A releitura da tripartição de poderes sob o enfoque do Poder Judiciário Trabalhista

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Este texto pretende efetuar uma releitura da tripartição de poderes sob o enfoque do Judiciário trabalhista, sublinhando a discussão sobre o papel do Poder Judiciário ante a sociedade e o Estado.

A RELEITURA DA TRIPARTIÇÃO DE PODERES SOB O ENFOQUE DO PODER JUDICIÁRIO TRABALHISTA

Haydée Priscila Pinto Coelho de Sant´ana

Advogada graduada em Direito pela Universidade Fumec - Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho.

1-INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva demonstrar a releitura do sistema de tripartição dos poderes, concebido por Monstesquieu em evolução às idéias de Aristóteles, com abordagem direcionada ao Judiciário Trabalhista.

Tradicionalmente, ao Poder Judiciário cabe a função jurisdicional, o que não impede o exercício de atribuições de natureza administrativa ou legislativa.

Entretanto, é crescente a atuação desse Poder em interação com políticas públicas e sociais, exercendo um papel ativo na sociedade, com atenuação da divisão estanque das funções inerentes, seja por meio da chamada judicialização da política, ou através do ativismo judicial ou, ainda, mediante implementação de programas sociais como o Programa do Trabalho Seguro ou o Programa do Combate ao Trabalho Infantil.

Não se trata de exercício exorbitante às competências que lhes foram atribuídas pelo constituinte originário, mas sim de aproximação em franco diálogo, enaltecendo a Carta Federal que logo no seu preâmbulo institui o Estado democrático de direito, garantindo o papel harmônico do sistema constitucional, isto é, delimitado mas ao mesmo tempo em clara expansão.

Dessa feita, nada obstante a complexidade do tema pretende-se somente sublinhar a discussão sobre o papel do Poder Judiciário, especialmente no que tange à seara trabalhista, ante a sociedade e o Estado.

2-A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

Suplantando os ideais absolutistas da teoria Aristotélica que ficou conhecida na célebre frase de Luís XIV: “o Estado sou eu”, a qual denotou que o Monarca detinha o poder incontestável de mando, mas contribuiu para identificar as três funções do Estado, a teoria de Montesquieu exsurge como verdadeiro pedestal para soerguer os pensamentos democráticos inerentes à burguesia carecedora da liberdade econômica, social e política.

Aprimorando os pensamentos do filósofo grego, Montesquieu deixou o legado da tripartição de poderes, que reservava ao Poder Judiciário apenas a função de aplicar a lei ao caso concreto, mas que foi aprimorada para refletir os anseios sociais, e, hoje é erigido ao seio constitucional (art. 2º), denotando a independência e harmonia de cada poder que, embora detentor da função preponderante (típica), ainda exerce funções atípicas, o que facilmente se constata no famoso julgamento do caso “Marbury x Madison”.

Assim, é por isso que o Poder Judiciário julga (função típica), dizendo o direito no caso concreto, mas, também edita seu regimento interno e administra os seus servidores (função atípica).

3-PREPONDERÂNCIA DE FUNÇÕES E ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA ALÉM DO ÂMBITO JURISDICIONAL

Atualmente, as linhas demarcatórias das funções inerentes aos poderes, tornam-se cada vez mais opacas, sendo mais adequado afirmar a existência da preponderância de funções ao revés de separação dos poderes.

Nesse sentido, o Ministro Luís Roberto Barroso, lembra que “(....) algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo (...). Trata-se da chamada judicialização da política que, segundo o professor, “(...) envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.(...)”,[1] o que se denota, por exemplo, no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, seja difuso ou concentrado, ou ainda, pelos Mandados de Injunções que passaram à servir de espeque para suplantar a inexplicável (ou, quem sabe, explicável?) mora do Poder Legislativo.

Vê-se a atuação do Poder Judiciário em questões políticas ou socialmente relevantes, como o direito de greve do servidor público, alçado à Carta Federal como norma de eficácia limitada (art.37, VII CF), cuja regulamentação, talvez por questões políticas, passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição, ainda não foi efetivada.

Destaca-se que a judicialização não se confunde com o ativismo judicial, pois este, no dizer do eminente Ministro[2], é “(...) uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a constituição, expandindo o seu sentido e alcance (...), tendo como idéia matiz uma “(...) participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais, com maior interferência no campo de atuação dos outros dois poderes.”, o que se verifica, por exemplo, nas recentes decisões que declararam a abusividade das dispensas em massa sem que haja prévia negociação coletiva ou aquelas que conferem estabilidade acidentária aos contratados por prazo determinado em interpretação conforme a Constituição.

E não é só! É crescente a atuação do Poder Judiciário para além do seu poder-dever de dizer o direito, isto é, comprometido com políticas públicas que refletem verdadeiro exercício das funções inerentes ao Executivo, sem, contudo, afrontar a cláusula pétrea da separação dos poderes (art. 60, §4º, III).

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Nesse diapasão, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, instituíram o Programa Trabalho Seguro – Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, que objetiva a efetivação de políticas voltadas à prevenção  e diminuição dos infortúnios laborais. Note-se a atuação ampla, o que se verifica desde a priorização de tramitação de demandas que envolvam o acidente do trabalho (Ato Conjunto GP.CGJT N.4, de 9 de Dezembro de 2013), passando pelo envio de ofícios à PGF nos processos em que se reconheça a culpa do empregador pelo acidente para viabilizar as ações regressivas e, ainda, implantação de programas para conscientização de toda sociedade, como os atos públicos que ocorreram nas obras dos estádios nacionais.

Sem dúvidas, essa atuação enaltece a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, ambos fundamentos da República Federativa do Brasil, além de exaltar os princípios da prevenção e precaução estampados na Convenção da OIT n. 155.

De igual maneira, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, instituído pelo TST em parceria com o CSJT, cujo objetivo é desenvolver, em caráter permanente, ações em prol da erradicação do trabalho do menor.

Não há dúvidas que o Poder Judiciário laboral contribui, numa perspectiva macro, não somente para a diminuição dos acidentes e do trabalho infantil, mas, também para a redução das taxas de congestionamento no próprio órgão e confere efetividade à duração razoável do processo (art. 5º, XXXV CF), solidificando-se como verdadeira política pública, interagindo diretamente com a sociedade e com os demais Poderes. Trata-se da atuação para além da função jurisdicional.

Aliás, digno de destaque é também o processo judicial eletrônico, o qual não se consubstancia apenas em tornar eletrônico o processo. Vai além! Atua em prol da sustentabilidade ambiental, com preservação de recursos naturais e humanos, compatibilizando, dessa forma, com um Poder Judiciário que não se atém a julgar os processos, mas anseia pelo progresso social.

Por tudo isso é que se verifica a crescente aproximação entre os poderes, com significativa evolução em relação à clássica teoria da separação dos poderes formulada por Mostesquieu, permitindo exorbitar o exercício da função primordial, sem que haja afronta ao sistema de freios e contrapesos, em patente diálogo constitucional e estímulo ao entendimento político, jurídico e social. Eis a releitura da Tripartição dos Poderes.

4-CONCLUSÃO

A nova realidade confere ao Poder Judiciário a importante tarefa de efetivação dos direitos fundamentais, o que lhe impõe uma postura ativa, seja na interpretação em conformidade com a Constituição de modo a expandir os direitos fundamentais, ou até mesmo na atuação para além do âmbito jurisdicional, tal como se vê no Judiciário trabalhista com a implantação de programas sociais.

À luz dessa concepção, conclui-se que a cláusula pétrea da separação dos poderes (art. 60, §4º, III) e o princípio da indelegabilidade de atribuições revelam que, embora cada Poder deva atuar dentro da competência que lhe foi atribuída pela Carta Cidadã, é possível a aproximação entre as três esferas, acentuando as funções atípicas e exaltando o diálogo social.


[1] BARROSO, Luis Roberto. Retrospectiva 2008 - Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Bahia, número 18, abril/maio/junho de 2009. http://www.direitodoestado.com.br/artigo/luis-roberto-barroso/retrospectiva-2008-judicializacao-ativismo-e-legitimidade-democratica. Data de acesso: 20 de março de 2014.

[2] Idem.

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Sobre a autora
Haydée Priscila Pinto Coelho de Sant'Ana

Advogada graduada em Direito pela Universidade Fumec - Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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