Infelizmento a redação jurídica ainda é o calcanhar de Aquiles para muitos operadores do direito. Faculdades pecam por não terem em seus curriculos a matéria de Redação Jurídica e, por outro lado, muitos bachareis desavisados aprenderam pela conhecida fórmula do Ctrl-C + Ctrl-V e das costumeiras petições prontas.
Ocorre que essa lacuna já vem “unificando” a jurisprudência em nossos tribunais.
Confira-se a pérola desse julgado:
O texto confuso de uma petição inicial fez o juiz Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Itajaí (SC), extinguir -- sem julgamento de mérito -- uma ação proposta pela empresa M. Reis & Cia. Ltda. Ainda cabe recurso. (Ação: consignação em pagamento - Proc. nº 033.04.027273-0 – SC).
O juiz afirmou: “Não vislumbro possibilidade de dar prosseguimento à ação em face de a técnica redacional ser totalmente confusa, obscura e enleada de forma que da narração dos fatos não decorre uma conclusão lógica justificadora do pedido”.
Ribeiro afirmou que a empresa não aponta, na petição inicial, contra quem exatamente pretende litigar em busca de seu direito. O réu é indicado como “Estado de Santa Catarina=Besc”. As informações são do site Espaço Vital.
Segundo o juiz, enquanto o estado de Santa Catarina é pessoa jurídica de direito público interno, o Besc é instituição financeira e pessoa jurídica de direito privado. De acordo com Ribeiro, “o intuito de demonstrar um vocabulário rebuscado e erudito, torna o entendimento da peça exordial verdadeiro jogo de quebra-cabeças, onde se tenta descobrir quais são os fatos que o levaram a intentar a presente ação junto ao Poder Judiciário”.
Finalmente, o juiz critica a falta de uso do ponto final “depois de tantas leituras” da petição inicial e lembra que "a concisão é o mais importante requisito do estilo forense". Ele indaga também: “Será que não houve interrupção de pensamento no decorrer de duas folhas escritas pelo autor?”
Confira-se esse outro de Lavra da Desembagador Sirley Abreu Biondi, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Veja-se:
“Insta ser salientado que os advogados que assinaram as contra-razões necessitam com urgência adquirir livros de português de modo a evitar as expressões que podem ser consideradas como injuriosas ao vernáculo, tais como “em fasse” (no lugar de “em face”), “não aciste razão” (assiste), “cliteriosamente” (criteriosamente), “doutros julgadores” (doutos), “estranhesa” (estranheza), “discusão” (discussão), inedoneos” (inidôneos)… Acrescenta-se, ainda, que devem os causídicos adquirir também livros de direito, à medida que nas contra-razões constam “pedidos” como se apelação fosse, o que não tem o menor cabimento”.
Por outro lado, a Lei 8.906 de 04 de Julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto dos Advogados do Brasil, traz em seu Capítulo IX a respeito das infrações e sanções disciplinares.
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional.
Pena: suspensão – Art. 37
Por fim, vale a pena recordar:
- Evite abreviaturas: Prefira sempre a escrita por extenso. Por exemplo, use "Vossa Excelência" ao invés de "V. Exa."
- O pronome de tratamento Vossa Excelência exige o verbo na terceira pessoa. O pronome possessivo correspondente é seu e sua. Por isso, não construa esta frase: “Vossa Excelência resolveu o vosso problema?”. Corrija para: “Vossa Excelência resolveu o seu problema?” Da mesma forma, é incorreto elaborar a seguinte oração: “O autor vem, mui respeitosamente, à vossa presença”. Corrija para: “O autor vem, mui respeitosamente, a sua presença” ou “O autor vem à presença de Vossa Excelência, requerer o julgamento antecipado da lide.”.
- Utilize autor e réu (ou demandante e demandado) como termos genéricos da jurisdição contenciosa; exequente e executado (ou credor e devedor) no processo de execução; requerente e requerido no processo cautelar; requerente no processo de jurisdição voluntária.
- Não use, em nenhum caso, suplicante e suplicado, pois súplica é um termo inadequado para o ato de propor ou requerer em juízo.
- Não faça inversões de períodos: As inversões confundem o leitor trazendo um resultado indesejado. No lugar de "Vale ressaltar, de vários fatores alheios à pessoa do Requerente depende o sucesso do evento", use: "Vale ressaltar, que o sucesso do evento depende de vários fatores alheios à pessoa do Requerente"
- Evite citação excessiva de expressões em latim: Utilize apenas expressões em latim que são mais conhecidas no mundo jurídico, por exemplo: fumus boni juris e periculum in mora. (As citações latinas (ou em qualquer outro idioma) devem estar sempre em destaque: em itálico, em negrito ou sublinhadas. Também é possível usá-las entre aspas.
- Cuidado com erros ortográficos ou gramaticais: Sempre que estiver em dúvida, consulte um bom dicionário.
- Nunca faça a petição em primeira pessoa. Afinal, não é você quem está pedindo, é seu cliente. Ao invés de "tenho em meu poder um contrato assinado pelo Réu" use "o Autor tem em seu poder um contrato assinado pelo Réu".
Outro erro comum:
Não use a expressão Senão, vejamos. O pedido é redigidas em terceira pessoa. A expressão Senão, vejamos é primeira pessoa do plural, pois a expressão completa é: “Senão, vejamos nós”. A permuta de pessoas do discurso, na produção textual jurídica, é considerada erro gramatical. As peças processuais devem ser redigidas em terceira pessoa. Expressões do tipo: “Vejamos, pois”, “Senão, vejamos”, estão incorretas. Tais expressões precisam ser corrigidas para: “Veja-se, pois”, “Senão, veja-se”, Senão, confira-se, etc.
Usa-se senão (a expressão leva a uma confirmação do que foi anteriormente enunciado) , quando puder ser substituída por do contrário, mas sim; a não ser, de outro modo. Por exemplo: “A oposição precisa ser oferecida antes da audiência, senão ela será processada como procedimento autônomo”, “Razão assiste ao opoente, senão vejam-se os arestos colacionados”. Ao usar o se não (separado), deve-se observar que seu significado equivale a caso não, pois equivale a incerteza, condição, precisão. Por exemplo: “Se não chover, o opoente irá ao fórum”, “A resposta está correta? Se não, vejamos”.
Evite linguagem rebuscada:
Confira: “O réu vive de espórtula, tanto é que é notória sua cacosmia”.
Conseguiu traduzir?
E assim: “O réu vive de donativos, tanto é que é notória sua miserabilidade”.
- Fuja do gongorismo ( excesso de erudição) e de alusões estranhas, metáforas esdrúxulas, trocadilhos etc.
Confira o que o árcade português Correia Garção já dizia sobre o gongorismo no século XVI:
EPÍSTOLA I
Não busques pensamentos esquisitos,
Em denegridas nuvens embrulhadas;
Não tragas, não, metáforas violentas,
Imitando esse corvo do Mondego,
Que entre os cisnes do Tejo anda grasnando;
Usa da pura língua portuguesa
Que aprendido já tens no bom Ferreira,
No Camões imortal, um Sousa e Barros.
E não se esqueça do que disse o mais universal poeta português:
“Minha pátria é a língua portuguesa.”Fernando Pessoa
Fonte: Redação Jurídica – Zizzi Estêvão – Editora Clube dos Autores. – Site: www.clubedosautores.com.br