Delegado de polícia pode apurar fato criminoso ocorrido em unidade da federação diversa de sua área de atribuição?

30/05/2014 às 10:42
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Conforme a exegese das leis, da doutrina e da aplicação da jurisprudência dominante, o Delegado de Polícia pode investigar fato ocorrido em outra Unidade da Federação, principalmente se repercutiu na circunscrição de sua atribuição .

DELEGADO DE POLÍCIA PODE APURAR FATO CRIMINOSO OCORRIDO EM UNIDADE DA FEDERAÇAÕ DIVERSA DE SUA ÁREA DE ATRIBUIÇÃO?

 

 

Muito embora o tema em questão já tenha sido alvo de discussões no âmbito dos nossos tribunais, especialmente no que tange às decisões jurisprudenciais, convém – a meu ver – fazer algumas considerações a respeito, até porque, de quando em vez, suscita alguns debates no contexto policial.

Essas altercações decorrem da interpretação feita, por alguns, aos art. 4º e 22 do Código de Processo Brasileiro. Eis, então, os seus teores, in verbis:

Art. 4º - A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995). (negritei)

 

Art. 22.  No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição. (negritei)

            Uma análise despretensiosa dos dispositivos legais supra, pode acarretar o entendimento de que a autuação da Polícia Judiciária estaria tão somente adstrita ao território de suas respectivas circunscrições, dando a entender, prima facie, não ser possível o Delegado de Polícia investigar – através de Inquérito Policial - evento criminoso ocorrido em unidade da federação distinta, por imaginar sê-lo “incompetente”.

            No meu sentir, data vênia entendimento em contrário, a dúvida surge devido à expressão circunscrição, que nada mais é que a área (territorial) de autuação do Delegado de Polícia, definida pelas instituições policiais e que visa à conveniência do trabalho policial.

            De outro norte, em que pese o parágrafo único do artigo 4º do CP ainda contenha - de forma equivocada - o termo competência, não há se falar desta em relação ao Delegado de Polícia, mas sim em atribuição.

            Destarte, inexiste Delegado de Polícia “incompetente” para apurar evento criminoso que, de uma forma ou de outra, chegue ao seu conhecimento, principalmente quando há repercussão na sua área de atribuição. Pois, NÃO HÁ DELEGADO NATURAL.

             Não é demais salientar que, em sede de investigação policial,  não se deve questionar sobre a (in) competência RATIONE LOCI, que é firmada, em regra, pelo local em que se consumar o delito, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução (artigo 70, caput, do CPP), ou, então, em determinadas situações, pelo local do domicílio ou residência do autor.

            A divisão em circunscrições é meramente por questões administrativas para melhor setorização geográfica, o que torna mais eficaz o gerenciamento dos órgãos policiais.

            Urge salientar que a Carta Magna em seu art. 5º, inciso LIII, reza que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, mas nada tem a ver com o Delegado de Polícia,  já que não tem a incumbência, no seu labor,  de processar ou sentenciar alguém, até mesmo porque inquérito policial não é processo, portanto, para aquele não valem as regras de competência jurisdicional.

            Nesse diapasão, é o julgado adiante disposto, in verbis:

HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. "INCOMPETÊNCIA RATIONE LOCI". INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. Pedido de anulação do inquérito policial e, consequentemente, a ação penal por "incompetência" da autoridade policial, haja vista que os fatos ocorreram em circunscrição diversa do local em que foi instaurado 2. As atribuições no âmbito da polícia judiciária não se submetem aos mesmos rigores previstos para a divisão de competência, haja vista que a autoridade policial pode empreender diligências em circunscrição diversa, independentemente da expedição de precatória e requisição. 3. O entendimento desta Corte é pacífico no sentido de que eventuais nulidades ocorridas no curso do inquérito policial não contaminam a subsequente ação penal. 4. Ordem denegada. (HC 44.154/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, STJ, 27.03.06).

            Como visto, as investigações policiais não se submetem aos mesmos rigores definidos para a repartição de competência, portando, não há mácula o inquérito policial instaurado por determinado Delegado de Policia para apurar ilícito penal ocorrido em outra circunscrição (Unidade da Federação), e que tenha disseminação na qual é responsável, uma vez que o mesmo (IP) se trata de peça de informação, segundo entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência pátria.

            Nessa mesma linha de construção, são merecedoras de um zoom as decisões adiante, in verbis:

HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. "INCOMPETÊNCIA RATIONE LOCI". INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. Pedido de anulação do inquérito policial e, conseqüentemente, a ação penal por "incompetência" da autoridade policial, haja vista que os fatos ocorreram em circunscrição diversa do local em que foi instaurado. 2. As atribuições no âmbito da polícia judiciária não se submetem aos mesmos rigores previstos para a divisão de competência, haja vista que a autoridade policial pode empreender diligências em circunscrição diversa, independentemente da expedição de precatória e requisição. 3. O entendimento desta Corte é pacífico no sentido de que eventuais nulidades ocorridas no curso do inquérito policial não contaminam a subseqüente ação penal. 4. Ordem denegada. (HC 200500811093, HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, STJ - SEXTA TURMA, 27/03/2006). (negritei)

'HABEAS CORPUS'. INQUERITO POLICIAL. CRIMES PRATICADOS EM SOCIEDADE CIVIL COM REPERCUSSAO POSSIVEL SOBRE A UNIÃO. INQUERITO EM CURSO NA POLICIA FEDERAL. O STF JA DECIDIU QUE A REGRA DO ART. 4. DO CPP NÃO AFASTA SEQUER A ATUAÇÃO DE AUTORIDADE POLICIAL EM CIRCUNSCRIÇÕES DISTINTAS, SE O CRIME COMETIDO EM UMA REPERCUTE NA OUTRA. CRIMES COM REPERCUSSAO NA ORBITA FEDERAL. ASSIM NÃO FOSSE, A AUSÊNCIA DE PREJUIZO PARA O RÉU EXCLUIRIA A NULIDADE DO INQUERITO, POIS A COMPETÊNCIA NÃO SE DETERMINA NA FASE INQUISITORIA. ORDEM INDEFERIDA. (STF - HC: 66574 RJ , Relator: FRANCISCO REZEK, Data de Julgamento: 17/11/1988, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 17-11-1989 PP-17186 EMENT VOL-01563-01 PP-00111). (negritei)

HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO EM UNIDADE DA FEDERAÇÃO DIVERSA DAQUELA ONDE OCORRIDO O FATO EM APURAÇÃO. TRANCAMENTO. 1. Não há impedimento que a autoridade policial de determinada unidade federativa promova investigações, mediante instauração de inquérito, acerca de fatos ocorridos em outra circunscrição, mas que tenham repercutido naquela de sua competência. 2. O procedimento investigatório instaurado nestas circunstâncias, visando apenas o registro de dados e informações para "eventual configuração de ilícito penal" não representa constrangimento e seu trancamento apenas terá lugar quando, sem qualquer dúvida, despontar não haver infração penal, ainda que em tese, ou que as pessoas envolvidas são completamente alheias aos fatos em apuração. 3. Precedentes do STF e do STJ. 4. Ordem denegada. (STJ - HC 9958 / GO - 16/09/1999 - Min. FERNANDO GONÇALVES - SEXTA TURMA). (negritei)

Não é despiciendo lembrar que, em se tratando de prisão em flagrante, não há também nenhuma nódoa no auto lavrado em local diverso donde ocorreu a prisão. Esse é o entendimento da jurisprudência dominante,  como se vê nos julgados adiante, in verbis:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE LAVRADO EM LOCAL DIVERSO DA PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. PRISÃO PREVENTIVA. I - A lavratura do auto de prisão em flagrante realizado em local diverso daquele onde foi efetuada a prisão não acarreta nulidade, porquanto a autoridade policial não exerce função jurisdicional, mas tão-somente administrativa, inexistindo, desta forma, razão para se falar em incompetência ratione loci. (Precedentes). II - Encerrada a instrução criminal, já encontrando-se o feito em fase de alegações finais, fica, por ora, superado o pretenso constrangimento por excesso de prazo (cf. Súmula nº 52-STJ). III - Demonstrando o magistrado de forma efetiva a circunstância concreta ensejadora da custódia cautelar, consistente na possibilidade de a quadrilha em que, supostamente se inserem os pacientes, vir a cometer novos delitos, resta suficientemente justificada e fundamentada a imposição do encarceramento provisório como forma de garantir a ordem pública. Ordem denegada.  (STJ - HC: 30236 RJ 2003/0157862-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 17/02/2004, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 22/03/2004 p. 335) (negretei)

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A lavratura de auto de prisão em flagrante em local diverso daquele onde foi efetuada a prisão nada tem de ilegal. Policial não exerce função jurisdicional (RSTJ 59/97). No mesmo sentido RT 376/332, 531/364, 535/393, 542/315, 559/332, 562/297, 585/37, 649/268, 658/292, 733/651. (negretei)

De igual modo, não há nenhum prejuízo –  no caso de perseguição do infrator – que a autoridade policial do local em que ocorreu a prisão proceda à lavratura do auto de prisão em flagrante, remetendo-o para o Juiz de Direito da Comarca para que seja analisado se tudo ocorreu dentro da legalidade. Ressalte-se que, somente depois dessa análise, é que o preso e os autos serão remetidos ao  Juízo competente, qual seja: o da Comarca originária.  É o que se extrai da exegese do art. 290 do Código de Processo Penal. Veja-se o seu teor, in verbis:

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso. (negritei).

Impende gizar, de outra banda, que é de bom senso, sempre que ocorrerem investigações ou perseguições policiais, cujos desdobramentos alcance outras circunscrições ou Unidades da Federação distintas, que a autoridade policial e seus agentes comuniquem à autoridade policial ou Judicial local a respeito de que pretendem ou já estão realizando diligências, a fim de evitar situações desagradáveis entre as instituições. Ademais, com essa ciência, as autoridades locais poderão auxiliar – por conhecerem a área - com informações para o sucesso do trabalho policial.

Diante do que foi explanado, concessa maxima vênia, é possível fazer as seguintes conclusões: primeira, em resposta a indagação contida no título deste artigo, que o Delegado de Polícia, dependendo do caso em concreto, pode investigar fato ocorrido em outra Unidade da Federação, principalmente se repercutiu na circunscrição de sua atribuição; segunda, que não existe Delegado de Polícia “incompetente”, muito menos DELEGADO NATURAL, haja vista que ele não se submete as regras da competência jurisdicional; terceira, que, como já é ressabido, o Inquérito Policial não é processo, não valendo para o mesmo as já referidas regras; quarta, que o campo de atuação Delegado de Polícia transcende a área geográfica da circunscrição de sua atribuição, porém, deve sempre agir com as cautelas devidas; quinta, não há mácula o inquérito policial instaurado por determinado Delegado de Policia para apurar ilícito penal ocorrido em outra circunscrição (Unidade da Federação); e sexta, que o Delegado de Polícia, sem que paire qualquer dúvida, pode exercer seu mister (investigar) na situação ora abordada, uma vez que lhe é permitido, conforme a exegese das leis, da doutrina e da aplicação da jurisprudência dominante.

Sendo assim, “mão na massa” Senhores Delegados de Polícia, contudo, não se pode olvidar que bom senso e a cautela devem ser usados sem parcimonia.    

Sobre o autor
Manoel Alves da Silva

Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade de Tecnologia de Alagoas (FAT). Graduado em Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas de Maceió (CESMAC). Integrante da Polícia Civil do Estado de Alagoas com vasta experiência em prática cartorária. Atualmente exerce as funções de Chefe de Cartório da Delegacia Geral da Polícia de Alagoas (DGPC). Articulista colaborador do Jus Navigandi.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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