Emancipação do ser humano por meio da condição humana

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Trata-se de artigo voltado para analisar o conceito de condição humana adotado por Arendt, dessa análise verifica-se a possibilidade de emancipação e inclusão de minorias.

1. Introdução

Este trabalho busca refletir sobre um dos importantes temas apresentados por Hannah Arednt: A condição humana. Porém com um enfoque especial sobre sua teoria da ação. Como grande fonte de inspiração, relevaremos o quanto Aristóteles e o pensamento dos antigos fora importante para a construção do pensamento político da filósofa e, além, mostraremos as divergências entre a ação na pólis grega e na modernidade.

Com Arendt perceberemos a pluralidade como a palavra-chave para o entendimento da modernidade e do seu processo de acentuação da exclusão das minorias. A ação surge, no pensamento da filósofa, como ferramenta para trazer a igualdade entre os plurais sem que percam seu particular.

Vamos além, mostrando uma solução para a emancipação humana e para o ordenamento jurídico coercitivo e adequador. Seria ela inspirada no agir comunicativo apresentado por Habermas, na qual o diálogo aproximaria o outro e daria a oportunidade de sua revelação em um espaço de respeito e harmonia.

2.  A vita activa

Como bem se sabe, os gregos, em sua época, observavam uma divisão dualística entre os tipos de vidas disponíveis ao homem. Eram elas a vita actvia e a vita contemplativa. “A vita activa em oposição à vita contemplativa designa o conjunto das  articulações  que o "fazer” humano comporta,  isto é,  o conjunto das atividades, ocupações ou negócios humanos, em oposição ao conjunto de faculdades ou potencialidades  que compõem a  vida do espírito ou da  contemplação.” (FRANCISCO, 2007, p. 35) Foi então Aristóteles quem inverteu a antiga hierarquia existente, quebrando a tradição do pensamento político, passando a considerar a vita contemplativa como muito superior a vita activa. Além dessas considerações, também afirmou Aristóteles, dentro da vita activa, a ação como uma atividade superior em face do labor e do trabalho.

Como conseqüência desse ponto sobre a vita activa, ficou entendido que a atividade da ação, por ser superior às demais, deveria ser abrigada em um espaço próprio. Nessa separação foram concebidas a comunidade política – abrigando a atividade da ação- e a comunidade econômica – abrigando o labor e o trabalho.

A comunidade econômica (oikos) movia-se pela finalidade da necessidade biológica e das satisfações quotidianas. Internamente, encontramos na oikos distintos relacionamentos: entre o mestre e o escravo,  entre o marido e a esposa e entre o pai e o filho, o que lhe conferia acentuada heterogeneidade (encontrada, aliás, na vita activa como um todo, pois a ação se distancia do labor e trabalho). Nela também era perceptível uma inescapabilidade da necessidade. Por serem obrigatórios e necessários a existência da comunidade, o labor e o trabalho não promoviam nenhum tipo de liberdade de ação, daí porque se aceitar o escravo como sendo um recurso corporal para as coisas necessárias a vida, pois esta seria a sua finalidade, natural ao próprio ser. A atividade do labor era compelida pela existência natural do homem. Diferenciava-se do trabalho, porque neste efetuávamos  compelidos pela utilidade dos objetos que compõem o artefato humano.

Na vita activa, apenas uma atividade promoveria a liberdade: a ação. Isso se dava justamente por ela não sofrer nenhum tipo de compulsão externa. Essa liberdade, aliás, derivaria do simples fato de não ser preciso sujeitar-se a nenhuma necessidade da vida, pois esta já seria feita por outros – aqueles pertencentes à comunidade econômica. A liberdade entre os iguais também é uma importante característica da comunidade política, porque assim seus membros poderiam agir persuasivamente, utilizando o discurso como ferramenta. Para a ação ser ética, a deliberação é um componente essencial e as escolhas advindas dessa deliberação, se corretas, trarão a comunidade o bem-estar e a felicidade.

Uma vez iniciada, a ação deixa de ser orientada pelo agente, justamente por ocorrer em meio a outras ações humanas, sendo impossível projetar todas suas conseqüências nesse complexo tecido formado. Assim, o máximo permitido ao homem é acautelar-se no surgimento e na consecução da ação em vista do fim.

Dentro da comunidade política não havia espaço para o particular, pois todas essas atividades da vida interna e do íntimo, como dito anteriormente, estavam reservadas a comunidade econômica. A pólis era homogênea, um espaço de isonomia, e seus membros deviam voltar suas ações para o bem da coletividade.

É importante perceber que essa divisão entre as comunidades devido às suas atividades exercentes da vida activa gerava uma forte exclusão. Fácil perceber pelo simples fato desse sistema acabar justificando a existência de escravos.

As idéias de Aristóteles, acima explicitadas, foram mais tarde analisadas por St. Agostinho. Cristão, ele foi responsável por inverter as noções apresentadas pelo filósofo, uma vez que traduziu bios polikitos como sinônimo de vita activa.

Essa nova visão da condição humana não significou, contudo, que as atividades necessárias à manutenção da vida biológica houvessem alcançado o status da ação política, mas esta é que perdeu sua categoria de ser livre, passando a ser vista como uma necessidade da vida terrena. A bios theoretikos dos filósofos, traduzida por Agostinho por vita contemplativa, passou a ser o único meio de vida livre.

 

3. Teoria da Ação

Diferente do que ocorreu na Idade Clássica, o pensamento moderno utilizou-se do pretexto subjetivo. Ou seja, em poucas palavras, fazia-se a necessidade de um pensar individual acima do coletivo. O atendimento ao particular se tornou prioritário. No entanto, há uma mudança desse paradigma ao final do contexto moderno. A pluralidade tornou-se algo que não se poderia negligenciar. Uma pluralidade muitas vezes estranha, por tentar incluir, singularizar, tornar homogêneo, os indivíduos e não garantir a aceitação da hetereogeneidade para a inclusão. O pensamento de Hannah Arendt procura explicitar tal fenômeno e apresentar uma ação que inclui, uma ação verdadeiramente universal. Porém, para chegar a tal afirmação é necessário realizar uma pequena apresentação das condições humanas (labor, trabalho e a ação), também frutos do pensamento filosófico da autora.

A começar pela “primeira” condição : o labor. O labor é oprocesso biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. A condição do labor é a própria vida - aquilo que o homem possui por natureza. O labor está relacionado diretamente com a sobrevivência; atividades básicas do ser humano enquanto ser naturalmente biológico com vistas a satisfazer suas necessidades mais vitais.

            Diferente do labor, o trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, ou seja, é a atividade de transformar coisas naturais em coisas artificias. Para a autora é um processo cultural da sociedade em que é imposto ao ser humano. E a partir daí ele passa a ser condicionado pelo produto de seu trabalho. O homem se torna dependente daquilo que produz e torna-se dependente e condicionado. Assim o nome do livro torna-se também mais compreensivo “A condição humana”: quais as condições que o homem se submete/impõe para viver em sociedade.

             A ação ,terceiro e último estágio  de A Vita Activa, Arendt indica como sendo o ponto em que o ser humano transcende de sua condição de “trabalhador”  para se impor como cidadão, usando, necessariamente, o discuro/palavra para tal. O discurso é, para a ação, pressuposto básico, sem o qual ela não pode se efetivar; sendo que ao falar em discurso ela não se prende ao universo das ‘palavras’ em si – ação de comunicar-se com outrem – para ela essa noção do discurso vai além. Na ação o discurso é o sujeito, aqui ele não desempenha papel secundário, como meio de comunicação ou mero acompanhamento de algo que poderia ser feito em silêncio. Esse discurso é necessário para a pluralidade que o ser humano está inserido no mundo contemporâneo.

             A pluralidade tem duas dimensões: a igualdade e a diferença. A primeira diz respeito a sermos iguais naturalmente, isto é, ser humano e estarmos ligados pela mesma natureza o que faz com que nos compreendamos, bem como a nossos ancestrais e assim fazer planos para o futuro e prever as necesidades das gerações futuras. A diferença – ‘cada homem é singular, de sorte que, cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo’ (Arendt, 191) – é justamente o que faz necessário o discurso, pois se todos os homens fossem iguais não haveria a necessidade de um mecanismo para se fazerem entender.

            Dessa forma o discurso é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, a convivência de indivíduos distintos e singulares entre iguais. O discurso é a forma pela qual o homem exterioriza quem ele é. A ação e o discurso são os modos pelos quais os homens se manisfestam uns aos outros enquanto homens. É a forma pelo qual nos inserimos no mundo humano, corresponde, para a autora, como um segundo nascimento por meio do qual confirmamos e assumimos o fato original e singular de nosso nascimento. Através do discurso os homens mostram quem são, revelam suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano; por isso que para Arendt o discurso vai além do simples troca de informações.

            O ato do agente revelar-se no discurso é essencial para que se tenha a ação, senão teríamos apenas um feito como outro qualquer. Passaria a ser apenas um meio para atingir um fim. Ou seja, a ação, como é para a Aristóteles , seria como uma fabricação e o seu resultado -  a relação entre homens – a obra. O que resultaria na inutilização da ação e de seu verdadeiro resultado, a relação que ela deveria ter estabelecido. Isto por que o valor da ação está no seu prório desempenhar, e não em atingir um resultado. Isso só é possível por que estamos em convivência e não em uma relação em que estamos ‘pró’ algo ou ‘contra’ algo, como ocorre durante a guerra, como cita Arendt, em que não se tem de fato um discurso, mas tão somente conversas, apenas mais um meio de alçancar um fim. Nessas circusntâncias as palavras não revelam nada, não desvendam o ‘quem’, a identidade única e distinta do agente. 

            Assim Arendt conclui que a esfera política resulta diretamente da ação em conjunto, que  com a criação do homem veio ao mundo o próprio preceito de início e consequentemente o preceito de liberdade foi criado ao mesmo tempo, e não antes, que o homem. A polis, segundo Arendt, é a organização da comunidade que resulta do agir e falar em conjunto. A ação política nunca se realiza no isolamento, sempre é uma ação em conjunto, configurando um acordo entre iguais. Dessa forma, por mais que o início seja obra de um único indivíduo, há a necessidade de "outros" para que a ação seja concluída. A liberdade não era obtida no relacionamento do eu consigo mesmo, mas sim na interação com seus semelhantes, pressupondo tanto a presença de outros, quanto a existência de um espaço público organizado que permitiria a todos os homens livres aparecer, isto é, agir.

 

4. Teoria da Ação e os direitos das minorias

A filosofia política de Hannah Arendt pode ser conectada ao direito, principalmente no que se refere aos direitos das minorias, que nos remete aos direitos humanos. Esta seção buscará associar a teoria da ação de Hannah Arendt aos direitos humanos, focando especialmente no direito das minorias.

Primeiramente, deve-se destacar nesta relação que um indivíduo sozinho, excluído da teia de relações humanas, fica destituído da própria dignidade humana, justamente porque nada do que ele faça ou deixe de fazer terá importância. Os atos deste indivíduo não atingirão o resto da comunidade e passarão como se não tivessem existido. Desse modo, este indivíduo fica despido da relevância da fala, característica que distingue os seres humanos dos demais animais; assim como, fica despido também das relações com outras pessoas, o que afeta a ideia do homem como “animal político”, termo utilizado por Aristóteles.

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Para falar em direitos humanos, não se pode esquecer, obviamente, de falar da dignidade humana. Nesse sentido, é preciso lembrar que a ação constitui atividade dignificadora do ser humano, sendo política em sua natureza, já que é a interação peculiar do ser humano concreto e singular com outros homens tão concretos e diversos quanto existem em uma comunidade real. É precisamente a característica política da ação que faz com que cada indivíduo, concreto e singular, emane dignidade; porque a ação, com essa caracterização política, torna o indivíduo único. Desse modo, os direitos humanos, que devem ser reflexo da dignidade do homem, se forem pensados de forma independente da pluralidade humana, perdem o próprio sentido de dignidade.

Percebe-se, portanto, que há uma contradição entre os direitos humanos (conforme pensados desde o século XVIII) e a condição humana da pluralidade, e consequentemente, contradição também com dignidade humana. Essa contradição pode ser verificada, muitas vezes, no caso dos excluídos das comunidades, por exemplo, dos apátridas e das minorias étnicas que vive sob um Estado-nação de uma etnia diferente. Os direitos humanos, que deveriam iluminar a dignidade do indivíduo e afirmar seu valor onde quer que estivesse, muitas vezes não chegam a esses grupos.

Se não houver garantias fundamentais para os seres humanos, ou seja, se os direitos humanos inexistirem em determinada comunidade ou sociedade, as minorias sofrerão uma privação total de direitos porque foram excluídas da teia das relações humanas que afirma e deveria assegurar tais direitos. Se essas minorias estão sozinhas e isoladas, os direitos humanos não lhes atinge.

Tomemos como exemplo o caso dos operários durante a Revolução Industrial, que não possuíam direitos trabalhistas e nem direito de voto, já que não possuíam propriedade. Eles não eram cidadãos, portanto, eles perderam a possibilidade de agir e, assim, não podiam ser responsabilizados pelo que lhes acontecia, porque não haviam sido eles que haviam posto em movimento o que estava acontecendo, nem havia nada que pudessem fazer para evitá-lo. A falta dessa responsabilidade marca precisamente a falta de dignidade dessa situação. Por serem impedidos de agir, eles se tornaram meros objetos, vítimas de acontecimentos dos quais não conseguiam fazer parte como sujeitos, como agentes. Se a ação, que dignifica o homem, traz consigo responsabilidade daquele que age, a falta dessa responsabilidade implica a inexistência da ação, porque perde seu significado de revelação.

A ação não pode ser separada de uma comunidade política, assim como o agente não pode ser separado de sua responsabilidade. Assim, a dignidade humana, do mesmo modo que os direitos humanos, torna-se questão de prática política; isto é, torna-se a construção de uma comunidade que engloba a totalidade dos seres humanos e permite, com isso, a possibilidade de ação de cada um de seus componentes. Desse modo, também tem de ser construída uma ligação entre todos os seres humanos, além da conexão vã de pertencerem todos a mesma espécie, também tem de ser construída. Esta ligação deve ser a igualdade política e não a igualdade natural.

5. A Concretização de uma Emancipação

A questão então é pautada no incluir todos os indivíduos considerados desiguais para que a sociedade “igualitária” se desenvolva. Uma sociedade plural onde todos conseguem conviver de forma harmônica, isto é, realiza-se uma construção de um mundo devido à inclusão de todos os indivíduos. Mas, como se dá essa inclusão por meio de uma ação que Arendt vem propondo? Como realizar o discurso que a Arendt vem abordando como característica essencial do ser humano?

A ação apresentada encontra uma concretização em um discurso, um agir, proposta por outro filósofo cujas ideias inspiraram Arendt. Habermas, em seu livro Direito e Democracia: entre facticidade e validade, propõe a formação de uma nova ação. Uma ação pautada em um pensar no outro, um pensar intersubjetivo. Aparece então a marca essencial do filósofo. Essa relação intersubjetiva dá originalidade e fornece uma das saídas, buscadas por vários pensadores, para fugir do perigo da uniformidade.

Ideia central do livro de Habermas é a teoria do agir comunicativo. A linguagem, para ele, é essencial para o desenvolvimento da teoria pelo fato dela estabelecer uma relação entre duas pessoas. Foge, portanto, ao pensamento weberiano puro e simplesmente subjetivo. Uma relação que se faz mister em uma sociedade plural. Porém, dentro dessa mesma situação onde o indivíduo pensa o outro, não se dá apenas por um falar e ouvir. Deve-se existir uma intercompreensão. Pois, simples atos de fala não concebem uma modificação do mundo. Uma construção que é inerente ao aspecto social atual.

No pensamento habermasiano, deixa claro uma necessidade de um respeito mútuo dentro do diálogo. A questão de compreender o outro se dá nessa discussão de respeito. A exigência desse quesito se dá pelo fato de existir esse mundo plural. Na esteira da teoria de Arendt, por mais que tentem, não há como uniformizar, singularizar, todos os indivíduos presentes no mundo de forma concreta e pura. Em sua integridade substancial, o ser humano difere de tudo e de todos. No entanto, há ferramentas que surgem em um sistema, talvez mais que um simples capitalismo, que força a todos se desenvolverem como uma massa homogênea, mesmo não possuindo de fato essa característica “igualitária”. Forçar os indivíduos a se manterem constantemente presos ao trabalho e impossibilitados de agirem.

O Direito está inserido nessa perspectiva de universalizar a sociedade. As normas jurídicas, hodiernamente, são criadas longe de serem realmente validadas por esse contexto do agir comunicativo. O ordenamento jurídico atual é um instrumento de uniformização dos indivíduos no mundo complexo vigente. Uma falsa visão de integrar a sociedade é estabelecida de forma que perdemos a condição essencial de existência: a própria ação humana. O ser humano vive em constante trabalho, pois deixa de praticar a ação, praticar sua dignidade humana, efetivamente falando, torna-se, em outras palavras, em uma máquina. Contudo, essa mesma ferramenta de “integração” é, por excelência como fora reiterado por Habermas, um instrumento de emancipação do ser humano.

O aparelho cujo método de integração apresenta-se mais eficiente é o próprio Direito. Busca-se uma emancipação, uma aceitação do diferente. Por meio do agir comunicativo, as minorias, até então excluídas da sociedade, não são marginalizadas como se é realizado atualmente. A teoria de Habermas propõe esse respeito entre indivíduos que precisam ser diferentes e, através da intercompreensão, pode-se validar um ordenamento jurídico eficiente em termos universais de fato. Não somente validar, como se cria a possibilidade de originar normas. Normas estas que estão objetivando a não uma coerção imposta ao indivíduo para que se adeque a sociedade, mas normas que atendam os anseios sociais.

6. Conclusão

A necessidade de uma interação intersubjetiva se faz presente não só nos tempos atuais como, a ver o pensamento de Aristóteles, em tempos anteriores ao contemporâneo. Na Idade Clássica, assim como hodiernamente, existia a deliberação para a formação da sociedade em si. No entanto, percebem-se certos aspectos que diferenciam de fato as épocas.

Em um primeiro momento, a deliberação formada entre indivíduos realiza uma elaboração da sociedade que apresentava características de exclusão social. A exemplo de que escravos e estrangeiros, mesmo residentes na cidade-Estado, não participavam dessas discussões. A ideia de igualdade, portanto, prevalecia apenas entre os cidadãos. Uma igualdade que não prevalece, de fato, seja no campo econômico, seja muito menos no campo político.  Contudo, demonstrava, sim, essa característica de semelhança entre iguais, mesmo que uma semelhança excludente para com os demais grupos sociais.

O pensamento moderno tende a quebrar esse paradigma, onde o dito coletivo prevalecia, ao destacar a importância do indivíduo em si, o particular. O coletivo perde esse caráter de predominância, pois há uma aceitação de que os indivíduos são por si diferentes. Liberalismo se torna o marco essencial para esse período. Porém, fica claro que os modernos pecaram ao não dar relevância ao social. O mundo tornou-se bastante complexo. A sociedade não pode mais focar simplesmente no indivíduo, mas também deve dar crédito ao social sem esquecer o particular.

Hannah Arendt apresenta sua teoria da ação, inspirada na teoria do agir comunicativo de Habermas. Onde o discurso, campo de respeito mútuo para com o próximo, é o tema central para um mundo complexo atual. O ser humano transcende as outras condições humanas, o labor e o trabalho, para se apresentar movido pela ação. Uma ação que dignifica o homem, o faz nascer novamente. Característica importante essa apresentada, não só por Arendt, mas por diversos filósofos, por ser uma das possíveis saídas para a formação do mundo atual.

Procura-se, então, uma formação de uma pluralidade. Há uma evasão quanto à formação de uma uniformidade dos indivíduos. Uniformidade esta que se baseia na construção de um mundo homogêneo, onde o ser humano perde a dignificação de si mesmo, perde a capacidade de agir. O perigo dessa “singularização” é a não possibilidade de que o ser  humano atue na construção do mundo, ou pelo menos não há uma verdadeira atuação de todos os grupos sociais.

A ideia de que uma sociedade onde o diferente é aceito e que o diálogo entre os grupos sociais dentro da sociedade, são os objetivos buscados no mundo contemporâneo. Para a realização de tais metas, é mister a utilização de um instrumento realizador de tal procedimento. O Direito, então, entra como ferramenta de grande potencial de incluir os outros, de transformação mundana. Não só devido pela capacidade de mudança, mas devido a garantia de uma validade dos discursos. Os próprios direitos humanos, como a própria Arendt afirma, são construídos, ou devem ser, por meio desse discurso, agir comunicativo de Habermas.

Ou seja, dentro do âmbito jurídico, o ser humano destaca-se devido a sua grande amplitude em agir. O Direito, como dito acima, como instrumento de modificação é movido pela própria sociedade. Não mais se exige um papel exclusivo do Estado na formação das leis, pois neste último não há o discurso propriamente dito, não há um pensar propriamente nos outros. A própria ação estatal, quando exclusiva, não dignifica o ser humano, mas sim singulariza.

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