Pena de morte em voo:

Viabilidade da “lei do abate” frente à Constituição Federal e outros ordenamentos nacionais

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13/03/2014 às 19:49
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6 CRÍTICAS

As críticas a este dispositivo legal são oriundas dos mais diversos pontos do país. Respeitamos a preocupação de nossos colegas com o tema, mesmo assim, procuramos apresentar contrapontos às teses por eles defendidas, apresentando o tema sobre outras perspectivas.

Concordamos que a lei abre um precedente perigoso, pondo em risco décadas de luta pela defesa da dignidade humana. Demonstraremos que a medida é necessária e segura frente à calamitosa situação da segurança pública no Brasil. Também procuraremos abordar que a medida poderá ser estudada e avaliada por órgãos democráticos como o legislativo, judiciário e imprensa.

6.1 Marcel Peres de Oliveira

Inicialmente, estudaremos o texto “Análise Constitucional da Medida de Destruição[69]”, do Sr. Marcel Peres de Oliveira.

O autor inicia a argumentação citando o artigo 2º, inciso II, da Carta da ONU: “Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”. Para o mesmo, neste artigo está consagrada a proibição do uso da força. A exceção seria a autodefesa ou a legítima defesa, prevista no artigo 51 da Carta: “Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais”. O autor afirma que o estado tem Direito de se defender de uma agressão injusta e atual. Afirma que se o estado agir desta forma não terá nenhuma responsabilidade internacional. Podemos facilmente considerar o tráfico de armas e drogas como uma agressão injusta e atual.

Levando-se em conta uma interceptação literal do artigo 51, nem os atentados de 11 de setembro poderiam justificar o Tiro de Destruição, visto que não foi um ataque armado. No entanto, caso os americanos derrubassem alguma das aeronaves doa atentados, dificilmente receberiam algum tipo de represália de algum ente de Direito Público Internacional. É preciso deixar claro que este tipo de lesão, causada pelo tráfico de drogas e armas afeta o estado democraticamente constituído e também a saúde e vida dos cidadãos. Esta lesão, normalmente, é maior que a causada por um conflito armado entre nações que não tenham capacidade nuclear. A guerra do tráfico no Brasil causa mais mortes que o mesmo período em países como Iraque e Israel, regiões famosas pelos conflitos armados[70]. Além disso, este tipo de crime vem corrompendo elementos do executivo, judiciário e legislativo. Alguns cidadãos estão buscando resolver os problemas sozinhos, com a formação de esquadrões da morte, milícias e justiceiros (crimes que se intensificaram no início de 2007).

Na seqüência, o Dr. Marcel aborda a relação entre a soberania e a dignidade da pessoa humana. Os princípios fundamentais determinam limitações à intervenção do estado na vida do cidadão. Como dito, esses direitos são resultados de décadas de luta. O autor afirma que existe um atrito aparente entre dois princípios do estado democrático de direito: a soberania e a dignidade da pessoa humana. O dilema se compõe da integridade da ordem interna e o respeito a direitos fundamentais. Para o promotor, a princípio a soberania se sobrepõe, visto que é um ”traço qualitativo do estado”. Todavia, ele afirma que a análise não pode ser tão simplista, com a supressão total de uma norma constitucional pela outra, mas deve ser empregado o “princípio da cedência recíproca”. A solução deve encontrar um ponto em comum que permite a convivência entre ambas as normas. Contudo, o autor conclui dizendo que a soberania não deve ser aplicada na situação em questão, pois a dignidade da pessoa humana limita a atuação estatal, contradizendo o princípio que defendeu da “cedência recíproca”. Neste caso, para o autor, um princípio constitucional pode ser completamente ignorado, a soberania.

Posteriormente, o Dr. Marcel utiliza-se do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece de forma expressa o Direito à Vida, vedando a utilização de penas capitais, exceto no caso de Guerra Declarada. Este Direito estende-se também aos estrangeiros em trânsito pelo Brasil.

Este artigo é sem dúvida um dos alicerces do estado de direito. Se assim não fosse, estaríamos reféns do humor do agente estatal. É importante também lembrar que desta sanção não existe retorno, não pode ser corrigida a posteriori. No entanto, a vida das pessoas vítimas deste tipo de crime (tráfico de armas e entorpecentes), também tem seu valor e os cidadãos podem exigir a ação do estado no sentido de protegê-las. Levando-se em conta que todos os atos realizados pelo agente estatal, no caso da Força Aérea, estarão disponíveis para posterior avaliação da justiça e inclusive para divulgação por parte da imprensa, a prática de atos arbitrários torna-se extremamente difícil, senão impossível. Para complementar, a Lei do Abate não é uma pena de morte, é uma forma de controle sobre o espaço aéreo, que pode ter como conseqüência a morte do piloto, indivíduo ciente de todas as conseqüências de suas atitudes. Se o piloto interceptado pousar, estará submetido ao devido processo legal, em toda a sua plenitude.

A nossa legislação[71] permite, em tempo de paz, que existia uma relativização do Direito à Vida, no caso de legítima defesa. Tal exceção visa proteger um bem jurídico de igual valor, outra vida. Se permitimos a morte de uma pessoa para salvar outra, como na legítima defesa, por que não permitimos a morte de uma pessoa para salvar muitas. Podemos afirmar que esta lei nos protege de uma agressão futura e certa ao bem jurídico vida. Não é o que os americanos alegaram para a invasão do Iraque e Afeganistão, a “Legitima Defesa Preventiva”, para um fato futuro de ocorrência duvidosa. No caso do tráfico de armas e entorpecentes, a lesão futura ao bem vida é certa, este é o objetivo final dos produtos e materiais transportados nessas aeronaves.

O autor alega que se fosse utilizado outro meio de transporte, a pena seria a privativa de liberdade, e não a morte, e questiona esta discriminação. No entanto, qual a alternativa para parar a aeronave? No caso de carros, os policiais podem atirar nos pneus ou no motor, podem até bater no carro em fuga. Quanto aos navios, podemos atirar nos motores ou simplesmente descer na embarcação, com ela em movimento, rendendo todos os tripulantes criminosos. Se o navio afundar, a polícia marítima pode facilmente recolher os criminosos na água.

Mas, como dito, qual a alternativa ao descumprimento de uma determinação clara e simples da autoridade aeronáutica? Como impedir que essas aeronaves prossigam para regiões inóspitas ou para outro país? Sem a autorização do Tiro de Destruição, essas aeronaves podem pousas em uma pista clandestina, abastecer e prosseguir na sua viagem. Se a aeronáutica não tiver condições de manter todo o tempo uma aeronave no local, a perseguição terminará sem nenhuma intervenção efetiva no criminoso.

Além disso, como saber o local onde a aeronave ilícita irá pousar, seria necessário manter a polícia de diversos estados de prontidão. Mesmo que isso fosse possível, existem locais de difícil acesso até para as autoridades policiais.

Outra crítica apresentada, muito importante, é quanto ao devido processo legal. O Tiro de Destruição seria uma sanção sem processo. Complementando, o autor afirma que nesse ato não existe chance de defesa, atenta ao princípio da ampla defesa. Também alega o desrespeito ao princípio da isonomia, ao tratar de forma diversa os criminosos sujeitos ao Tiro de Destruição. Podemos dizer que os procedimentos descritos no decreto seriam um processo mitigado. Neste processo são oferecidas diversas oportunidades para que a tripulação se defenda, qualquer palavra na fonia ou qualquer sinal visual de justificativa podem interromper a progressão das medidas. Na pior das hipóteses será necessário o pouso da aeronave por até uma hora para averiguação. O que é comum em veículos terrestres ou aquáticos. Não podemos imaginar uma situação em que um piloto inocente não possa transmitir algum tipo de sinal aos pilotos de interceptação, justificando a sua situação.

6.2 Fábio Anderson Freitas Pedro

Outro crítico foi o professor Fábio Anderson Freitas Pedro[72], do Centro Universitário da Cidade (RJ).

Inicialmente, o autor reconhece a soberania do Estado sobre o espaço aéreo brasileiro, incluindo a exclusividade de jurisdição. Lembra que a rigidez do controle de nosso espaço aéreo varia em função do momento histórico pelo qual um país passa. A derrubada do avião coreano, durante a guerra fria, influenciou algumas modificações em normas internacionais, todavia os atentados de 11 de setembro alteraram de vez este sistema legal.

O SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia) permitiu um controle mais efetivo do espaço aéreo, nos permitindo identificar tráfegos ilícitos com maior facilidade. O que também trouxe como resultado um número maior de interceptações, sem ter derrubado nenhum avião até hoje.

A crítica do autor é de que basta não querer se identificar e a presunção das autoridades de que a aeronave esteja sendo utilizada pelo tráfico para justificar o Tiro de Destruição, o que não seria razoável. No entanto, não existe nenhum motivo justificável para o piloto interceptado se negar a responder às autoridades aeronáuticas, nem que seja com um sinal de cabeça ou com a mão, pois a aeronave interceptadora permanece a uma distância que permite o contato visual entre os pilotos.

Na seqüência, afirma que a lei discorda de Acordos Internacionais[73] dos quais o Brasil faz parte. Afirma que é livre a passagem inofensiva, sem necessidade de autorização prévia. No entanto, isto não exclui a necessidade de preenchimento do plano de vôo, que garante a segurança de vôo e a organização do tráfego. Além disso, de forma alguma as aeronaves do tráfego podem ser classificadas como inocentes

O autor afirma que a lei afronta a Constituição ao ofender diversos princípios, tais como a da presunção de inocência, contraditório, ampla defesa e a vedação da pena de morte[74], em tempo de paz. Todas estas críticas já foram debatidas anteriormente.

O professor afirmou que a redução dos tráfegos ilícitos em “apenas” quarenta por cento, não foi eficiente. Podemos entender o contrário, mesmo sem derrubar nenhum avião, conseguiu-se reduzir os tráfegos clandestinos em quarenta por cento.

Também critica o fato de o país ter proporções comerciais e a falta de investimentos na Força Aérea prejudicaria a interceptação. Devido a estes investimentos não conseguimos interceptar mais aeronaves clandestinas. As restrições citadas não influenciam na comunicação entre as aeronaves e na comunicação das aeronaves com os centros de controle de tráfego. Durante todo o tempo, o piloto da aeronave interceptadora, que está com o dedo no gatilho, está subordinado diretamente ao Comandante da Aeronáutica ou ao presidente da República. Devemos aproveitar para utilizar as interceptações feitas pela Força Aérea para que sirvam de exemplo.

6.3 José Aparecido Correia[75]

A crítica deste advogado e piloto é que se instituiu a pena de morte sem estarmos num estado declarado de guerra e sem o devido processo legal. Ele afirma que a utilização de procedimentos de interceptação não representa um processo legal. Segundo o autor, o presidente e as autoridades delegadas por ele não podem substituir o poder judiciário.

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Todavia, este crítico também não apresenta alternativas à violação do espaço aéreo e esquece a realidade de que a qualquer momento a aeronave interceptada pode interromper as medidas coercitivas, se atender às determinações das autoridades do controle de tráfego aéreo. Como já afirmado anteriormente, o Tiro de Destruição é o último recurso. O autor também afirma que é direito de todos à fuga, no entanto, é dever do estado impedí-la. Caso contrário, o dever de manter a soberania do espaço aéreo seria vago, sem nenhum reflexo no mundo real.

Esse autor afirma que a língua pode ser um empecilho no momento da interceptação. Contudo, é dever dos pilotos, que realizam vôos internacionais, possuírem conhecimento de algumas frases em inglês, utilizadas no tráfico aéreo e, principalmente, que preencham um plano de vôo, no qual estão discriminadas as intenções no outro país. Mesmo que o piloto não tenha respeitado nenhuma destas determinações, certamente entenderá os sinais visuais, pois ao de fácil compreensão, além de lhe ser mostrada uma placa muito grande com a freqüência que deve ser selecionada.

Outro argumento é que não está claro o procedimento quando houver refém na aeronave interceptada. Como já afirmamos anteriormente, a lei não se aplica nesta situação, devemos garantir a segurança coletiva, no entanto, não com o sacrifício de inocentes, o próprio Ministro da Defesa, em entrevista[76], demonstrou entendimento neste sentido.

O autor também questionou por que os infratores que utilizam outros meios de transporte têm tratamento diferenciado? Esta crítica já foi estudada com os críticos anteriores.

Ele também afirma que a lei equivale a uma autorização judicial para a tortura, visando que o réu confesse um crime. O objetivo da lei não é incriminar ninguém, mas averiguar aeronaves suspeitas.

Comenta que o executivo está exercendo poderes exclusivos do judiciário, configurando um Tribunal de Exceção. A Constituição Federal, no inciso LIII do artigo 5º é clara: “ninguém será processado nem sentenciado se não pela autoridade competente (judiciário)”. Podemos defender a lei afirmando que o objetivo da lei não é condenar ninguém, mas apenas executar procedimentos para descobrir os objetivos da aeronave interceptada e manter a soberania do espaço aéreo, para que este meio não seja um território sem lei. Caso o infrator ignore todas as solicitações do controle, o Estado Brasileiro não pode simplesmente ignorar o crime, pois tem responsabilidade com toda a coletividade brasileira.

O Senhor Correia também afirmou que qualquer um poderia autorizar a destruição, o que não é verdade, cabe apenas a 2 (duas) pessoas, ao Presidente da República e ao Comandante da Aeronáutica, autoridades que estão no topo do executivo federal, com vasta experiência na vida pública e conscientes das suas responsabilidades.

A justificativa derradeira foi à vedação constitucional a pena de morte, só aceita em caso de guerra declarada. Afirmativa já comentada.

As normas, mesmo constitucionais, devem se adequar às necessidades da sociedade contemporânea, a violência é uma triste realidade brasileira, sendo dever do estado usar de todos os meios para reduzí-la. Com a lei, os traficantes vão buscar outros meios de transporte, o que torna mais fácil a interceptação dos ilícitos.

Outros críticos fazem argumentações semelhantes, tal como o professor de Direito Constitucional da UNAMA (Universidade da Amazônia), Fernando Lima[77].

Nosso próximo item apresentará os contra-argumentos às críticas, procurando demonstrar que a lei é segura e um instrumento valioso para combater a violência.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O ESTUDO EM QUESTÃO FOI RESULTADO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE GRADUAÇÃO.

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