A lei de recuperação judicial e falência de empresas surgiu como um marco para os Administradores, pois a antiga regulamentação (Decreto-Lei nº 7661/45) em nada se propunha a analisar os reais problemas da empresa, uma vez que a única solução apresentada era a concordata, um prazo concedido à devedora para que quitasse suas dívidas. Agora, o plano de recuperação da empresa, previsto na legislação e que tem sido plenamente aplicado no direito pátrio, privilegia a continuidade da empresa, por meio de uma nova estratégia proposta pelos seus Administradores a fim de recuperá-la e ganhar credibilidade perante os credores.
A legislação prevê um plano de recuperação que deve ser apresentado pela empresa devedora que quer tentar recuperar-se diante de seus credores. Trata-se de um documento, e também uma ação, típico de administração de empresas, inserido no direito falimentar pela Lei nº 11.101/05.
A nova lei de recuperação de empresas e falência foi aprovada em 09 de fevereiro de 2005, e entrou em vigor no dia 09 de junho de 2005, após o período de 120 dias de vacatio legis, determinado por ela própria, em seu artigo 201.
Consoante os dizeres de VALVERDE (1999), “são inúmeros os fatores que provocam o abalo do crédito. Uns, de ordem geral, econômicos, financeiros, políticos, com influência em todos ou alguns dos ramos da atividade humana; outros, de ordem particular, dizem respeito ao devedor, ao modo como administrou os seus negócios” [1].
A lei teve a pretensão de dar nova chance ao administrador que, apesar da viabilidade econômica da empresa, encontra-se em situação de crise dependente da formação de nova estratégia.
A lei anterior (Decreto-lei nº 7661/45) era definida como Lei de Falências e Concordatas. As inovações começaram aqui, uma vez que a nova lei possui como ementa “Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.” Assim, menciona-se, primeiramente, a recuperação da empresa, para depois falar da Falência, que se torna uma possibilidade secundária.
E realmente foi essa a intenção. Era preciso que as empresas acreditassem que é possível se recuperar, e que a lei, verdadeiramente, possui mecanismos facilitadores de sua recuperação no mercado. Na lei antiga, havia o instituto da concordata, mas ela estava longe de atingir seus objetivos, porque não se importava em diagnosticar os problemas da empresa, concedendo apenas tempo para que ela pagasse as dívidas, como se o tempo fosse a única coisa necessária para que a empresa obtivesse crédito no mercado.
Com o tempo, foi sendo observado que é preciso replanejar, redefinir os objetivos, traçar novas estratégias, enfim, elaborar um novo planejamento estratégico para as empresas em crise, já que a administração do momento não está sendo eficiente.
A concordata era um benefício oferecido ao empresário, por meio do qual se concediam até dois anos para o pagamento das dívidas. Ocorre que, nesse período, as empresas concordatárias, cujos credores são, em sua maioria, fornecedores, não conseguiam créditos na praça, tanto por parte dos fornecedores-credores, quanto por parte de outros fornecedores, que sabendo de sua situação, não lhe vendiam mais a prazo. Assim, o que acontecia (aliás, ainda acontece, pois a lei ainda vige), é que a empresa devedora acabava, nesses dois anos, se tornando inoperante, pois suas operações eram inviabilizadas pela falta de crédito na praça.
Isto porque, com a antiga legislação, a falência era a regra, e o instituto da concordata, apenas um disfarce que possibilitava a prorrogação do prazo para pagamento dos credores, sem se preocupar com a empresa em si. Nada era feito para que fosse permitida uma nova oportunidade da empresa realmente refazer seus planos negociais e reerguer sua estrutura financeira e operacional. A empresa concordatária era condenada ao insucesso, e com isso, milhares de empregos eram perdidos, impostos deixavam de ser pagos, dentre outros reflexos.
A lei de falências e concordatas tinha o objetivo de liquidar a empresa. Mas a liquidação não é interessante para ninguém, nem mesmo para seus credores. O ideal para todos seria recuperá-la, de maneira a evitar a bancarrota. [2] É esse o real objetivo da Lei nº 11.101/05.
A recuperação transfere o risco econômico do empresário para seus credores, que também se responsabilizarão pela eficácia do plano.
Como bem pontuado por ZANETTI (2005) [3], a recuperação traz vários benefícios, pois
“... visa a continuidade dos negócios das empresas viáveis, a manutenção de empregos e o pagamento dos credores. Enquanto que a legislação atual se preocupa somente com aspectos formais para declarar a falência da empresa, a futura lei não é tão formalista como a atual porque ela se preocupa com a função social da empresa dentro do seu meio de atuação.”
É assim que se espera que sejam inúmeros os benefícios trazidos pela nova lei aos proprietários de empresas no Brasil.
Aos poucos, foi-se percebendo que a falência de uma empresa deveria atender, primeiramente, o interesse público, o que quase nunca ocorria. A reflexão inicial partiu da percepção de que nem sempre favorecia a sociedade a quebra de uma empresa em débito. Pensava-se somente no direito do credor em receber seus créditos, mas a própria sociedade foi percebendo que tal direito deve ter limites. É uma questão de proporcionalidade, pois várias pessoas vinham sendo prejudicadas pelo interesse de um pequeno grupo.
É esse também o pensamento expressado por SZKLAROWSKY (1997), quando afirma que:
“(...) o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade. As leis são amostras de comportamento que traduzem a consciência social de um povo e de uma era e devem se harmonizar com as novas realidades que despontam, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitária.” [4]
A lei de recuperação e falência de empresas prevê dois mecanismos de recuperação: judicial e extrajudicial. Ambos exigem um plano de recuperação por parte da empresa devedora. A diferença é que na recuperação extrajudicial o juiz fica fora do processo, apenas homologa o plano que foi aceito pelos credores. Já na judicial é tudo feito por meio de um processo judicial, em que se negociam os interesses de credores e devedora na presença do juiz, tentando obter um denominador comum, um plano que atenda as necessidades de ambas as partes. Se não se conseguir nenhum acordo, a falência é então decretada.
Abordaremos no presente trabalho a recuperação judicial, eis que esta exige a apresentação do plano de recuperação, nosso enfoque principal. O mesmo tipo de plano poderá ser apresentado extrajudicialmente pela devedora aos seus credores.
A falência, nos moldes da antiga lei, muitas vezes era utilizada como pressão para coagir o devedor ao pagamento. De acordo com seu rito, o devedor era citado para pagar sua dívida em 24 horas, sob pena de falir. Ora, esse era um meio muito mais rápido e eficaz do que uma ação de execução, que pode levar meses ou anos tramitando na justiça. Daí a utilização inadequada dos mecanismos legais, sem que houvesse real interesse social na quebra.
A função social da empresa, como fator de desenvolvimento humano nacional é a busca constante dos Administradores que se encaixam nesse novo tempo em que o ser humano é mais valorizado do que o capital. Mantém-se a empresa porque ela agrega valor social coletivo, não se permitindo que ela quebre para atender aos ditames dos interesses de quem somente pensa em satisfazer seu próprio crédito.
Após o advento da Lei n. 11.105/2005, tornou-se muito mais palpável para a empresa enxergar um horizonte em que não fosse necessário fechar as portas e renunciar ao mercado.
[1] VALVERDE, Trajano Miranda. Comentários à lei de falências: (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945). Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. 1, p. 1.
{C}[2]{C} Expressão de origem francesa, onde se dizia “bank a routê”. Nos EUA, a falência é denominada “bankrupcity”, daí a adaptação para o Português.
{C}[3]{C} ZANETTI, Robson. A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: aspectos gerais. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6382>. Acesso em: 05 jun. 2005.
[4] SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Projeto de Lei de Falências: sugestões ao substitutivo. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=761>. Acesso em: 05 jun. 2005.