Média de presos varia por Estado e independem de assistência jurídica e desigualdade social, notadamente nos pequenos furtos:

quase 90% dos réus por furto são condenados, metade em regime aberto domiciliar ou pena alternativa

21/04/2014 às 18:11
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O texto procura desmitificar alguns tabus no meio penal, analisando algumas estatísticas e constata que metade das ações penais por furto terminam em regime aberto domiciliar ou pena alternativa, o que já poderia ser proposto no início da ação penal.

O presente trabalho faz uma breve análise de alguns indicadores de desenvolvimento social e mostra a variação substancial de média de presos por Estado, apontando que Estados com pouca desigualdade social ou com assistência jurídica estrutura apresentam altas médias prisionais, e o contrário também. Aborda ainda o trabalho de Ivan Borin, Mestre em Ciências Políticas pela USP, que pesquisou sobre as sentenças de furto no ano de 2002 na Comarca de São Paulo, verificando regimes de prisão, penas alternativas, recorribilidade e mostrou conclusões interessantes

A média nacional de presos por Brasil é de 259 presos para cada 100 mil habitantes, sendo que entre 2003 e 2013 a média de presos saltou de 300 mil para 500 mil, ou seja, um aumento de 70%. No entanto, há disparates entre os Estados na média, conforme dados do DEPEN de 2010, variando de 86,29 no Piaui a 461,00 em Mato Grosso do Sul e 544 no Acre.

Quanto ao problema do Maranhão no presídio de Predinhas, a média de presos é de apenas 86 por 100 mil habitantes, ou seja, quase um terço da média nacional. Portanto, no Maranhão não se prende muito, mas tem falta de vagas, conforme dados do DEPEN. Embora seja o antepenúltimo em índice GINI.

Importante ressaltar que taxa de prisão não significa taxa de crimes, pois são questões distintas, apesar de pontos em comum. Mas, pode ser que muitos crimes não estejam sendo apurados ou punidos, logo a cifra negra prevalece, ou então, uma aplicação maior de penas alternativas.

Necessário também registrar que a existência de Defensoria no Estado não é capaz de apresentar grandes diferenças, inclusive Estados como Santa Catarina, Paraná e Goiás que não disponibilizam este serviço amplamente contam com menor número de presos em relação a Estados que disponibilizam este serviço, como é o caso de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais.

O Distrito Federal tem o maior IDH do Brasil 0,824, porém tem 344,32 presos por cem mil habitantes, enquanto Santa Catarina tem IDH de 0,774 em 2010 e não tinha defensoria, porém tem a média de 237,65 de presos por habitante, o que se verifica que desigualdade social e defesa estatal não interferem diretamente na quantidade de presos (ou de crimes). Ou seja, há menos desigualdade social em Brasília, mas há mais presos.

Verifica-se que a mesma legislação penal leva a um índice diferenciado na quantidade de prisões por Estados. Um problema é que a lei penal e processual é federal, mas a execução das políticas de segurança é estadual. Outro dado é que a política legislativa, embora realizada pelo Legislativo, sofre grande influência do Ministério da Justiça, bem como Secretaria de Reforma do Judiciário e Casa Civil, e estes setores nos últimos anos e praticamente elegeram os setores policial, ministério público e até Judiciário como adversários e focaram toda a política para atender aos interesses da defesa como advocacia e defensoria, mas os resultados foram o contrário do almejado, pois o número de presos aumentou substancialmente nos últimos dez anos.

Abaixo, apresenta-se alguns índices:

Indice GINI (2011)

Mede nível de desigualdade social, os três Estados melhores colocados com menor desigualdade foram:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_unidades_federativas_do_Brasil_por_%C3%ADndice_de_Gini

Santa Catarina 0,436

Paraná 0,439

Pernambuco 0,454

Goiás 0,465

Índice IDH (2010)

Mede nível de educação. Longevidade e renda

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_unidades_federativas_do_Brasil_por_IDHMédia de Presos por Estado em Relação aos habitantes

Estados

Média de Presos por 100 mil hab

AC

544,16

AL

98,03

AP

290,77

AM

160,14

BA

120,48

CE

177,84

DF

344,32

ES

309,79

GO

199,80

MA

86,55

MT

381,28

MS

461,72

MG

231,08

PA

130,26

PB

213,58

PR

336,55

PE

271,56

PI

86,29

RJ

159,36

RN

195,15

RS

287,54

RO

493,77

RR

402,14

SC

237,65

SP

413

SE

170,18

TO

166,79

BRASIL

259,17

                  

               Observa-se que os índices variam considerando cada Estado, pois medem fatores diferentes, embora importante, mas fazendo uma pequena amostragem, constata-se que não há uma relação direta entre desigualdade, assistência jurídica e número de presos. Mas, ressalta-se que o Distrito Federal ficou em primeiro lugar no IDH, mas ficou em último no índice GINI. Por outro lado, o Piauí é o penúltimo Estado em índice GINI, mas tem a menor proporção de presos por habitantes 86/100 mil)

             

                 Em Dissertação de Mestrado no Departamento de Ciência Política da USP, em 2007, Ivan Borin, orientado pela Dra. Maria Teresa Sadek, pesquisou os recursos criminais durante o ano de 2002 na Comarca de São Paulo nos processos de furto e roubo e constatou que geralmente os recursos tinham por tema a desclassificação para tentativa ou questionando a de pena, notadamente o regime inicial de pena, não havendo muita discriminação por questão social na fase processual, a qual está diponível no link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-25052007-155007/pt-br.php.

            Importante ressaltar que o trabalho não aborda a fase policial. Sendo comum que a polícia priorize apurar a autoria em flagrantes de delitos menos inteligentes como furtos e roubos, conforme pesquisa da ONG Sou da Paz, em que se observou que 80% das prisões são em flagrante, ou seja, não temos investigação efetiva, conforme pesquisa no link: http://www.soudapaz.org/upload/pdf/justica_prisoesflagrante_pesquisa_web.pdf)

           O trabalho do Borin é brilhante e focaremos apenas nos furtos, embora a pesquisa abranja os roubos. Estes dois crimes, juntamente com o tráfico de pequenas quantidades abrange 80% das prisões no Brasil, logo se o Governo quiser resolver a questão prisional é preciso pensar em políticas para estes delitos desde o início e não apenas ao final na execução penal.

                Ou seja, raramente a defesa consegue a absolvição, pois roubo e furto geralmente são crimes cometidos com pouca inteligência e presos em flagrante com provas robustas, o trabalho da defesa acaba ficando naturalmente limitado, logo não se consegue reduzir prisões focando apenas na defesa. Ainda que, em regra, o Judiciário fixe pena mínima no delito, visa a defesa desclassificar de roubo para furto, ou de consumado para tentado, ou de latrocínio para roubo e outras teses.

             Cita ainda no seu trabalho o estudo de WATANABE, no qual constatou em 2001 que analisando os recursos em crimes de furto e roubo julgados pelo Tribunal de Alçada Criminal foram revistas 50% das sentenças absolutórias, contra apenas 8% das sentenças condenatórias. Dados obtidos em artigo de Watanabe, na Revista Forense, Rio de Janeiro, v 97, nº. 357, págs 433/436, Perfil dos réus nos crimes contra o patrimônio.

Borin destaca ainda que o regime predominante para crimes de furto é o aberto em 56,2%, o que já sabemos que será o domiciliar por não haver albergues. Sendo comum a conversão do regime aberto em pena alternativa. Informa o pesquisador que 54,8% das condenações por furtos são convertidas em penas alternativas.

Destaca também que no caso de furto há condenação em 57,7% dos casos apenas na primeira instância (sentença). Além disso, 30,9% dos demais processos por furto são encerrados com suspensão, extinção sem mérito (morte, prescrição), transação, arquivamentos. Ou seja, a defesa consegue sucesso em apenas 10% dos furtos, isso sem considerar a fase recursal, na qual segundo WATANABE os recursos do Ministério Público têm maior número de procedência.

No furto o réu recorreu em 12,4% dos casos e o MP apenas 1,3%. Em geral, observa o pesquisador que o Ministério Público foca mais nos roubos, inclusive com maior número de recursos neste caso.

Um dado importante no trabalho é que constata que quando o MP recorre no crime de furto é no tocante ao regime de prisão, e não quanto á conversão da pena de prisão em pena alternativa. E ressalta Borin que isto pode ser um indicativo forte de que o Ministério Público não se opõe à pena alternativa.

Cenário Atual

A pesquisa foi concluída em 2006 e analisando dados de 2002. No entanto a situação piorou nos últimos anos. A quantidade de presos passou de 300 mil em 2003 para 500 mil em 2013, ou seja, um aumento de mais de 70%, mesmo com o Estado aumentando exponencialmente os gastos com defesa e assistência jurídica nos últimos anos.

Verifica-se o paradoxo de condenados pleitearem a condenação no regime de prisão ABERTO (pois domiciliar) em vez de pena alternativa, pois mais gravosa, na prática.

Outro aspecto é que a setores da advocacia questionam arquivamentos no início do processo, pois aparentemente temem perda de mercado de trabalho, mas não se opõe aos perdões (indulto presidencial) ao final do processo, pois já assegurado o mercado de trabalho, ainda que a mínima parte da pena cumprida seja apenas domiciliar e sem fiscalização efetiva. Afinal, o processo judicial, a acusação é que assegura a necessidade da defesa.

Considerações Gerais

Diante deste quadro, observa-se que há variações substanciais na média de presos por Estado, embora a legislação seja a mesma. E destas prisões a maioria é por furtos em geral de objetos de pequeno valor, mas estão ficando presos provisoriamente, até condenação venha a ser aplicada, o que ocorre na maioria dos casos, variando somente a pena. O Governo insiste apenas em focar na defesa, o que não tem gerado resultados.

O Governo Federal ao focar apenas no discurso da defesa e colocar os setores policiais, Ministério Público e Judiciário como “inimigos do governo”, acabou por tero efeito reverso que foi o aumento do número de presos agravado com a estatização e monopólio da assistência jurídica, limitando o direito de escolha.

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No Ministério da Justiça e Secretaria de Reforma do Judiciário há uma predominância maciça de advogados e defensores públicos.

A solução já adotada em países da Europa é que os pequenos furtos sejam ação penal condicionada à representação da vítima e que também o Ministério Público não seja obrigado a processar por furtos de pequenos objetos, exceto se existir interesse público fundamentado. No entanto, este debate não interesse a setores da defesa que depende da demanda alta de presos e processos para receberem mais recursos do Governo ou do Mercado. Enquanto isto, no Brasil o Ministério Público é tecnicamente obrigado a processar por crimes de menor potencial ofensivo, inclusive furtos de galinha.

No entanto, se a esmagadora maioria dos réus em crime de furto serão condenados; e já se sabe que a maioria condenada no regime aberto domiciliar ou pena alternativa, por qual motivo já não se permite ao Ministério Público oferecer proposta de pena alternativa ou regime domiciliar já no início do processo ? Afinal, isto reduziria custo, tempo, inclusive dias de prisão que o acusado fica preso provisoriamente apenas para que a defesa apresente uma defesa preliminar formal.

Em suma, assistência jurídica e desigualdade social têm pouca interferência na questão prisional, sendo importante discutir é a obrigatoriedade da ação penal, como já está sendo feito na Europa há algum tempo. Não faz sentido ser rigoroso com o processo e flexível com a execução penal. Melhor flexibilizar já no início do processo. Mas, atualmente estamos no paradoxo de estatizar a defesa e privativar a execução penal para ONGs(APACs) e empresas, ou seja, invertemos a função punitiva do Estado.

No Crime de furto se não tiver alternativas para evitar a ação penal ou a pena de prisão, ou seja, fortalecendo a acusação para dispor da ação penal, pouco resultado tem o trabalho da defesa, exceto se for a tese de “insignificÂncia”, a qual tem diminuído também, pois o próprio Ministério Público já promove o arquivamento arquiva neste caso para priorizar os casos mais graves, pois a pauta de uma vara criminal comporta, em média, apenas 60 audiências de instrução por mês, depois das alterações em 2008 no CPP a pedido de setores da defesa.

Se já sabemos que haverá condenação em quase 90% dos furtos, mas que esta condenação será no regime aberto domiciliar e em pena alternativa, o processo poderia ser sumarizado com a possibilidade de o acusado aceitar uma pena alternativa ou de regime aberto no início do processo, mas a resistência está na defesa que alega violar ampla defesa, mas o motivo pode ser outro, redução do mercado de trabalho.

Na Alemanha, Suécia e Holanda a defesa técnica na área criminal é facultativa. Inclusive a Alemanha nem oferece assistência jurídica gratuita para réus criminais, porém têm menor índice de prisões. Na Alemanha o MP arquiva 60% dos IPs por falta de relevância em delitos de bagatela (embora prevalece a obrigatoriedade nos demais delitos), e na Holanda e Suécia prevalece o princípio da oportunidade da ação penal. Aparentemente, estas medidas são mais exitosas que as adotadas no Brasil de focarem apenas no processo penal obrigatório e flexibilização da execução penal.

Conclusão

A questão prisional não pode ser analisada isoladamente, pois é preciso estabelecer medidas de prioridade desde o início para crimes mais graves, mas na prática a prioridade policial acaba sendo os furtos, pois menos complexos e presos em flagrante. A defesa resiste à simplificação processual, pois teme redução do mercado de trabalho, embora usem outros argumentos. Mas, o fato é que nos crimes de furto focar na defesa tem dado poucos resultados, pois há condenação em quase e 90% dos casos julgados e depois o Governo tenta flexibilizar as regras de execução penal, o que torna desnecessário o processo penal, pois gasta tempo e verba para depois não se cumprir a pena. Considerando que mais da metade dos condenados por furto cumprem pena de regime aberto domiciliar ou pena alternativa, estas já poderiam ser propostas no início do processo pelo Ministério Público, pois evitaria prisões provisórias.


Sites:

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-25052007-155007/pt-br.php

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_unidades_federativas_do_Brasil_por_IDH

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_unidades_federativas_do_Brasil_por_%C3%ADndice_de_Gini

http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRIE.htm

http://www.soudapaz.org/upload/pdf/justica_prisoesflagrante_pesquisa_web.pdf

Sobre o autor
André Luís Alves de Melo

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público. Professor universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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