Aulas de caráter

24/06/2014 às 15:41

Resumo:


  • Nos EUA, caráter e perspectiva são ensinados em sala de aula desde a infância, principalmente para alunos de áreas empobrecidas.

  • No Brasil, a educação tem sido marcada pela substituição do conteúdo pela performance e pela falta de foco em conhecimento social e ética.

  • Algumas empresas preferem contratar trainees com experiência em ONGs e atividades comunitárias gratuitas, buscando habilidades de inteligência social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Nos EUA, caráter é sinônimo de perspectiva e ambas são ensinadas em sala de aula.

Nos EUA, caráter é sinônimo de perspectiva e ambas são ensinadas em sala de aula, no currículo comum e obrigatório - e desde a infância. Sobretudo aos alunos de áreas empobrecidas[1]. Também aprendem a escrever com caderno e lápis ou caneta, porque estimula e acelera o raciocínio. O capitalismo descobriu, com mais ou menos dois séculos de atraso – em relação ao conhecimento acumulado pela Teoria Social – que a resignação é ruim aos negócios. Então, agora se aplicam à resiliência: capacidade de adaptação com transformação global do indivíduo e do ambiente social.

Aqui, decoramos fatos e fotos. O power point substitui o professor e cada vez mais as imagens tomam conta da reflexão e da consciência. Temos um tablet e um celular para cada discente, mas não há livros na biblioteca. Quantos professores meramente leem o que é projetado no quadro negro ou quantos trocam a famosa “aula expositiva” – de conteúdo – por seminários? É o aluno que pesquisa e expõe o que deveria ser obrigação do professor. Quer dizer, no fim das contas, o professor aprende do que ensina aos seus alunos.

Em nossa síndrome de vira-latas (Nelson Rodrigues), importamos dos EUA o que eles têm de pior, como o consumismo e a babaquice. Aquilo que funciona, como no exemplo, não interessa às nossas supostas elites e expertises. Todos têm os seus problemas, a questão está em querer enfrenta-los e no “como fazer”. Imagine-se ensinar, obrigatoriamente, ética e Justiça Social aos nossos políticos profissionais. Seria hilário, até que eles contornassem as aulas com seu cinismo.

Os franceses se aplicam com criatividade na solução de suas tarefas. Lá, o professor-pesquisador não está voltado ao Know-How, mas a um savoir faire-savoir vivre (viver intensamente o prazer do trabalho da criação), diante de uma atividade natural e essencial ao bom desempenho do seu trabalho e, portanto, igualmente específica e destinada à própria atividade laboral do educador: pesquisa/ensino/extensão.

Por aqui, basta-nos o pragmatismo para passar no vestibular, depois, decora-se tudo que puder na faculdade e, na entrada no mercado de trabalho, sequer obtém-se uma simples aprovação na prova de português. Falo dos jovens e não de analfabetos totais. Aliás, a maioria dos jovens educados formalmente fala melhor o inglês, do que o português. Por isso, as maiores empresas que atuam no país há muito aplicam provas seletivas de língua portuguesa e de matemática. Querem avaliar capacidades cognitivas de “lógica formal” e comunicacionais. Informação e conteúdo decorados são perdidos, jamais se tornarão conhecimento. Sem conhecimento não há ciência e, sem ciência, somos dependentes e subordinados. Falta-nos educação e cultura para saber que ciência se faz com paciência – o “tempo do conceito”, diria o filósofo alemão Theodor Adorno.

Algumas multinacionais preferem contratar trainees (profissionais sem experiência) com passagens em Organizações Não-governamentais (ONGs) e com atividade comunitária gratuita. Nada ingênuas, as empresas procuram pela habilidade da inteligência social – o que em sociologia clássica se chamava de Homo sociologicus (do sociólogo Ralf Darendorf). Se o indivíduo trabalha de graça, imagine o que fará pela empresa se for bem tratado...??? Porque é exatamente a capacidade de interação social que nós perdemos com o fim do Homo sociologicus.

Em nosso atraso, substituímos o conteúdo pela performance, a essência pela aparência, o ter pelo ser, a regra pela exceção, a ética (caráter) pela excrescência. Sem conteúdo social não há conhecimento. Sem ética, será um conteúdo vazio e sem alcance social. Portanto, sem conhecimento social não há nada – só lero-lero e lástima.

Temos de aprender a “apreender”. Aprender de verdade, transformando a informação qualificada em conteúdo aplicável à consciência em formação, tomando-se o conhecimento como significado para si e a serviço da vida social. Com tecnologia sim, mas sem modismos e picaretagem. Sempre e desde a infância, já dizia minha avó...


[1] http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/06/19/escola-nos-eua-inclui-aula-de-carater-no-curriculo.htm.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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