A Emenda Constitucional nº 66/2010 e o instituto jurídico da separação judicial

02/06/2014 às 16:09
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Com o processo de separação judicial apenas desaparece a sociedade conjugal, terminando os deveres de fidelidade recíproca, coabitação e o regime de bens, permanecendo o óbice de convolar novas núpcias.

INTRODUÇÃO

O casamento gera efeitos que refletem nas relações pessoais e econômicas entre os consortes, no ambiente social, e nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, acarretando a origem de direitos e deveres que são disciplinados por normas jurídicas.

Com isso há de se questionar, se por um lado a separação judicial parece corresponder a um instituto anacrônico, devemos analisar se a sua retirada traz efeitos práticos tão reveladores como se deseja.                                                               

Considerando que a Emenda Constitucional nº 66/2010 apenas desconstitucionalizou a matéria da dissolução do vínculo matrimonial, conservando-se vigentes os prazos, procedimentos e requisitos estabelecidos pelo Código Civil de 2002, pois manteve a palavra “pode” em seu texto, a referida Emenda constitui norma meramente declaratória, continuando a depender da regulação infraconstitucional por não possuir poder mandamental.

Assim, o principal objetivo do presente trabalho é verificar qual mudança ocorreu com a Emenda Constitucional nº66/10 em relação à dissolução da entidade familiar no âmbito jurídico brasileiro em especial verificar sobre a extinção ou não da figura da separação judicial visto que no bojo do texto constitucional foi mantida a palavra “pode”, e quais efeitos da sua extinção ou sua mantença.

Desta forma, ficará demonstrado através do presente artigo como ficou e qual é a importância da separação judicial com a Emenda Constitucional nº. 66, promulgada em 13 de julho de 2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º da CF e suprimiu o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou a exigência da separação de fato por mais de dois anos para a decretação do divórcio. Sendo assim, veremos se é cabível que um casal contraia matrimônio em um dia e se divorcie no dia seguinte (ou até mesmo nas horas seguintes).

É consenso entre os doutrinadores que já se manifestaram a respeito da Emenda Constitucional nº 66 que não mais existem separação judicial e separação extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, de acordo com Rodrigo da Cunha Pereira:

É possível que haja resistência de alguns em entender que a separação judicial foi extinta de nossa organização jurídica. Mas, para estas possíveis resistências, basta lembrar os mais elementares preceitos que sustentam a ciência jurídica: a interpretação da norma deve estar contextualizada, inclusive historicamente. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial ao divórcio por conversão. Qual seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial se ela não pode mais ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para a sua manutenção. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do art. 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência. (PEREIRA, 2010, p.128)

As formas de interpretação histórica, sistemática e teleológica da norma são utilizados como fundamento para a abolição da separação judicial e da separação extrajudicial do ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, a não discussão da culpa na dissolução do vínculo conjugal é colocada como uma das conquistas obtidas com a eliminação da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro.

É possível concluir que a Emenda Constitucional nº 66/10 aboliu qualquer tipo de separação (judicial, extrajudicial ou de fato), como requisito obrigatório para o divórcio. Os cônjuges em conjunto, ou qualquer um deles separadamente, com arrimo tão somente na autonomia privada, podem solicitar o divórcio. 

Entretanto, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 66/10 não revogou, expressa ou tacitamente (e nem o faria), as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil que permitem os requerimentos da separação judicial consensual ou litigiosa e de lavratura de escritura pública de separação extrajudicial, defende-se que os cônjuges, caso queiram, podem ainda pedir a separação judicial ou extrajudicial com o intuito de se colocar fim à sociedade conjugal sem, no entanto, extinguir o casamento.

Por fim, através da interpretação da legislação existente acerca do divórcio e da separação judicial, o presente artigo demonstrará os efeitos da alteração da redação constitucional originária e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais provenientes dessa mudança.

 

2 - A SEPARAÇÃO – ANTES DA EC 66/2010

A separação judicial é uma medida preparatória para o divórcio e tem o condão de apenas dissipar a sociedade conjugal, mantendo o vínculo matrimonial, o que impede novo casamento.

Por este ensejo, necessário se faz, antes de aprofundar no mérito da discussão, apresentar a diferença entre dissolução do vínculo conjugal e da sociedade conjugal, para melhor compreensão do tema.

Pereira (2004, p. 249) assim esclarece: “A extinção da sociedade conjugal não pressupõe o desfecho do vínculo matrimonial; ela põe termo às relações do casamento, mas mantém intacto o vínculo, o que impede os cônjuges de contrair novas núpcias”.

E ainda, Diniz (2004, p. 230): “Percebe-se que pode haver dissolução da sociedade conjugal sem a do vínculo matrimonial, mas todo rompimento do vínculo acarreta, obrigatoriamente, o da sociedade conjugal”.

Ou seja, com o processo de separação judicial apenas se extingue a sociedade conjugal, terminando os deveres de fidelidade recíproca, coabitação e o regime de bens, permanecendo o óbice de contrair novas núpcias, o que será possível apenas com a dissolução do vínculo conjugal.

De acordo com o vigente Código Civil, duas são as formas de separação judicial: Consensual e Litigiosa.

A separação consensual, conhecida também como amigável ou por mútuo consentimento ocorre quando os cônjuges, de comum acordo, decidem dar fim a sociedade conjugal.

O procedimento judicial da separação judicial está disposto no Código de Processo Civil (CPC), nos arts. 1.120 a 1.124-A, devendo o mesmo ser observado, sob pena de nulidade.

Oportuno citar o art. 1.574 do CC: “Dar-se-à a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a conversão”, que faz concluir que o único requisito para concessão da separação judicial consensual, além do mútuo consentimento é que os separandos estejam casados por mais de um ano.

Conclui-se que nesta forma de separação não há a necessidade de demonstrar os motivos que levaram o casal a querer se separar, sendo necessário apenas à duração de um ano do casamento e o mútuo consentimento, conforme já dito.

Cumpre frisar que, conforme exposto acima, a separação consensual poderá ser realizada via administrativa, desde que não haja filhos menores ou incapazes.

Já a separação judicial litigiosa ocorre quando apenas um dos cônjuges formula o pedido, imputando ao outro grave violação dos deveres conjugais ou a insuportabilidade da vida em comum, é o que dispõe o art. 1.572 do CC.

Diniz (2004, p. 268) aduz: “Permite o art. 1.572 do Código Civil a separação judicial a pedido de um dos cônjuges, mediante processo contencioso, qualquer que seja o tempo de casamento, estando presentes hipóteses legais, que tornam insuportável a vida em comum”.

A doutrina criou três espécies de separação litigiosa, quais sejam: separação falência, separação sanção e separação remédio.

A separação falência se é quando um dos cônjuges comprova a ruptura da vida em comum há mais de um ano, conforme disciplina o art. 1.572, § 1º do Código Civil.

Diniz (2004, p. 275) explica que a separação litigiosa como falência:

[…] se efetivava quando qualquer dos cônjuges provasse a ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição, não importando a razão de sua ruptura, sendo, ainda, irrelevante saber qual dos consortes foi culpado pela separação, legalizando tão-somente uma separação de fato.

A separação sanção ocorre quando há ocorrência de conduta culposa, encontrando-se prevista no art. 1.572 do CC, “qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”.

Nessa linha de raciocínio, Diniz (2004, p. 169) afirma que a separação litigiosa como sanção “se dá quando um dos consortes imputar ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres matrimoniais e torne insuportável a vida em comum”.

Vale ressaltar que o art. 1.573 do CC, dispõe alguns motivos que podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida, quais sejam: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono do lar conjugal, condenação por crime infamante e conduta desonrosa, podendo o juiz considerar outras situações que tornem insuportável a vida em comum.

E por último, a separação remédio que se dá quando o outro cônjuge estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, sendo improvável a sua cura e que possua mais de dois anos de duração (art. 1.572, § 2º do CC).

Com relação aos efeitos da separação, destaca-se como principal a dissolução da sociedade conjugal a partir do trânsito em julgado da sentença que a julgou (separação litigiosa) ou homologou (separação consensual), além do mais os efeitos da separação judicial irão incidir não apenas sobre a pessoa do cônjuge, mas também na pessoa dos filhos e em relação aos bens.

Em relação aos efeitos da separação judicial em relação aos cônjuges, Diniz (2004, p. 282-283) explicita os principais efeitos:

1) Pôr termo aos deveres recíprocos do casamento, coabitação, fidelidade e assistência imaterial (CC, art. 1.576), separando, materialmente, os consortes que, em conseqüência, deixam de residir na mesma casa (CC, art. 1.575, 1ª parte), readquirindo os ex-cônjuges o direito de fixarem sozinhos seu domicílio;

2) Impedir o cônjuge de continuar a usar o nome do outro, se declarado culpado pela separação litigiosa [...], caso em que voltará a usar o sobrenome de solteiro, desde que isso seja expressamente requerido pelo vencedor e não se configurem os casos do art. 1.578, I a III, do Código Civil [...];

3) Impossibilitar a realização de novas núpcias, pois a separação judicial é relativa, já que não dissolve o vínculo. Há impedimento matrimonial, uma vez que o separado não pode casar, por ser pessoa já casada (CC, art. 1.521, VI);

4) Autorizar a conversão em divórcio, cumprido um ano do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial [...], ou da decisão concessiva da medida cautelar da separação de corpos [...];

5) Proibir que a sentença que decretar ou homologar a separação judicial de empresário e o ato de reconciliação sejam opostos a terceiros, antes arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis (CC, art. 980).

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 A separação judicial produz efeitos também com relação aos filhos, em especial no tocante a guarda destes, a qual será disciplinada livremente se for o caso de separação consensual, ou em se tratando de separação litigiosa, será conferida àquele que apresentar melhores condições de exercê-la. Além do mais, é perfeitamente aceitável que a guarda seja compartilhada. Ainda com relação à guarda dos filhos, será assegurado ao genitor que não possua esta, o direito a visitas.

Outro efeito da separação judicial perante os filhos é o dever dos genitores de garantir aos filhos menores e aos maiores inválidos o sustento, mediante o pagamento de pensão alimentícia.

No tocante aos efeitos com relação aos bens, tem-se como principal a extinção do regime de bens estabelecido pelos cônjuges, acarretando a liquidação e partilha do patrimônio comum, devendo ser observado o regime de bens adotado pelo casal.

3 - A SEPARAÇÃO – APÓS A EC 66/2010

 

A Emenda Constitucional aprovada não extinguiu com a noção de sociedade conjugal que permanece intacta no sistema. Ao se casar, surgem a sociedade conjugal e o vínculo. Entretanto, se antes era possível findar com a sociedade, mas manter-se o vínculo, atualmente, a sociedade conjugal e o vínculo terminam simultaneamente com o divórcio.

 A EC não altera o conceito ou a existência de uma sociedade conjugal, mas muda apenas a forma de sua extinção.

Apesar de considerar excluído da Constituição Federal o instituto da separação, Dimas Messias de Carvalho considerou:

Conforme ressaltado, a Constituição Federal excluiu a separação jurídica do ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, não pode ser ignorado que a interpretação literal da EC 66/2010 possibilite entendimento diverso, sob o argumento de que ela não vedou expressamente a separação na legislação infraconstitucional, apenas a omitiu, podendo coexistir com o divórcio, de forma independente, como ocorre em outros países.

Diante do presente impasse, existem boas argumentações jurídicas de que a separação judicial e extrajudicial possui guarida em nosso ordenamento jurídico, consistindo o presente instituto em uma faculdade para aqueles que desejam somente a dissolução da sociedade conjugal e não a extinção do casamento pelo divórcio direto.

 Nesta esteira, uma das principais vozes desta parte da doutrina, com grande conhecimento e pioneiro no instituto familiar, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Doutor Luiz Felipe Brasil Santos, membro da 8ª Câmara Cível, disserta da seguinte forma:

(...) a eliminação da referência constitucional aos requisitos para a obtenção do divórcio não significa que aquelas condicionantes tenham sido automaticamente abolidas, mas apenas que, deixando de constar no texto da Constituição, e subsistindo exclusivamente na lei ordinária (Código Civil) – como permaneceram durante 40 anos, entre 1937 e 1977 -, está agora aberta a porta para que esta seja modificada.

Tal modificação é imprescindível e, enquanto não ocorrer, o instituto da separação judicial continua existente, bem como os requisitos para obtenção do divórcio. Tudo porque estão previstos em lei ordinária, que não deixou de ser constitucional. E isso basta!

Contenhamos um pouco, pois nosso entusiasmo com a Emenda Constitucional n° 66/2010. Ela é sem duvida, extremamente importante, mas um próximo e indispensável passo necessita ser dado para que se alcance o objetivo de eliminar os entraves legais ao exercício da liberdade no seio das famílias, extirpando institutos anacrônicos como a separação judicial.

Desta forma, tendo em conta que as disposições sobre a separação judicial no Código Civil não foram expressamente revogadas, sustenta-se, com bons fundamentos jurídicos, que o referido instituto, ainda encontra resguardo no ordenamento jurídico brasileiro.

 Na mesma linha de pensamento, manifestou-se em outro artigo de sua autoria:

Neste passo, é necessário relembrar a distinção entre normas materialmente constitucionais e normas apenas formalmente constitucionais. As primeiras são aquelas que: (1) dispõem sobre a estrutura do Estado, definem a função de seus órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, e fixam o regime político; (2) estabelecem os direitos e garantias fundamentais da pessoa; (3) disciplinam os fins sócio-econômicos do Estado; (4) asseguram a estabilidade constitucional e (5) estatuem regras de aplicação da própria Constituição.   A seu turno, as regras formalmente constitucionais são as que, embora não tenham esse conteúdo, são postas na Constituição por opção política circunstancial do Constituinte. 

É este o caso das atinentes ao casamento e às formas de sua dissolução. Em dado momento da história, por motivos bem identificados, entendeu o legislador ser conveniente levar aqueles dispositivos para a Constituição, embora lá não necessitassem constar. Ultrapassada aquela circunstância histórica, desconstitucionalizou-se o tema.  Tal não significa, porém, que tenha ficado “revogado o direito correspondente” (para usar a expressão de Pontes de Miranda), mas, simplesmente, que doravante será possível a supressão daqueles requisitos pelo legislador infraconstitucional, o que não seria viável sem a modificação ora operada no plano constitucional.

Revogação ocorreria se houvesse manifesta incompatibilidade entre o novo dispositivo constitucional e a legislação ordinária (arts. 1.571 a 1.580 do Código Civil). Não é o que ocorre, porém, como se verá.

Pertinente invocar aqui a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42) que, em seu art. 2º, § 1º, dispõe:

A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior. 

Por dois modos, pois, pode uma lei (ou dispositivo legal) ser revogada pela legislação posterior: (a) de forma expressa ou (b) tácita. Esta última modalidade, a seu turno, desdobra-se em outras duas: (b.1) incompatibilidade entre o dispositivo anterior e o novo e (b.2) quando o novo regramento regular inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.

 No caso em exame, não houve, por evidente, revogação expressa, nem inteira regulação da matéria tratada no Código Civil. Resta, portanto, verificar se há incompatibilidade manifesta entre ambos os regramentos.

Na mesma linha, Sérgio Gischkow Pereira sustenta:

Os equívocos dos entusiastas são dois: a) entender que a separação judicial (e também a extrajudicial) desapareceu; b) afirmar peremptoriamente que as exigências anteriores para o divórcio já foram eliminadas.

(a) A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o Código Civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que o casamento é dissolvido pelo divórcio; ora, a separação não dissolve casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio.

(b) A Constituição, ao nela constar que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, não especifica requisitos, com o que sustentável que continuem regidos pelo Código Civil (não concordo, mas vários assim pensam). As dúvidas se multiplicam em um tema que atinge milhões de pessoas.

O mais recomendável é que de imediato se altere o Código Civil, retirando dele, se for o caso, a separação judicial (e, do Código de Processo, a extrajudicial), eliminando os requisitos de prazo para divórcio e definindo se a discussão de culpa permanece ou não. Não agir assim é provocar grande tumulto e divergências, tendo como resultado muito maior demora nos processos e o risco de futura epidemia de nulidades e carências de ação em milhares deles! O povo merece maior consideração!

Ainda, Euclides de Oliveira se manifesta com esta parte da doutrina:

Entendo apreciáveis os argumentos que justificam esse ponto de vista favorável à subsistência da separação judicial prevista no Código Civil e, pois, igualmente da separação extrajudicial, com ressalvas de não discussão da culpa no processo litigioso e dispensa de prazo do casamento para a separação consensual. Razões justificadoras desse entendimento:

Primeiro, o fato de o texto constitucional reescrito (art. 227, par. 6.) restringir-se à forma de dissolução do casamento, que é o divórcio, sem trazer, sob esse aspecto, maior novidade, pois o texto antigo dizia a mesma coisa, apenas com acréscimos das formas de divórcio e dos prazos necessários (exigências que foram abolidas).

Segundo, porque uma coisa é a dissolução do casamento, outra a dissolução da sociedade conjugal, esta sim determinada pela separação legal; e a Constituição Federal nada refere sobre a dissolução só da sociedade conjugal, regrada no Código Civil, pois limita-se a estabelecer a forma de dissolução do casamento pelo divórcio.

Terceiro argumento, a favor da mantença da separação judicial, é o direito do cônjuge em não querer a extinção do vínculo, não desejar o divórcio e sim, tão somente, uma providência menor, que seria a dissolução da sociedade conjugal pela separação, com a possibilidade adicional de reconciliação e refazimento da mesma sociedade sem as dificuldades rituais de um novo casamento que essa "volta" exige nos casos do divórcio.

(...)Não se nega que o inovador preceito constitucional, ao mencionar a dissolução do casamento pelo divórcio, é autoexecutável e sobrepõe-se ao regramento ordinário das formas de dissolução conjugal, de sorte que facilita a concessão de divórcio independente de conversão de prévia separação das partes ou de prazos certos previstos na lei. Sob esse foco, tem primazia o regramento novo, da norma constitucional, pela supremacia que lhe é inerente no plano jurídico, o que não significa, porém, a revogação tácita de dispositivos outros, que não dizem respeito ao divórcio, mas, somente, à separação como forma de dissolução da sociedade conjugal.

Nessa linha, Romualdo Baptista dos Santos também é partidário deste entendimento:

Todavia, nem todo direito tem que estar estampado na Constituição, de modo que o simples fato de a separação judicial ser retirada do texto constitucional não a extirpa do ordenamento jurídico, assim como a circunstância de a Constituição deixar de enumerar os requisitos para a obtenção do divórcio não quer dizer que tais requisitos, previstos em lei, não tenham mais que ser cumpridos. Apenas para citar um exemplo, o próprio art. 226 da Constituição refere-se ao casamento civil, mas não fixa seus requisitos. Nem por isso deixamos de cumprir as exigências contidas nos arts. 1.511 e seguintes do Código Civil; nem por isso diremos que as disposições do Código, relativas ao casamento, são inconstitucionais.

Conforme citado, da mesma forma que as disposições relativas aos requisitos do casamento civil encontram guarida somente no Código Civil e estas são observadas, o instituto da separação judicial não pode ser banido do ordenamento jurídico pelo simples fato de não constar mais expressamente na Constituição Federal.

 Nesse ínterim, o também Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, da 7ª Câmara Cível, Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em julgamento ao Agravo de Instrumento n. 70039285457, assim decidiu:

Com efeito, a Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática. E não foi além disso.

 Portanto, é forçoso convir que essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial.

Assim, de acordo com esta parte da doutrina, entendimento também adotado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Emenda Constitucional n. 66/2010 em nada alterou a legislação infraconstitucional, ou seja, as disposições contidas no Código Civil referentes ao instituto da separação, limitando-se a retirar do texto constitucional o requisito do lapso temporal para a concessão do divórcio.

 Cumpre frisar que, sem adentrar na discussão sobre a sobrevivência ou não do instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro, o 4º Grupo Cível pacificou o entendimento no Rio Grande do Sul, através do incidente de prevenção/composição de divergência n. 70044573848, quanto à supressão dos requisitos para a decretação do divórcio. Nesse sentido, versou a referida decisão:

Pela entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 66, não há mais necessidade de prévia separação ou decurso de prazo para a decretação do divórcio direto. Precedentes jurisprudenciais da 7ª e da 8ª Câmaras Cíveis deste TJRS. (Uniformização de jurisprudência n. 70044573848, Relator Desembargador Rui Portanova, julgado em 16/09/2011). (grifo nosso).

Desta forma, embora não haja consonância quanto à permanência ou não da separação no sistema jurídico brasileiro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manifestou-se pacificamente, através do referido incidente, afastando os requisitos da necessidade de separação prévia e decurso de prazo para a decretação do divórcio.

 Por fim, João Pedro Paiva e Ana Paula Bittencourt acreditam em uma solução menos radical e mais harmônica, onde o instituto da separação subsiste no ordenamento jurídico como um instrumento favorável aos cônjuges inseguros. Nesse sentido, os referidos autores manifestaram-se:

Afinal de contas, é sabido que no calor da discussão, muitos cônjuges apelam para coação moral, recusando-se a fornecer ao outro o divórcio, ou o privam da assistência material ou, até mesmo, do direito de visitar os filhos em comum. Consequentemente, estabelecido o direito de visita, o direito de propriedade sobre determinados bens e o direito de pensão alimentícia, os cônjuges ficam mais livres para decidir sobre sua vida conjugal, além de terem, em contrapartida, um prazo para conciliação ou para convencer o outro consorte dos benefícios de um divórcio consensual, aumentando as chances de uma dissolução amistosa.

De acordo com este entendimento, o instituto da separação sobrevive como uma faculdade aos que desejam apenas a dissolução da sociedade conjugal e não a extinção do casamento pelo divórcio, ou àqueles que ainda não tenham certeza de que a relação chegou ao fim.

A referida alteração constitucional possuiu eficácia imediata, passando a vigorar a partir de sua publicação. Dessa forma, as situações jurídicas existentes à época da mudança merecem ser analisadas para que haja uma readequação de conduta neste período de transitoriedade da norma.

Da mesma forma, quanto ao estado civil dos cônjuges, manifestou-se:

O estado civil daqueles que já eram separados judicialmente continua sendo o mesmo, pois não é possível simplesmente transformá-los em divorciados. Portanto, o estado civil "separado judicialmente/administrativamente" continua existindo para aqueles que já o detinham quando o novo texto constitucional entrou em vigor. É uma situação transitória, pois, com o passar do tempo, naturalmente, deixará de existir. Caso queiram transformá-lo em estado civil de divorciado poderão, excepcionalmente, converter tal separação em divórcio ou simplesmente propor Ação de Divórcio, o que na prática tem o mesmo resultado. São exceções, necessárias e justificáveis, para compatibilizar com o respeito aos princípios constitucionais da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Neste mesmo raciocínio poderão ainda usar a faculdade que lhes oferecia o artigo 1.577 e a Lei nº 11.441/2007: restabelecerem a sociedade conjugal. Obviamente que a partir daí já estarão submetidos às novas regras e princípios decorrentes da instalação da Emenda Constitucional nº 66/2010.

Nessa mesma linha, Dimas Messias de Carvalho entende que “os separados de direito continuam a ostentar o mesmo estado civil, até decidirem reconciliar, divorciar, ou, ainda, um deles falecer, ocasião em que o sobrevivente passa ao estado civil de viúvo, já que o vínculo do casamento não foi dissolvido com a separação”.

Em que pese às correntes doutrinárias diversas, na prática, a maioria dos Magistrados tem entendido pela oitiva das partes litigantes do processo, para que estas se manifestem quanto ao seu interesse em transformar a ação de separação judicial em divórcio. Assim, evita-se a nulidade do procedimento sob a alegação de julgamento extra petita.

Controvertida revela-se, pois, a questão apresentada, pois não há ainda consenso, apresentando-se graduadas as manifestações daqueles que defendem a faculdade dos demandantes de transformar a ação de separação em divórcio ou dos julgadores de extinguir de imediato o processo pela impossibilidade jurídica do pedido. De qualquer forma, se faz necessária a intervenção do legislador para adequação dos procedimentos a serem adotados quanto ao novo texto constitucional e suas consequências na legislação existente a época.

CONCLUSÃO

 

Como visto, o advento do novo texto constitucional acarretou enorme divergência entre os doutrinadores, especialmente quanto à extinção ou manutenção do instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro.

 Com efeito, após o surgimento do divórcio propriamente dito no Brasil, inúmeras foram as alterações neste instituto até o advento do atual texto constitucional. No decorrer desta evolução histórica, a dissolução do vínculo matrimonial, abominado pela Igreja Católica em um primeiro momento, foi, aos poucos, sendo admitida na legislação brasileira.

 Com a Constituição Federal de 1988, a extinção do vínculo matrimonial foi constitucionalmente inserida no Brasil, passando a ser permitida desde que respeitados os requisitos exigidos: a separação prévia e o lapso temporal.

 A partir da Emenda Constitucional n. 66/2010, as exigências para a concessão do divórcio foram retiradas do texto constitucional, desencadeando divergência entre os doutrinadores em relação a sobrevivência ou não da separação no sistema jurídico brasileiro.

 De um lado, parte da doutrina defende a extinção do instituto da separação, uma vez que a Constituição Federal passou a admitir o divórcio sem a exigência da separação prévia, abolindo o sistema dualista do ordenamento jurídico brasileiro.

 Por outro lado, como é defendido neste artigo, há doutrinadores cujo entendimento é de que a separação não fora abolida do ordenamento, uma vez que não foi expressamente revogada pela emenda constitucional atualmente em vigor, sobrevivendo prevista pelo Código Civil. Para tanto, utilizando-se do exemplo do casamento civil, que, embora não esteja previsto na Constituição Federal, suas regras são observadas conforme o disposto no Código Civil.

 Assim, defendem a ideia de que apenas o não constar na Constituição Federal não torna o instituto da separação inconstitucional, mantendo vigentes as disposições contidas no Código Civil sobre a matéria.

 Outrossim, tendo em vista a eficácia imediata do novo texto legal, a problemática que se impõe diz respeito às ações de separação em andamento à época da alteração. Nesse ínterim, parte da doutrina acredita que as partes deverão ter a oportunidade de manifestar o seu interesse na transformação da ação em divórcio, devendo ser intimadas para adequar o pedido.

 Por outro lado, alguns doutrinadores defendem a ideia de que o processo de separação deve ser julgado extinto sem o julgamento do mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido, na hipótese de o instituto ter sido abolido do sistema.

  Enfim, irrefutavelmente, a partir do advento da emenda constitucional n. 66/2010, o divórcio passou a ser concedido de forma mais célere, uma vez que os requisitos da separação prévia e lapso temporal não são mais exigidos pela Constituição Federal, contudo não foram extintos da mesma.

Entretanto, tendo em vista que a nova norma, assim como a questão do direito intertemporal são passíveis de mais de uma interpretação, necessário se faz a intervenção do legislador para adequação dos procedimentos a serem adotados quanto ao novo texto constitucional e suas consequências na legislação existente a época.

Sobre a autora
Cibele Viana

Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil, com ênfase em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus; Apaixonada pela Advocacia Membro da Comissão de Direito de Sucessões da OAB/MG; Advogada voluntária na Ação Global / Betim / 2012; Advogada Coordenadora voluntária na Ação Cidadania / Betim/MG em 2014 e Martins Soares/MG em 2015; Vasta experiência no ramo automotivo em especial em financiamento de veículos, bem como contratos em geral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo para Pós Graduação em Direito Civil e Processual Civil com ênfase em docência do ensino superior pela Faculdade Damásio Evangelista de Jesus.

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