Restrição de direitos fundamentais

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Possibilidade de restrição de Direitos Fundamentais em face da Constituição Federal de 1988.

Os Direitos Fundamentais são reconhecidos como posições jurídicas concernentes às pessoas, que, sob a ótica do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância, integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, quer sejam ou não integrantes do sistema constitucional positivado, ou seja, quer estejam ou não descritos no texto da constituição formal.[1]

{C}1.1        Possibilidade de restrição de Direitos Fundamentais

Apesar de serem os direitos fundamentais universais, absolutos, históricos, inalienáveis e indisponíveis, constitucionalizados, vinculantes dos poderes públicos e aplicáveis imediatamente, em relações de fato e de direito, não possuem caráter absoluto. Se assim o fosse, estaríamos diante da possibilidade de serem exercidos de forma arbitrária e desprovida de parâmetros, quando a intenção é pela forma mais justa e razoável.

Não se pode admitir sejam prevalentes os direitos fundamentais de uma pessoa em detrimento dos direitos fundamentais de outra, sem que haja fundado e excepcional motivo. Em função disso, há que se falar das conseqüentes restrições, sempre em casos excepcionais, legitimados pela própria constituição, por lei ou por ordem judicial, passíveis de serem sofridas na aplicação de tais direitos, em nome do bom andamento da sociedade e da correta aplicação das leis.   

Na definição de Edilsom Pereira de Farias, “a restrição de um direito fundamental é uma limitação do âmbito de proteção ou pressuposto de fato desse direito fundamental”.[2] Isso significa que qualquer limitação que se imponha à aplicação imediata e vinculante de um direito fundamental constitui-se uma restrição ao seu comando. Este conceito também pretende alertar que a restrição pode se dar tanto no que tange aos direitos protegidos pela norma fundamental (formal) quanto ao que está intrínseco a tal proteção, ou seja, seu pressuposto material ou de fato.

Na esteira da mesma doutrina, podemos classificar as restrições em três “grupos”: restrições diretamente constitucionais, restrições indiretamente constitucionais (reserva de lei restritiva simples e qualificada) e restrições tácitas constitucionais.[3] As restrições diretamente constitucionais são aquelas constantes do próprio texto constitucional. As indiretamente constitucionais são aquelas que não se encontram previstas no texto normatizador do direito fundamental, mas foram autorizadas pela Constituição a serem estabelecidas por meio de leis infraconstitucionais. É possível, ainda, que a Constituição autorize, tacitamente, tanto o legislativo como o judiciário a impor restrições aos direitos fundamentais, com o fim de resolver ou evitar, no plano da eficácia social, os casos de colisão entre os próprios direitos fundamentais ou o conflito destes com valores comunitários constitucionalmente protegidos (segurança pública, saúde pública, etc.).[4]

Também não se pode esquecer dos limites imanentes dos direitos fundamentais, verdadeiras fronteiras definidas pela própria Constituição, que limitam seu conteúdo, para que ninguém faça dele uso abusivo. [5]

Independente do tipo de restrição, se prevista ou não pelo constituinte, deve ser aplicada com moderação, baseada em princípios constitucionais e em conformidade com o texto constitucional e com as leis que o regulamentam.

1.2       Princípios regentes das restrições

Toda e qualquer restrição ao texto constitucional deve ser regida por princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, sem os quais estaria ameaçada a ordem pública e a devida aplicação da lei.

Daí a extrema necessidade de observância das concepções genericamente impostas pelos princípios, pois elas nortearão e limitarão os abusos possíveis de ocorrer no momento da ponderação restritiva feita pelo intérprete da lei ou pelo juiz no caso concreto. São os princípios que regem e limitam as restrições, e aqui podemos afirmar, ainda que de forma redundante, que as restrições são restringidas pelos princípios que as regem. Além disso, elas são sempre exceções.

Wilson Antônio Steinmetz admite o caráter excepcional das restrições, quando afirma que “a restrição é uma necessidade que se impões em razão da unidade da Constituição e da harmonização dos direitos e bens por ela protegidos. Admitir-se a restrição como regra implicaria a relativização total dos direitos fundamentais...”[6] Para que mantenham-se como exceção, mister se faz sejam observados os princípios constitucionais quando do momento da ponderação restritiva.

Em seu âmbito de abrangência, podemos dizer que todos os princípios regentes de restrições aos direitos fundamentais estão contidos e/ou decorrem de um princípio maior: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, condição precípua de respeitabilidade, inclusive, a todo e qualquer direito que busque ser fundamental.

Por isso, começamos por ele nossa análise, seguindo com outros princípios que entendemos serem de observância obrigatória quando da imposição de alguma restrição: princípio da preservação do núcleo essencial, princípio da proporcionalidade, princípio da razoabilidade e princípio da legalidade.

1.6.1.1.  Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é fonte jurídico positiva de direitos fundamentais.[7] Ao nosso entender, deve ser preservado ao máximo. Nenhuma pessoa humana pode ser desprovida de sua dignidade, fundamento constitucional de nosso país. Ingo Wofgang Sarlet nos parece em concordância plena com esta posição, quando cita a lição de G. Dürig:

“ Inicialmente, cumpre salientar que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade”[8]

 

Acrescenta, mais adiante, que todos, mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade. Também diz que o exercício do poder e a ordem estatal em seu todo apenas serão legítimas caso se pautarem pelo respeito e proteção da dignidade da pessoa humana.[9]

Encontramos guarida à nossa posição, também, em Rizzato Nunes, que afirma que “é ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais.”[10]

Não é diferente o que diz Jorge Miranda, quando afirma que “os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos econômicos sociais e culturais comuns têm sua fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas quase todos os outros direitos, ainda quando projetados em instituições, remontam também a idéia de proteção e desenvolvimento das pessoas.”[11]

Como bem lembrado por Edilsom Pereira de Farias, o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional explícito, e, por isso, respeitá-lo é condição essencial para a legitimação da atuação do Estado Brasileiro. E continua, no sentido de reafirmar o que foi dito: “Qualquer ação do Poder Público e seus órgãos não poderá jamais, sob pena de ser acoimada de ilegítima e declarada inconstitucional, restringir de forma intolerável ou injustificável a dignidade da pessoa.”[12]. Porém, é sempre importante lembrar que a dignidade da pessoa humana, bem como os demais princípios constitucionais, não é absoluta, podendo e devendo ser limitada em face de valores constitucionais de maior relevância, dependendo do caso concreto.

Por tudo isso, além do fato maior de estar positivada, no artigo 3º de nossa Lei Maior, como princípio fundamental de nosso Estado Democrático de Direito, é que entendemos tão essencial a observância da dignidade da pessoa humana em qualquer tipo de relação existente entre os particulares, ou em relação a estes e o Estado, que é o maior obrigado ao respeito máximo desse fundamento constitucional.

1.6.1.2.  Princípio da preservação do núcleo essencial

O núcleo essencial é aquela parte do direito fundamental que não pode, em hipótese alguma, sofrer ameaça. É como se fosse a cláusula pétrea que cada direito fundamental carrega em si, sua parcela imutável e incorrigível,  que deve ser preservada sobre qualquer aspecto. As leis restritivas não podem diminuir a extensão e o alcance do núcleo essencial dos direitos fundamentais, por ser este o coração do direito, que não pode ser violado.[13] O princípio de proteção do núcleo essencial objetiva impedir que o conteúdo mais importante do direito fundamental seja esvaziado por restrições desproporcionais ou desmedidas.[14]

Edilsom Pereira de Farias{C}[15], citando a doutrina do Tribunal Constitucional Espanhol, expõe que o núcleo essencial de um direito fundamental é formado por elementos mínimos de reconhecimento, impedindo que o direito por ele resguardado seja extinto ou transformado, sendo que tal núcleo possui valor absoluto, e não relativo. Sua defesa objetiva evitar que os direitos fundamentais estejam à disposição do legislador.

Aqui, urge a necessidade de dizer da importância de se preservar o núcleo essencial do direito, para que se evite o esvaziamento de sua eficácia, fazendo que o mínimo de sua essência seja sempre garantido constitucionalmente. Por isso, um limite à atuação do legislador é o próprio conteúdo essencial de cada direito, cuja identificação é feita tendo por base os valores principais da sociedade conservados por esse direito. Os limites possuem limites, e estes estão no núcleo essencial de cada direito, ou seja, naquilo que de mais importante ele procura resguardar.

Canotilho destaca que ainda que o legislador esteja autorizado pela Constituição a editar normas restritivas, o núcleo essencial deverá ser preservado, tendo sempre como guia a função dos direitos na vida comunitária.[16]

1.6.1.3. Princípio da proporcionalidade, princípio da razoabilidade, princípio da igualdade e princípio da legalidade: decorrências da fundamentalidade da dignidade humana.

Não é permitido, ao particular ou à Administração Pública, que se cometam abusos em relação à aplicação ou restrição de um direito. Não é pelo fato de que alguém está preso, p. ex., que está, necessariamente, sob constante suspeita, a ponto de serem violadas todas as suas correspondências. Tanto a norma quanto a sua aplicação não podem ser abusivas, pois a proporcionalidade é condição para o exercício da função legislativa do Estado, impedindo que a lei abuse ou fraude a Constituição.[17]

Queremos dizer, com isso, que é essencial “aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade.”[18] Há de ser, a proporcionalidade, subdividida em três outros aspectos, ou subprincípios que pautam a medida legislativa e, ao nosso ver, também devem pautar a  medida judicial[19]: de necessidade (exigibilidade da intervenção ou decisão), de adequação correspondência de meios e fins) e de racionalidade (correta avaliação da medida). Se falta necessidade ou adequação, a medida é arbitrária. Na ausência de racionalidade a medida é excessiva, por isso, outra denominação dada a esse princípio é “Princípio da Proibição de excesso”[20], cabível porque ser proporcional é não se exceder, na aplicação positiva ou negativa da norma. Uma lei ou um ato jurisdicional que não se paute pela proporcionalidade é manifestamente inconstitucional.

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Sabemos que, ao colidirem dois direitos, é importante que se mantenha a relação de igualdade entre seus titulares, o que somente pode ser conseguido com a utilização da proporcionalidade nas restrições operadas. Invoca-se a proporcionalidade para aferir a legitimidade do tratamento diferenciado que é dado a um direito em detrimento do outro, tratamento este que é necessário em face do resultado perseguido, como bem destacado por Suzana de Toledo Barros, que afirma que restrição de direitos fundamentais e desigualdade não estão necessariamente associadas.[21]

Podemos perceber a quebra de igualdade e de proporcionalidade quando a lei ou ato judicial[22] vale-se de medidas desnecessárias para obter algo que facilmente seria obtido por meio de medidas menos lesivas ao direito. As restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.[23]  Em sede de restrição de direitos fundamentais, “um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o fim atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador.”[24]

O meio para se atingir a restrição não será necessário, e por isso desproporcional, se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Paulo Gustavo Gonet Branco manifesta-se nesse sentido da seguinte forma:

“O juízo de ponderação a ser exercido assenta-se no princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja necessário para a solução do problema e que seja proporcional em sentido estrito, i. é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.” [25]

 

Ao nosso ver, também é abrangido pelo princípio da proporcionalidade o princípio da razoabilidade. Pelo princípio da razoabilidade, em relação à restrição, entende-se que deverá ela ser razoável ao objetivo que se pretende perseguir ao restringir determinado direito. Esses dois princípios praticamente se confundem, pois toda decisão que é razoável, também é proporcional, sendo o contrário também válido. As razões de se restringir devem ser realmente existentes, para que se justifique a afetação de algum direito fundamental. Ambos os princípios são também indicadores de justeza das decisões.  

Apesar de discutido anteriormente, quando tratamos da questão da restrição por reserva legal, não poderíamos deixar de mencionar o princípio da legalidade, arcabouço máximo de qualquer ordenamento jurídico, e que entendemos, inclusive, ser primitivamente necessário em qualquer medida, seja ela legislativa, judicial ou administrativa.

A legalidade prima para que todos os atos sejam pautados por uma lei que os autorize, ou, ao menos, não os proíba. Em relação ao particular, pode fazer tudo aquilo que a lei não proíba, mas, no caso da Administração pública, é sabido que não podem seus agentes fazer nada que não esteja expressamente autorizado por lei.[26]

Leciona Hely Lopes Meirelles que “o princípio da legalidade impõe a eficácia de todo ato adminitrativo à vontade da lei [27]”,  o que torna a Administração Pública sujeita ao direito. Por meio da lei, editada por si próprio, o Estado limita sua atuação de modo a eliminar o poder autoritário.[28] Quando a Administração Pública interpreta a lei de forma a abusar do direito por ela instituído, a correta interpretação deverá ser esclarecida pelo judiciário, na figura dos magistrados. É aqui que encontramos um gancho para discutirmos, no próximo capítulo, a questão específica de nosso estudo.

Pretendemos que reste incontroversa, aqui, a relação de dependência e continuidade entre os princípios agora mencionados e o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que surge a necessidade de se respeitar a proporcionalidade, razoabilidade, igualdade e legalidade (além de todos os princípios constitucionalmente consagrados), em razão da vontade comum dos legisladores e aplicadores da lei  no sentido de preservar a dignidade, que não pode, a qualquer custo, ser retirada ou suprimida da pessoa humana, sob pena de ferir o consagrado fundamento de nossa República Democrática.

Sobre o autor
Juliana Silva Barros de Melo Sant'Ana

Graduada em Direito<br>Graduada em Administração de Empresas e Administração Pública<br>Pós-Graduada em Direito Público<br>Procuradora Federal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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