Acesso à justiça e extensão universitária: análise humanística e social dos escritórios modelos dos cursos de Direito

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Este artigo teve como questão central se existe formação humanística e social nos escritórios modelos dos cursos de Direito.

1. INTRODUÇÃO

Nestor Sampaio Penteado Filho (2009) distingue os termos direitos fundamentais e direitos humanos, no sentido de que o primeiro é uma expressão voltada para o direito constitucional, compreendendo direitos e garantias positivados na ordem jurídica de um determinado Estado, ao passo que a segunda expressão trata sobre aquelas prerrogativas inscritas em tratados e costumes internacionais, elevando-se à tipificação no Direito Internacional Público.

Independente dos conceitos apresentados pelo referido autor, tem-se que o elemento em comum a ambos é a dignidade da pessoa humana, fazendo com que essas garantias e prerrogativas sejam indivisíveis, invioláveis, essenciais e, sobretudo, devendo ser efetivas.

O acesso à justiça vem resguardado nos diplomas internacionais no qual o Brasil é signatário, em especial no art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no art. 8° da Convenção Americana de Direitos Humanos, ficando evidente sua característica como direito humano.

Lado outro, acesso à justiça também vem consagrado no ordenamento jurídico pátrio através do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal. Nesse sentido, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2007) elucida que este comando normativo garante a todos uma prestação jurisdicional efetiva, compreendendo o direito a um provimento judicial e aos meios necessários a dar efetividade aos direitos no plano material. Nesse sentido, pode-se dizer que o direito fundamental à tutela efetiva abrange: i) o direito à técnica processual adequada; ii) o direito de participar através do procedimento adequado e; iii) o direito à resposta do juiz.

Entretanto, segundo estudos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (2002), em que o acesso à justiça venha sendo concretamente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o próprio conceito de efetividade acaba sendo algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um determinado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de armas, ou seja, a garantia de que a conclusão final depende apenas de méritos jurídicos relativos das partes litigantes, sem qualquer relação com as diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade naturalmente é utópica. As diferenças entre as partes jamais podem ser erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico, ou seja, quais os obstáculos no efetivo acesso à justiça devem ser superados. Dos estudos apresentados pelos referidos autores, no presente artigo destacam-se duas barreiras ao efetivo acesso à justiça: i) custos judiciais e; ii) possibilidades das partes.

No que tange ao primeiro, afirmam os autores que a resolução formal de litígios, particularmente nos tribunais, é muito dispendiosa na maior parte das sociedades modernas, além da lenta marcha processual que se arrasta com o decurso do tempo. No que se refere ao segundo obstáculo, evidencia-se que os recursos financeiros das partes influenciam no efetivo acesso à justiça, pois determinará se ela terá condições de contratar advogado e/ou profissionais (peritos, etc.), além de determinar se poderá suportar as delongas do processo. Ainda quanto à possibilidade das partes, identificam os referidos autores que outro elemento crucial para o acesso à justiça é a aptidão que a pessoa tem para reconhecer um direito e propor uma ação ou defesa.

Por oportuno cumpre observar a preleção de Paulo Osório Gomes Rocha (2008) ao destacar que uma das implicações impostas pelo tratamento jurídico conferido aos direitos fundamentais é quanto a sua justiciabilidade, que se justifica pela aplicação imediata dos direitos fundamentais, em razão de sua fundamentalidade formal (art. 5°, §1°, da Constituição Federal) e pela sua fundamentalidade material, em razão da essencialidade do bem jurídico tutelado pela Carta Magna. Todavia, em que pese a elevada hierarquia do substancioso catálogo normativo de proteção aos direitos fundamentais, os grupos economicamente menos favorecidos ainda não conseguem exercitá-los com efetividade.

O desenvolvimento deste trabalho, ora exposto, será através da análise da legislação brasileira: Constituição da República de 1988 (CR/88), da Lei n° 11.788, de 25 de setembro de 2008, da Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), da Resolução CNE/CES 9/2004, assim como da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção Americana de Direitos Humanos e, ainda, por meio do estudo de doutrina, existente em livros e periódicos especializados. De maneira que foi desenvolvida pesquisa cuja vertente metodológica é a teórico-documental, sob uma perspectiva dogmática, utilizada como forma de análise dos resultados.

É neste ambiente de proeminência da dignidade da pessoa humana e pela busca de direitos fundamentais que se fazem necessárias a criação de ações e projetos incumbidos de prestar assistência jurídica aos necessitados.

2. DESENVOLVIMENTO

Para haver mudança significativa na sociedade, Jacques Delors (1999) afirma que a educação deve ser concebida nos chamados quatro pilares: aprender a ser; aprender a conviver; aprender a aprender; aprender a fazer.

Os cursos de Direito, nos termos do art. 3° da Resolução CNE/CES n° 09/2004, deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Para alcançar seu desiderato, os cursos de Direito deverão contemplar, nos termos do art. 5° da Resolução CNE/CES n° 09/2004, em seus projetos pedagógicos e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação: I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber; II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza,estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais; e III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

No que se refere ao Estágio Curricular Supervisionado, por praxe nos cursos de Direito ele é desenvolvido nos Escritórios Modelos com o intuito de proporcionar o aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho (art. 1°, § 2° da Lei n° 11.788/2008).

Importante ressaltar que a atividade de advocacia e a utilização da denominação de advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou seja, somente são advogados os bacharéis em Direito inscritos na OAB. Para obter essa inscrição necessitam, pela legislação vigente, ser aprovados em Exame de Ordem. Ademais, atento à necessidade e relevância do estágio curricular obrigatório, a própria lei que instituiu o estatuto da OAB previu que o estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior (art. 9°, § 1°, da Lei n° 8.906/1994).

Horácio Wanderlei Rodrigues (2006) afirma que o tratamento constitucional dispensado à advocacia impõe vê-la como serviço público e exercício de função social, devendo, portanto, ser exercida teleologicamente, em busca da concretização do direito e da justiça. Assim, a advocacia é militância; é também instrumento de construção e efetivação da cidadania. Exige-se, portanto, paixão e cumplicidade axiológica e ideológica com os interesses a serem defendidos, e também a consciência do comprometimento social que se impõe ao exercício dessa profissão no mundo contemporâneo.

Ao ingressar no universo acadêmico, o estudante deverá ter contato com as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Em especial neste último, qual seja, a extensão, fica evidenciado o pilar do aprender a fazer, que decorre da proposta de um ensino humanístico, que envolve o olhar da prática social, na essência a aplicação do conhecimento para o bem comum.

Nesse sentido, considerando o objetivo da educação e dos cursos de Direito, os Escritórios Modelos promovem a realização de atividades extensão, interação entre o curso e a comunidade que está inserida, na medida em que propiciam aos acadêmicos uma melhor formação profissional, ressaltando o aspecto humanitário da profissão e estreitando os laços de relacionamento com a comunidade.

3. CONCLUSÃO

A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar as finalidades básicas do sistema jurídico. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

De fato existem barreiras a serem superadas, tais como os custos judiciais e a aptidão das pessoas conhecerem e buscarem seus direitos. O primeiro obstáculo vem sendo superado com adoção de leis que facilitam as partes a possibilidade de buscar a justiça, por exemplo, isentado de custas processuais e com procedimentos/rito teoricamente mais célere, tal como o juizado especial. Entretanto, a lei por si só não é capaz de levar conhecimento e educação à população. O grande problema se evidencia na medida em que a lei existe, mas de fato há grande desconhecimento, embora formalmente ninguém possa alegar o desconhecimento. Neste descompasso, os escritórios modelos dos cursos de Direito é uma forma efetiva de se tentar garantir o direito constitucional fundamental e humano do acesso à justiça, reduzindo esse abismo que há entre as pessoas e o conhecimento e busca de seus direitos.

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Com a efetiva participação dos escritórios modelos dos cursos de Direito, forma-se uma relação triangular interessante entre Comunidade/Universidade/Poder Judiciário, onde somente existem pontos positivos para todos.

A comunidade passa a ter oportunidade de conhecer e buscar seus direitos; o Poder Judiciário realiza a sua função social precípua, qual seja, de promover a justiça; e o curso de Direito fortalece seus vínculos institucionais, enaltece sua função e comprometimento social e oferece uma educação consistente e ampla, na área humana e jurídica, em sintonia com a sociedade, para a formação de um profissional comprometido com a ordem social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/> Acesso em: 25 de maio de 2011.

_______. DECRETO Nº. 678/92. PROMULGA A CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS DE 22 DE NOVEMBRO DE 1969. Brasília: Presidência da República, 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm> Acesso em: 25 de maio de 2011.

_______. Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial da União, Brasília, 05 de julho de 1994.

_______. Lei n° 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no5. 452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória  no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.Diário Oficial da União, Brasília, 26 de setembro de 2008.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Sobre o Direito Fundamental à Jurisdição. In: DIDIER JR, Fredie; WAMBIER, Luiz Rodrigues; GOMES JR, Luiz Manoel. (Coord.). Processo e Constituição. Salvador: Editora JusPodivm, 2007.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em Acesso em: 25 de maio de 2011.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos: doutrina e legislação. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2009.

ROCHA, Paulo Osório Gomes. Concretização de Direitos Fundamentais na Perspectiva Jurídico-Constitucional da Defensoria Pública: um caminho ainda a ser trilhado. In: NOVELINO, Marcelo. (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3ª edição. Salvador: JusPodivm, 2008.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Advocacia: Serviço Público e função Social. In: FUX, Luiz; NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

Sobre os autores
Isa Omena Machado de Freitas

Pós-graduada em Direito Privado, Direito Civil e Processo Civil. Advogada. Professor Mestre da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais. Universidad Del Museo Social Argentino- UMSA.

João Marcelo dos Santos Silva

Pregoeiro e Contador – Reitoria. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Professor – Ciências Contábeis. Faculdade Educação, Ciências e Letras de Paraíso do Tocantins. Especialista em Gestão e Auditoria Pública.

Joanderson dos Santos Silva

Contador. Professor Especialista da Faculdade de Educação Ciências e Letras de Paraíso (FECIPAR).

Nayara Gallieta Borges

Advogada. Professor Especialista da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).

Bruno Barreto Cesarino

Advogado. Professor Especialista da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).

Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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