Instrumentos legais básicos na Ação Civil Pública em defesa interesse difuso.

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5. Legitimação ativa

Em se tratando de defesa de interesses difusos, assim caracterizados pela sua indeterminação dos grupos, intricada é a tarefa de eleger um autêntico representante desse grupo, isto é, alguém dentre os interessados a quem a norma jurídica pudesse conferir a legitimidade ativa para a ação pertinente.

Deste modo, a Lei n° 7.347/85 preferiu que a tutela dos interesses difusos em juízo fosse fruto do esforço combinado de associações que atendessem a certas condições exigidas pela própria lei, do Ministério Público, e do Poder Público, sejam entes federados (União, Estados, Municípios), sejam órgãos da administração pública indireta (autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista). Apesar da omissão legal, não há como nega legitimação ativa ao Distrito Federal (VIGLIAR). Conjugam-se, assim, esforços dos setores públicos e privados da sociedade.

No texto da Lei n° 7.347/85, a matéria referente à legitimidade para a propositura da ação civil pública é tratada pelo art. 5° e parágrafos. Segundo o caput do art. 5°, são legitimadas para propor ação civil pública, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil e que inclua entre suas finalidades institucionais, a proteção aos bens tutelados pela Lei da Ação Civil Pública (incisos l e II).

Como se infere do texto do diploma legal, o rol dos legitimados ativos não restringe ao Ministério Público, embora, na prática, e por ser uma de suas funções institucionais, é este quem normalmente tem feito largo uso desta modalidade de ação.

5.1 Da legitimação das associações

Originariamente, o texto do projeto de lei dispunha que a legitimidade das associações para o ajuizamento da ação civil pública seria verificada pelo juiz da causa, a quem caberia aferir a representatividade adequada dessas associações para figurarem no pólo passivo da relação jurídica.

Contudo, o texto aprovado, e que vigora atualmente, indica critérios objetivos de verificação da legitimidade ativa da associação. Com efeito, a associação deve ter se constituído há, no mínimo, um ano, nos termos da lei civil e, ainda, incluir entre seus fins institucionais, a defesa de qualquer dos interesses difusos ou coletivos tutelados pela Lei n° 7.347/85. Atendidos esses requisitos legais, legitima-se a associação para ajuizar a ação civil pública.

5.2 Da legitimação do poder público

Como visto, são também legitimados ativos para a ação civil pública, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias, as empresas públicas, as fundações e as sociedades de economia mista que, em síntese, constituem a própria Administração Pública e, por conseguinte, em tese, os maiores interessados na tutela dos interesses difusos.

No entanto, estes entes parecem não perceber a legitimidade ativa que lhes foi conferida para a utilização da ação civil pública e, não raro, essas mesmas entidades acabam por figurar no pólo passivo da relação processual estabelecida com a propositura da ação civil pública, pois são elas, em geral, as maiores causadoras das lesões aos interesses difusos e coletivos.

5.3 Da legitimação subsidiária

Arrematando, convém acrescentar que, mediante alteração feita pelo art. 112 da Lei n° 8.078/90, foi introduzida a figura da legitimação subsidiária, fazendo constar do art. 5°, § 3°, da Lei n° 7.347/85, a seguinte redação:

"Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa".

Algumas dúvidas surgiram na doutrina, em face desse dispositivo da Lei da Ação Civil Pública.

A primeira delas é se o Ministério Público estaria obrigado a assumir, nesses casos, a titularidade da ação. Segundo a doutrina dominante, não existe essa obrigatoriedade. A maior parte dos doutrinadores reserva certa discricionariedade ao Ministério Público para promover o prosseguimento da ação, sendo-lhe, antes, uma faculdade que uma imposição. De certo, esta discricionariedade, a nosso ver, existe, mas é limitada à existência de dano a direito abrangido pela lei 7347/85. Se existe o dano, há plena vinculação.

Outra dúvida que se relaciona com esse dispositivo legal diz respeito à possibilidade do Ministério Público desistir da ação que intentou. A maioria dos doutrinadores considera impossível a desistência por parte do Ministério Público. Alguns sustentam que o próprio Ministério Público, a depender do caso, pode até pedir pela improcedência da ação, mas não dela desistir. Ao nosso sentir, é a última a melhor opção, desde que haja modificação circunstancial da realidade fática que serviu de suporte para o Ministério Público propor a ação.

Discute-se, ainda, se em casos de desistência infundada ou abandono da causa por um dos entes legitimados que não seja associação, haveria a possibilidade de outro legitimado ativo vir assumir a titularidade da ação. Há quem sustente que, a nosso ver, com razão, que, não obstante a omissão da Lei pode-se fazer uso desse dispositivo em qualquer caso de desistência infundada ou abandono da causa, seja quem for seu autor originário. É, para nós, a melhor exegese do texto legal.


6. Legitimação passiva

Considerando que a ação civil pública é o remédio jurídico-processual indicado para repressão ou impedimento a danos ao meio ambiente, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e ao consumidor, tem-se que, na feliz concepção do eminente Hely Lopes Meirelles:

Ressalte-se, ainda, que, em se tratando de danos causados aos interesses difusos, faz-se aplicação da responsabilidade objetiva ou do risco integral (conforme já previa o art. 14, § 1 °, da Lei n° 6.938/81), o que implica em colocar no pólo passivo da ação qualquer pessoa que, por ação ou omissão, tenha contribuído para o dano ao bem tutelado. Com efeito, essa solidariedade implica na possibilidade de regresso dentro desta da solidariedade (art. 1.518 do CC) que, no caso, deverá ser feita em ação própria, mediante denunciação da lide.

Isto porque, tratando-se de interesse difuso, cujo objeto é indivisível, os sujeitos indeterminados e os efeitos da sentença são erga omnes, pode-se inferir, quase que com absoluta certeza, que a responsabilidade das pessoas que se situam no pólo passivo da demanda é, não só objetiva, mas, também, solidária.

Enfim, os legitimados passivos responderão objetiva e solidariamente pelos danos causados, após o que terão o direito de regresso contra o causador direto do dano, mediante ação específica.


7. Foro

Em conformidade com o disposto no art. 2°, c/c o art. 4° da Lei n° 7.347/85, a ação civil pública, e suas respectivas cautelares serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, ou, no caso das cautelares, onde poderá ou deverá ocorrer o dano ou ato lesivo ao interesse tutelado.

A Lei da Ação Civil Pública, quando assim determinou, assim elegeu tal foro, porque facilita a obtenção de prova, seja testemunhal ou pericial, que se façam necessárias para a comprovação do dano. Não obstante, como a ação civil pública busca atingir seus fins em caráter urgente e imediato, a proximidade do local do dano, efetivo ou potencial, possibilitará melhores condições para o restabelecimento da situação ao status quo ante.

Comentando o a regra testificada no art. 2° da Lei n° 7.347/85, principalmente no que toca à competência relativa ou absoluta, ensina Rodolfo de Camargo Mancuso:

 "Ante esses dados, se esmaece o impacto causado à primeira leitura do art. 2° da Lei n° 7.347/85, onde, como se disse, o legislador aproximou critérios que, ordinariamente, conduzem a competências de natureza diversa. Seja porque aí se seguiu a regra de competência territorial especial (CPC. art. 100, V, a); seja porque a própria letra da lei é no sentido de que o juiz 'terá competência funcional para processar e julgar a causa', não padece dúvida de que, no caso, se trata de competência absoluta, com as conseqüências daí decorrentes: não se prorroga; não depende de exceção para ser conhecida; pode ser declarada de ofício em qualquer tempo ou grau de jurisdição e mesmo em ação rescisória (CPC, art. 485, II)."

A norma ínsita no art. 109, l, da Constituição Federal, traz em seu bojo uma exceção a regra do "foro do local ao dano", ao estabelecer:

"Aos juízes federais compete processar e julgar: l - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autora, rés assistentes ou oponentes, exceto de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas a Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho".

Assim, se a União, autarquia federal ou empresa pública federal forem interessadas na condição autoras, rés, assistentes ou oponentes, a causa correrá perante os juízes federais. O mesmo não se pode dizer quanto aos Estados, suas autarquias e suas entidades paraestatais interessadas na causa que, mesmo na existência de Lei Estadual que os beneficie com foro privilegiado, há de prevalecer o foro do local do dano, uma vez que lei estadual não pode se sobrepor à norma processual federal (MANCUSO).

Contrariamente a essa exceção, encontramos Paulo Lúcio Nogueira, que invoca o § 3º do dispositivo constitucional acima mencionado, segundo o qual:

"Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do dom cílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que for parte instituição de previdência social e segurada, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça estadual",

Assim, quer o autor fazer prevalecer o estatuído na regra do art. 2° da Lei n° 7.347/85, mesmo nas causas em que haja interesse da União, autarquias federais e empresas públicas federais.

Em sentido paralelo, Paulo Afonso Leme Machado entende que, em face do conceito dados ao ambiente e ao patrimônio cultural, ambos os interesses tutelados pela Lei n° 7.347/85, nem sempre a Justiça Federal será competente para processar e julgar a matéria, não obstante a diretriz art. 109, l, da Carta Magna, concluindo o autor que o art. 2° deve ser visto como um farol que mostra, em cada caso, a competência mais apta para os fins procurados pela lei (MACHADO).

A par das divergências doutrinárias e jurisprudenciais, já existe entendimento sumulado pelo STJ no sentido de que, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, compete ao Juiz Estadual, processar e julgar ação civil pública, mesmo havendo interesse da União. É o que determina a Súmula n° 183 do STJ:

"Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo".

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Por outro lado, como obtempera Rodolfo de Camargo Mancuso - para quem, também, não deve haver exceção à regra do "foro do local do dano" - o interesse da União, suas autarquias e empresas públicas na demanda, não se confunde com o mero interesse, nem tampouco o simples ingresso da União no feito provoca o deslocamento da competência para a Justiça Federal (MANCUSO). Esse interesse só seria capaz de deslocar a competência para Justiça Federal, se fosse efetivo, expresso. Com efeito, há orientações jurisprudenciais nesse sentido e o próprio STJ, tribunal competente para decidir acerca de conflito de competência verificado entre juízes subordinados a tribunais diversos, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados (art. 105, l, d, da CRFB/88) expediu a Súmula nº 150, que diz:

 "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".

À guisa de conclusão, entendemos que, a princípio, deve-se aplicar a norma processual da Lei n° 7.347/85, que elege como foro para a propositura da ação civil pública o local de ocorrência do dano, ou, tratando-se da respectiva cautelar, o local onde o mesmo poderá ocorrer. Deve-se observar, em seguida, a norma constitucional acerca da competência da Justiça Federal nas causas de interesse da União, suas autarquias e empresas públicas (art. 109, l, da CRFB/88). Vale lembrar, nessa última hipótese, a ressalva da orientação jurisprudencial presente no texto da súmula n° 183 do STJ, acima mencionada. Em todos os casos, é o STJ, o tribunal competente para dirimir quaisquer conflitos levantados em virtude da aplicação do art. 2° da Lei n° 7.347/85, a teor do disposto no art. 105, l, d, da CRFB/88.

Igualmente, ressaltamos que a Lei n° 8.078/90, CDC, estabelece, em relação à Justiça Estadual, a competência do juiz do local onde ocorre o dano, e, no caso de dano nacional ou regional, o da capital do Estado ou do Distrito Federal (art. 93), aplicando-se a norma, assim, a todos os casos de ação civil pública, em virtude do disposto no art. 117 do CDC.

Mas, se um único ato enseja danos nacionais ou regionais, a competência é do local onde foi sofrido o dano, ou da capital do Estado; se os prejuízos atingirem vários Estados, a liberdade de escolha de foro não deve ser ilimitada, quando pleiteada a indenização pela totalidade dos danos. Com efeito, se séries de atos análogos são praticados em vários Estados ou Municípios, ensejando danos, a competência deve ser dos vários juízes, cada um competente, em relação aos atos praticados e danos sofridos na sua circunscrição judiciária, não se admitindo que ocorra a extensão da competência de qualquer juiz, para que a sua sentença proferida erga omnes possa alcançar os réus em todo o território nacional. Veja-se, a título de fundamentação a decisão do STJ reconhecendo que não há conexão, não atrai a prevenção nem a unidade de juízos ante as ações civis públicas intentadas para o mesmo fim, nas várias regiões, que foi proferida no Conflito de Competência n° 971:

"Inexiste conflito de competência quando Juízes Federais, ainda que vinculados a Tribunais Regionais diversos, apreciam causas conexas em matéria de interesses difusos. Possibilidade de repercussões diferentes nos vários Estados”.

Sendo diferentes as decisões, estas poderão ser unificadas no STJ quando a matéria, quando dos recursos próprios. É possível, assim, entendimentos divergentes nas diversas regiões da Justiça Federal; conclusão também apropriada à Justiça Comum Estadual, onde isto poderá ocorrer; por isso que cada Estado tem o seu Tribunal de Justiça.


8. Processo e procedimento

Naquilo que toca ao procedimento da ação civil pública, ou seja, o rito processual adequado vale dizer que o art. 19 da Lei n° 7.347/85 dispõe que se deve aplicar o CPC, se não contrariar as suas disposições.

Embora de caráter eminentemente processual, a Lei da Ação Civil Pública não especificou todos os tópicos necessários nessa matéria, disciplinando alguns e remetendo ao CPC alguns outros, por força do dispositivo acima mencionado. Assim, como não tratou do procedimento a ser adotado na ação civil pública, pode este ser de rito ordinário (CPC, art. 292) ou sumário (CPC, art. 275), lembrando que a escolha de um ou de outro deve ser feita com base nos critérios legais.

Continuando a análise, ressalte-se que existe uma corrente jurisprudencial que entende possível a adaptação do rito equivocadamente escolhido, com o aproveitamento dos atos já praticados, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, que prevê o aproveitamento máximo dos atos processuais (MANCUSO). No entanto, como esse entendimento ainda não se encontra disseminado na jurisprudência, é ainda necessário que o autor da ação eleja o rito correto, sob pena de ver o processo anulado de início, e restringido de certas faculdades processuais próprias pelo rito sumário.


9. Referências bibliográficas

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ação Civil Pública (ambiente, consumidor, patrimônio, cultural) e Tombamento. São Paulo: RT, 1987.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo Mancuso. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 12ª ed. 2012.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 16ª ed. 2013.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. São Paulo: Malheiros, 27ª ed. 2004.

MORAES, Alexandre de.  Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 29ª ed. 2013.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Instrumentos de tutela e direitos constitucionais. São Paulo, Saraiva, 1994.

PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras medidas constitucionais típicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 36ª ed. 2013.

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. - 5a ed. - São Paulo: Atlas, 2001.

Sobre o autor
Andre Vicente Leite de Freitas

Advogado em MG. Professor da Universidade Católica de Minas Gerais ( PUCMINAS). Professor de Direito em curso de Graduação e Pós Graduação. Prof. de Graduação em Sistemas de Informação. Relator da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/MG); Pós-graduado lato sensu em Direito Processual pela Universidade Gama Filho - UGF; Mestre em Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional pela Universidade Católica de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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