas as salvaguardas para que não fique à mercê de uma autoridade militar local a decisão da destruição da aeronave. Terceiro, que no caso de essa destruição não ocorrer em face de um fato extremo, o Presidente da República, pelo § 3º - já que mantém a expressão “ a autoridade mencionada” – poderá ser criminalmente responsabilizado por um ato de aventura e irresponsabilidade.

Portanto, com base nessas explicações, o parecer é pela constitucionalidade do substitutivo aprovado pela Comissão de Defesa Nacional ”.

Como vimos, a maior preocupação dos legisladores era manter o controle supremo dessa medida na mão da autoridade civil, no caso o presidente, eleito democraticamente. Na seqüência, foi apresentado o voto do relator, deputado Mauro Fecury[26]:

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‘[...] Conforme as Normas de Defesa Aeroespacial, cabe ao interceptador executar o tiro de aviso e, em caso extremo, o tiro de destruição, mas somente quando for expressamente autorizado pelo Presidente da República, em termo de paz.

Em nossos dias, tais situações extremas podem ser configuradas por diversos ilícitos internacionais os quais requerem, da parte do Poder Constituído, uma ação inibidora ou de combate, decisiva. Esses ilícitos internacionais, todos sabemos, afetam, sobremaneira, os nossos interesses econômicos e ameaçam a segurança da sociedade brasileira.

Entretanto, o Código Brasileiro de Aeronáutica não deixa claro que essas medidas rigorosas, como o Tiro de Destruição, previsto nas Normas de Defesa Aeroespacial para situações extremas, poderão ser adotadas. Isso constitui uma séria lacuna no Código, que se pretende sanar com esse projeto de lei.

O Poder Executivo, autor do projeto, preocupa-se ainda com que essa legislação abrange, também, aeronaves civis infratoras, já que é fato notório que grande parte dos ilícitos internacionais hoje cometidos, entre eles o narcotráfico, se utiliza de aeronaves civis.

Julgamos, portanto, relevante a proposta em exame. O Tiro de Destruição, que vem sendo tratado apenas nas Normas de Defesa Aeroespacial, sem força legal, deverá passar a constar como dispositivo do Código Brasileiro de Aeronáutica. Assim tal medida extrema poderá do ponto de vista jurídico.

Será importante, todavia, que uma medida extrema como essa seja respaldada por uma autoridade por ele delegada, já que implica em considerável responsabilidade e está envolta em pressupostos éticos e jurídicos. Não deve, portanto, ser uma decisão entregue a escalões operacionais submetidos a quaisquer pressões específicas. Essa foi a posição tomada pela Comissão de Defesa Nacional, com a qual concordamos.

Diante do exposto, somos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1229, de 1995, na forma do substitutivo apresentado e aprovado pela Comissão de Defesa Nacional”.

O Deputado Miro Teixeira fez o seguinte apontamento[27]:

“[...] Tenho a impressão de que não existe ressalva para aviões convencionais de carreira. Penso que não é objetivo do projeto produzir esse tipo de risco para cento e cinqüenta ou duzentos passageiros. Talvez um dos Relatores da matéria, a esta altura da tramitação, possa fazer uma ressalva, caso entenda necessário. Não se pode admitir pedido de autorização para abater, em território nacional, a qualquer pretexto, um avião de carreira”.

Outra preocupação bastante discutida pelos parlamentares foi apresentada pelo Deputado Miro Teixeira, a possibilidade de ser derrubado um avião de passageiros. Esta preocupação não tem fundamento por diversos fatores: existiram dezenas de inocentes o que impediria a derrubada e devido ao seu tamanho, a aeronave é mais facilmente perseguida, não pode pousar em qualquer pista. Dessa forma, não será alvo do Tiro de Destruição. Em seguida, o Sr. Benedito Gama deu a seguinte explicação[28]:

“[...] O próprio projeto fala em aeronave hostil, categoria na qual se inclui um avião de carreira, pois se trata de vôo doméstico ou internacional, autorizado pelo DAC, pela IATA, etc”.

Na seqüência o deputado Fernando Gabeira pediu a palavra[29]:

“ Deputados, ontem fomos derrotados aqui. Mandava a sensatez que não viesse mais à tribuna falar sobre o tema, mas estou vendo tanto a esquerda brasileira, tão imbuída de seus princípios humanitários, como a esquerda brasileira, tão imbuída de seus princípios de livre comércio, decretarem aqui a pena de morte para contrabandistas e para traficantes de drogas a partir de uma análise perversa, oriunda dos estados Unidos declararam que a nova guerra seria contra a droga e determinaram que o papel do Brasil seria interceptar os aviões que saíssem da América Latina em direção àquele país.

Na verdade, o Congresso Brasileiro, incapaz de defender o nariz das crianças que cheiram cola no Brasil, mete-se agora numa a ventura bélica, para defender o nariz dos norte-americanos que cheiram cocaína.

...

Mas quero saber, Deputado José Genoíno, quem vai me garantir, quando o fato ocorrer na selava amazônica, por exemplo, que foram esgotados todos os caminhos para interceptar um avião.

...

[...] Compete ao Brasil ter uma posição civilizatória mundial mostrando que o caminho é pacífico e político, e não o da destruição de uma aeronave”.

O Deputado José Genoíno, mais uma vez, afirmou[30]:

“ ...

Não se trata de uma visão militarista. Do jeito que está hoje o Código de Aeronáutica não há o princípio de autoridade civil em tal decisão [...].

Quando à questão tecnológica, o deputado Fernando Gabeira insiste para levarmos em conta reflexos da terceira revolução tecnológica e científica. Sua Excelência sabe muito bem que em qualquer situação, com os recursos da tecnologia, informa-se em fração de segundos a autorização do presidente da República para o abate de uma aeronave. Existe, por exemplo, em Brasília uma Central de Controle do espaço Aéreo. Na hora em que se localiza uma aeronave considerada hostil, com base nesses critérios, a comunicação ao presidente da República é imediata. Não há dificuldade.

[...] A autoridade aeronáutica e o Presidente da República – quando extrapolar os limites da lei – poderão ser responsabilizados criminalmente. Onde está a visão militarista que o deputado citou aqui? [...] A questão do narcotráfico e do contrabando nas fronteiras há de ser enfrentada com uma política correta, baseada não na ideologia de segurança nacional, pois não é isso que está discutido, mas na defesa das fronteiras. Não se trata de nacionalismo xenófobo [...]”.

O Deputado Miro Teixeira apresentou suas dúvidas[31]:

“[...] o mundo todo se comoveu quando foi abatido avião de carreira na União soviética, que tem aparatos de interceptação e de comunicação muito mais sofisticados até do que os que temos aqui em termos militares. Independentemente da formação de minha convicção sobre o resto do projeto, imagino que deveria haver uma ressalva quanto a aviões de carreira, de linhas regulares, no que tange ao conceito de aplicação dos meios coercitivos legalmente previstos para uma aeronave classificada como hostil. [...] ’’.

O Deputado José Genoíno complemente:

“Vou concluir, em primeiro lugar, aceitando inteiramente a sugestão do deputado Miro Teixeira para fazer essa ressalva. Eu acho que é um reforço”.

O Deputado Fernando Gabeira ainda complementa[32]:

“[...] A argumentação apresentada pelo Deputado José Genoíno e pelo Governo não se sustentam. O Brasil não tem nave hostil percorrendo seu território. O conceito de aeronave que transporta droga ou contrabando. Pergunto a V. Exa. se é uma violência constitucional decretar pena de morte para os traficantes alados? É uma violência constitucional decretar pena de morte?

[...] Compreendam que a Aeronáutica brasileira tem todas as condições de rastrear, seguir e interceptar e, caso o avião fuja para outro país, os meios de comunicação para dizer que um avião não-colaborador entrou em território desse país. Portanto, não há necessidade desse projeto.

Alguns de nós vivemos no Brasil há cinqüenta anos. O Deputado José Genoíno viveu cinqüenta anos no Brasil e não se lembra de nenhuma vez em que esse processo tenha sido necessário.

[...] Prestes bem atenção, Deputado José Genoíno, que tem uma justa e merecida fama de humanista: criança, mulheres e homens idosos podem estar no avião, e este projeto decreta a morte de todo mundo [...].

Portanto, Deputado José Genoíno, o que temos de fazer não é colocar na mão do poder civil este processo, mas sim, orientar a Aeronáutica, dotando-a para a paz, para que saiba seguir, interceptar e deter os aviões sem usar a violência. É isto que o mundo, que caminha para a paz precisa aprender.

[...] Sabemos, pela nossa história, que os adversários inicialmente são traficantes de drogas e o contrabandista, mas, amanhã, podem ser outros, como os não-cooperativos.

...

Por que realizar essa transformação agora? Qual o dado da conjuntura mundial que autoriza essa modificação? Qual análise que o PT nos apresenta, não atento ao que ocorre no mundo, ao pretender que tenhamos permissão para derrubar aviões? Anteriormente tivemos que fazê-lo? O que houve anteontem e ontem na conjuntura mundial que não se soube aqui? [...]”.

Observamos aqui, mas palavras do Sr. Gabeira, que a questão da pena de morte foi levantada e ponderada pelos deputados. Além disso, ele afirma que a Aeronáutica em condições de rastrear e seguir estas aeronaves. A Aeronáutica não tem condições de perseguir as aeronaves interceptadas indefinidamente, seria necessário mantermos aeronaves em vários estados, também seria necessário deixar as polícias de vários estados de prontidão, afinal, não tem como sabermos onde a aeronave interceptada irá pousar. Inclusive, os estados Unidos, maior potência militar do planeta, teriam extrema dificuldade de fazer esta perseguição. É importante lembrar que a Aeronáutica persegue as aeronaves até os limites de suas possibilidades e vai continuar agindo dessa forma. Após, o Deputado Milton Temer pediu a palavra e disse o seguinte[33]:

“...

Devo dizer que é absolutamente legítimo condenar a pena de morte. O Estado não pode ser o agente de pena de morte. Mas a condenação de pena de morte não pode, em nenhum momento, abolir o direito de defesa da vida. Em momento algum, quem condena a pena de morte admite que o ser humano tenha omitido o direito de proteger sua própria vida.

...

[...] Durante o período autoritário, as Forças Armadas foram retiradas da proteção das fronteiras do país e transformaram-se em uma força de ocupação interna. Se desejarmos restabelecer o papel das Forças Armadas no sentido de proteger a Pátria e de garantir as instituições democráticas, temos sim de responsabilizá-las pelo serviço de segurança de nossas fronteiras.

Objetivamente, quero dizer que também não quero evocar conceitos antigos de segurança nacional, mas quero sim, defender ardentemente conceitos modernos de segurança nacional, desde que essa segurança nacional seja a garantia da cidadania e da democracia, a garantia inclusive da vida de cidadãos desarmados nos centros urbanos, não só contra contrabandistas e narcotraficantes, mas principalmente contra os traficantes de armas e os operadores dessas armas ”.

Também se pronunciou o Deputado Haroldo Lima, do PC do B[34]:

“ O projeto já esteve em discussão nesta Casa. Na oportunidade, nós, do PC do B, nos manifestamos contrários à sua aprovação e, mais do que isso, articulamos um certo movimento no sentido de impedir que fosse posto em votação, porque queríamos examinar melhor a questão, ter uma visão mais clara do significado desse projeto. Foi o que fizemos, e sabemos que outros fizeram o mesmo nesse interregno de algumas semanas para cá.

Nesse tempo, chegamos à conclusão de que o projeto é correto e deve ser aprovado. Longe de ser uma ameaça à soberania nacional, reafirma-a; longe de colocar em mãos de pessoas irresponsáveis a decisão para derrubar aviões de forma arbitrária, arma as Forças Armadas Brasileiras, em particular a Aeronáutica Brasileira, de poder coercitivo básico para impedir a violação do espaço aéreo nacional. Percebemos que a maioria dos países, independentemente de serem soberanos no mundo, dispõem dessa autônoma decisão de sua Aeronáutica, ou seja, em casos especiais em que aviões estrangeiros invadem o espaço aéreo de determinados países, a Força Aérea pode – em casos especiais, digo eu – ameaçar e até derrubar esses aviões.

[...] A quantidade de aeronaves estrangeiras pequenas e médias, que têm invadido nosso espaço aéreo, em vôos clandestinos, com o objetivo de intensificar o narcotráfico é muito grande. A Aeronáutica Brasileira tem enfrentado um problema: identifica um avião clandestino, via atrás dele, ordena que pouse, e o avião, sabendo que a Força Aérea Brasileira não pode fazer nada além de ordenar o seu pouso, não pousa. A Força Aérea não pode derrubar o avião, e por isso a aeronave não atende àquele comando. Continua voando, sai do espaço aéreo e desmoraliza a soberania do nosso País.

...

[...] Em Cuba, recentemente, dois aviões originários de bases americanas, embora não fossem de bandeira americana, saíram dos Estados unidos e invadiram o espaço aéreo cubano. Apesar de terem recebido ordens de pouso, não o fizeram e foram derrubados. O julgamento internacional, mesmo da Aeronáutica, civil e militar, do mundo inteiro, foi favorável, a despeito das reações americanas ao procedimento de viação cubana.

Queremos louvar a atitude do Deputado Fernando Gabeira em dizer que não devemos aceitar imposições dos norte-americanos. Gostaria de acentuar que não estão aí as imposições dos norte-americanos. As imposições dos norte-americanos estão em outro terreno mais crucial, muito mais dramático, e esta Casa muitas vezes não se tem mostrado atenta.

...”

O Sr. Presidente da Casa propõe a seguinte emenda, esperando a concordância dos líderes[35]:

“Inclua no § 2 º do art. 1º do substitutivo ao Projeto de Lei 1229, de 1995, a seguinte expressão, onde se lê por ele delegada: “ressalvadas as aeronaves regulares de empresas comerciais””.

O Sr. Benito Gama se opõe:

“O projeto refere-se à aeronave classificada como hostil. Já está contida essa preocupação do Deputado Miro Teixeira”.

O Deputado Miro Teixeira respondeu que[36]:

“Se é redundante, não há porque deixar de incluir, para ficar expresso. Além do mais, está escrito: “Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil”. Qualquer que seja ela. Não se está ressalvando nada. [...] O que abunda não prejudica.

...”

E na seqüência o Sr. Inocêncio de Oliveira expõe[37]:

“Creio que a matéria está implícita. Aceitar essa emenda que a matéria está implícita. Aceitar essa emenda seria um reconhecimento de que, irresponsavelmente, o Presidente da República iria autorizar abater aeronaves comerciais. Isso é um demérito até para o próprio país, é um demérito para este poder.

O PFL é totalmente contra essa emenda. [...]”

Foi proposta então um substitutivo que acabou sendo aprovado e tornou-se o Projeto de Lei 1229C de 1995:

“Art. 1º O art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 2 º, remunerando-se o atual § 2 º como § 3º, na forma seguinte:

“Art. 303..................................................................................................................

§ 2 º - Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

§ 3 º - A autoridade mencionada no § 1 º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação””.

Chegou ao Senado em 1997, em abril daquele ano passa pela Comissão de Relações Exteriores. Em junho de 1997 é recepcionada pela Comissão de Constituição e Justiça, sendo considerada matéria constitucional. Foi aprovada pelo plenário na sessão do dia 11 de fevereiro de 1998, e, em seguida, remetida para sanção presidencial.

Depois de observar toas essas discussões, ninguém pode dizer que o processo legislativo foi ignorado. Diversos argumentos foram propostos e analisados por nossos parlamentares. A lei é legítima, sendo inclusive a sua constitucionalidade avaliada, especialmente a possível lesão ao Direito à Vida. Seria bom que tivéssemos um modelo como o Francês, um controle constitucional preventivo, no qual o Tribunal Constitucional avaliaria a constitucionalidade de um projeto de lei, o que lhe daria maior legitimidade. Todavia, segundo o modelo de produção legislativa brasileiro, a Lei do Abate passou por todos os filtros, sendo legal e constitucional.

Agora veremos os procedimentos criados para dar vida a essa lei. Através deles poderemos avaliar qual o perigo que ela pode representar aos Direitos Fundamentais.

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O ESTUDO EM QUESTÃO FOI RESULTADO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE GRADUAÇÃO.

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