PROPOSTA DE SOLUÇÃO JURÍDICA PARA O PROBLEMA DA VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA DOS PRESOS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO SOB ENFOQUE CONSTITUCIONAL
A Constituição garante aos presos, submetidos a prisão provisória ou definitiva, o exercício de seus direitos fundamentais, impondo-lhes certas restrições. Podemos perceber isso em dispositivos dispersos pelo texto constitucional, mais claramente, p. ex., no inciso XLIX, do artigo 5º, que diz ser “assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” Assim, fácil perceber a preocupação do constituinte em resguardar os direitos fundamentais dos detentos de nossos estabelecimentos prisionais.
A Lei de Execuções Penais brasileira[1], na esteira do que dita nossa Lei Maior, reconhece, em seu artigo 3º, que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela sentença penal condenatória. Perde o detento, além da liberdade de ir e vir, os direitos políticos. Para que fique bem claro, lembramos também que a própria LEP enumera, em seu artigo 41, os direitos conservados pelo preso, bem como as possibilidades de restrição ou suspensão desses direitos.
Como bem destacado por Júlio Fabrini Mirabette[2], os presos conservam todos os direitos não atingidos pela sentença penal condenatória, sendo que os limites do direito do Estado de executar a pena são traçados pelos termos dessa sentença. Localizamos no inciso XV do artigo 41 da LEP, que o preso conserva o direito ao contato com o mundo exterior por meio de carta. Porém, há uma ressalva no parágrafo único, que afirma que tal direito poderá ser restringido ou suspenso por ordem motivada do diretor do estabelecimento.
Canotilho, discorrendo acerca da interpretação conforme a Constituição, diz que “no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhê dê um sentido em conformidade com a Constituição.”[3] Afirma, em linhas seguintes, que onde haja várias possibilidades de interpretação, somente deve prevalecer aquela que não contraria o texto e o programa das normas constitucionais.
Sabemos ser complicada a preservação do sigilo epistolar nos presídios brasileiros, uma vez que a própria “cultura penitenciária” do país arrazoa sua quebra indiscriminada, sempre sob a máxime da garantia da ordem pública.[4]
Todavia, cabe a reflexão: em que medida o interesse público pode ser imposto como restrição ao cidadão – especificamente o preso – sem que ele tenha seus direitos fundamentais desrespeitados e haja flagrante afronta à Lei Maior do nosso ordenamento jurídico?
Ao permitir que se viole toda e qualquer correspondência dos presos sem lei restritiva que autorize, nem fundado motivo confirmado por autorização judicial devidamente fundamentada, incorre-se em flagrante desobediência aos princípios Constitucionais regentes da Administração Pública, bem como aos princípios e direitos fundamentais igualmente consagrados pela Lei Maior. A proporcionalidade deve ser ao máximo observada no tratamento das questões tocantes aos direitos fundamentais.
A Administração Pública, representada, no caso dos presos, pela administração penitenciária, também deve respeito a tal princípio, e encontra suas restrições em seu fim precípuo de garantir a aplicação da lei de execução penal, guiada por determinações judiciais, para que a segurança e a ordem pública sejam resguardadas.
1. Interpretação sistemática do art. 5º, inciso XII da Constituição Brasileira
Entendemos que a Constituição é um todo, indivisível e indissolúvel. Não é necessária a lembrança de que para que se entenda a amplitude de uma expressão constitucional deve-se interpretá-la sistematicamente, pois esta é uma conclusão decorrente da própria idéia de unidade constitucional.
Parece-nos ser desnecessária a descrição, no presente trabalho, dos métodos de interpretação existentes no mundo jurídico, buscando adequar o inciso XII àquele que melhor se alinha a nossa opinião. Não há, aqui, um melhor e mais adequado método. Dizemos isso porque “as situações da vida são constitutivas do significado das regras de direito, porque é somente no momento da sua aplicação aos casos ocorrentes que se revelam, em toda a sua amplitude, o sentido e o alcance dos enunciados normativos.”[5] Isto significa que o melhor método é aquele que releva as peculiaridades de cada caso concreto, baseando-se na proporcionalidade e razoabilidade ao interpretar o significado de uma norma constitucional, sempre sistematicamente.
Garante o artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros natos e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Acrescenta, em seu inciso X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Tal dispositivo bastaria, por si só, para alicerçar nossa tese, à medida que, ao nosso ver, já garante o direito à inviolabilidade de correspondência. Porém, pouco mais à frente, e para que não restassem dúvidas, em seu inciso XII, quis também o constituinte afirmar que “é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e nas formas que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
Percebe-se, claramente, a intenção do constituinte em permitir, a priori, a quebra, em casos específicos, somente do sigilo das comunicações telefônicas, ainda assim, impondo-se-lhe reserva de lei e de jurisdição. Contudo, somos levados a compreender que o fato de não conter previsão constitucional expressa não impede que um direito seja passível de sofrer restrições.
No Brasil não há lei que regulamente a eficácia contida implícita da norma que releva o sigilo das correspondências. O ideal seria que houvesse a norma, que regularia as possibilidades, desde que com autorização judicial. Em que pese o fato de alguns entenderem ser possível a quebra do sigilo de correspondência dos presos, como é o caso de Marcos Antônio Cardoso de Souza, em seu artigo Informações sigilosas[6], entendemos que somente excepcionalmente, e com a devida autorização judicial, isto poderia acontecer. Assim também entende a LEP, quando permite a restrição ou limitação – sempre motivadas - da correspondência do preso, e não sua quebra.
Alexandre de Moraes é partidário de uma abrangente opinião. Para ele, a interpretação do dispositivo em comento deve entender que a lei ou a decisão judicial “poderão, excepcionalmente, estabelecer hipóteses de quebra das inviolabilidades de correspondência, das comunicações telegráficas e de dados, sempre visando salvaguardar o interesse público e impedir que a consagração de liberdades públicas possa servir de incentivo à prática de atividades ilícitas.” [7] De fato, somente a lei, seguida de ordem judicial, fundamentada nas peculiaridades do caso concreto, poderia legitimar tamanha afetação na essência do direito ao sigilo, uma vez que as autoridades, em determinados casos, podem valer-se de formas menos onerosas aos direitos fundamentais para fazer valer a justiça. Contudo, não é prático, do ponto de vista deste trabalho, entender que para haver qualquer violação a correspondência dos presos deverá, primeiro, ser editada lei restritiva, uma vez que esta não é a realidade que vislumbramos em nossa pesquisa. E, assim, o presente trabalho não teria qualquer resultado prático, capaz de oferecer solução real para o que atualmente ocorre no Brasil.
A verdade é que deveria haver, mas não há, lei restritiva do sigilo das correspondências, na medida em que nenhuma norma no Brasil permite sua quebra, mas tão-somente sua interceptação. Em que pese não ser permitido, milhares de correspondências de presos são violadas todos os dias no Brasil, sob o argumento da necessidade de se garantir a ordem pública.
Trata-se de uma colisão entre um direito individual fundamental e outro valor constitucional, qual seja, a garantia da ordem e segurança pública. Entendemos que aqui não cabe alegar a conveniência da instrução criminal, pois esse é um momento em que cabe ao Ministério Público desincumbir-se do ônus da prova. Para tal, deve utilizar-se de razoabilidade e produção lícita de provas, não lhe sendo legítimo valer-se de prova obtida pela violação de correspondência dos detentos (sem ordem judicial anterior), tanto para produzir a condenação de presos provisórios como para produzir provas contra os já condenados. Assim foi que “chegou-se à convicção de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade, por vulnerar normas ou princípios constitucionais – como, por exemplo, a intimidade, o sigilo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, a própria integridade e dignidade da pessoa.”[8]
Quis dizer, em verdade, o constituinte, da impossibilidade de se violar o sigilo de correspondência. Abre exceção apenas ao sigilo telefônico, por meio de uma reserva de lei qualificada. Porém, em face da necessidade de se interpretar a Constituição sistematicamente, como um todo indissolúvel, entendemos que nenhum direito é absoluto, uma vez que todos os direitos encontram limites em seu próprio exercício pelos poderes públicos e pelos particulares, sendo assim é possível que uma lei, seguida de ordem judicial, permita a quebra do sigilo epistolar.
Pautando-se pelo princípio da razoabilidade e pelo reconhecimento da não-absolutez de nenhum direito fundamental, e tendo em vista a inexistência de lei que regulamente a quebra do sigilo epistolar dos presos, forçoso concluir que, realizado um juízo de ponderação, sempre pela autoridade judiciária, é permitido que se viole, em casos extremos de colisão entre direitos e valores constitucionais, a correspondência dos detentos que houverem dado fundado motivo para que sobre eles recaíssem sérias suspeitas.
2. A necessidade de reservas e interpretação do parágrafo único do artigo 41 da LEP.
Há de se ter em mente, ao tratarmos de uma restrição a um direito fundamental, a necessidade de reservas quanto às suas possibilidades. O caso em estudo exige uma reserva de lei implícita, que é estabelecida pela LEP. É necessária, também, uma reserva de jurisdição, uma vez que a realidade mostra que quase sempre se ultrapassam os limites definidos pela LEP. Além disso, para adentrar o conteúdo do núcleo essencial de um direito, há que se analisar cada caso concreto, não bastando uma lei abstrata. Defendemos ainda a necessidade de uma reserva temporal, que determinaria o tempo durante o qual a restrição se operaria.
O parágrafo único da LEP permite que seja restrito ou limitado o direito do preso comunicar-se com o mundo exterior por meio de carta, mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. Entendemos ser plausível e de acordo com os limites constitucionais de preservação do núcleo essencial essa permissão. Porém, uma vez que se vir a necessidade de se quebrar o sigilo da correspondência de um preso, por seu comportamento suspeito ou conduta voltada à prática de crimes mesmo dentro da penitenciária, estar-se-á diante de uma restrição que afeta o conteúdo essencial do direito ao sigilo epistolar, pois determina a sua restrição máxima.
Quanto às limitações, o interesse público é uma limitação em si mesmo, à medida que também serve para se determinarem os limites de interferência do Estado na vida do indivíduo, estando ele privado de sua liberdade ou não. Não pode ser interesse público violar indiscriminadamente a correspondência de presos de bom comportamento, que nada fazem que desabone sua conduta no cumprimento de suas penas. Quando haja um fundado receio de dano, ou seja, indícios suficientes para que se desconfie da conduta de determinado detento – suspeito de práticas ilícitas por meio de correspondência -, é que há motivo para que, ante a falta de legislação pertinente, mediante autorização judicial, se proceda à quebra de seu sigilo epistolar.
Não pode ser permitido a autoridades administrativas da hierarquia de diretores de presídio decidirem ou não pela violação do núcleo essencial de um direito garantido constitucionalmente ao detento. Assim como o homem só pode ser privado de sua liberdade, outro direito individual fundamental, por ordem judicial (ou pela excepcionalíssima prisão em flagrante delito), como não há lei permissiva, somente poderá ter quebrado seu sigilo de correspondência por meio de autorização judicial devidamente fundamentada.
No caso das correspondências de um preso, suspender o direito a recebê-las ou restringir o seu recebimento é possível, à luz de dispositivo de lei compatível com a ordem constitucional vigente, qual seja, o parágrafo único do artigo 41 da LEP. Mas há necessidade de um pronunciamento judicial no que diz respeito à quebra de seu sigilo, sob pena de se violar esse direito, o que seria inconstitucional. A decisão que a permita deverá fundar-se em indícios suficientes de ameaça à ordem pública - caso não se proceda à quebra -, e sempre pautada também em limites temporais. Nenhum direito fundamental pode ser suprido de alguém sem reserva temporal. Afinal, não se pode permitir a perpetuidade do ato violatório. Nesses casos, a colisão de direitos fundamentais resolveria o problema pelo princípio da ponderação.
Assim como sabemos que os direitos fundamentais individuais não podem servir de salvaguarda às práticas ilícitas, encontrando seus limites na proteção da garantia da ordem pública, o contrário também é válido. Ou seja, a justificativa de se preservar e garantir a ordem pública, como valor constitucional de grande importância, não pode servir de guarida para o desrespeito indiscriminado e injustificado da Administração Pública – in casu, a Administração Penitenciária - aos direitos fundamentais do particular, notadamente a figura do preso, que, mesmo sob a condição do cárcere, obviamente não deixa de ser detentor de todos os direitos não atingidos pela sentença penal condenatória, quais sejam, os direitos do homem livre que não se refiram à própria liberdade de ir e vir e os não eventualmente atingidos pela sentença penal condenatória.
Por defendermos que sempre deverá ser feito um juízo de ponderação na decisão que visa a restrição de um direito fundamental, e que somente poderá fazer tal juízo o órgão legitimado para tal, entendemos que, aqui, faz-se necessária a anteriormente comentada reserva de jurisdição, para que a quebra do sigilo não se eive de inconstitucionalidade, violando direito fundamental.
É nesse ponto também que entra a impossibilidade das violações que comumente ocorrem às correspondências dos presos, em nosso sistema prisional. Visitando presídios brasileiros, pudemos constatar que os funcionários, por determinação dos próprios regulamentos internos, procedem à abertura de toda e qualquer correspondência que dali entra ou sai (pela forma postal).
Acreditamos que, apesar de não haver lei no que tange à possibilidade de quebra do sigilo epistolar, in casu, poder-se-ia judicialmente permiti-la, desde que pautado o julgador pelo Princípio da Razoabilidade. Não se podem permitir violações sem o devido motivo. Daí defendermos a posição de que deve haver autorização judicial para todos os casos em que o Diretor do estabelecimento prisional entenda ser necessário o conhecimento do conteúdo das correspondências – e não somente a restrição (em sentido estrito) ou suspensão desse direito. Assim seria possível compatibilizar a ausência de lei com o respeito aos direitos fundamentais. Ora, se considerássemos impossível ocorrerem casos extremos em que pode haver quebra do sigilo de correspondência, estaríamos mitigando a Garantia da Ordem Pública, pois admitiríamos a possibilidade do uso de determinado direito fundamental para salvaguardar práticas ilícitas por parte dos infratores que se encontram recolhidos nos presídios.
Nesse sentido, a Lei de Execuções Italiana reveste-se de acertada justiça ao fixar, em seu artigo 18, que
“La corrispondenza dei singoli condannati o internati può essere sottoposta, com provvedimento motivato del magistrato di soveglianza, a visto de controllo del direttore o di um appartenente all’amministrazione penitenziaria designato dallo stesso direttore”. [9]
A Constituição italiana, apoiando a reserva de jurisdição, diz que “a limitação à correspondência e qualquer outra forma de comunicação pode ocorrer somente por determinação da autoridade judiciária, mantidas as garantias estabelecidas em lei.”[10] Para eles, a matéria de restrição a direito fundamental pertence à lei, e não a regulamentos internos de penitenciárias. Entendem também que, ao lado da reserva legal se impõe a reserva de jurisdição para o controle de abusos nas restrições.[11] E é o mesmo entendimento o esposado pelo Reino da Dinamarca em sua Carta Magna: “Qualquer violação do segredo de correspondência postal, telegráfica e telefônica, somente poderá ocorrer, se nenhuma lei justificar uma exceção particular, após decisão judicial.”[12]
Nos Estados Unidos, também não foi diferente a decisão da Corte Suprema de 1974 (Procunier vs Martinez), consubstanciada nas palavras dos juízes Marshall e Brennan, que declararam “Prison authorities may not read inmate mail as a matter of course”[13].
O artigo 41 da LEP, em seu parágrafo único, preserva o núcleo essencial do inciso XII do art. 5º da Constituição, à medida que não dispõe do que é mais importante de se resguardar no tocante à correspondência: o seu sigilo. Ao autorizar que sejam restritas ou suspensas as correspondências dos presos, quis o legislador preservar o sigilo sob o qual está mantida a intimidade, autorizando somente a restrição ou suspensão das correspondências, e não a quebra de seu sigilo. Restringir e suspender são ações que não permitem nada além de uma limitação à quantidade de correspondência que o detento recebe, ou que seja suspenso seu direito de receber correspondências por determinado período, etc.
Portanto, a melhor solução, que preserva o núcleo essencial desse direito e a dignidade da pessoa humana, é a obediência estrita ao comando normativo da LEP. Qualquer decisão que ultrapasse os limites do que foi por ela imposto constituirá violação à Carta Magna pelo próprio Estado, o que assegurará o direito do ofendido contra o Estado, inclusive, por meio de uma ação pelos danos morais ou materiais decorrentes da desobediência a preceitos da Carta Maior. Seria assim ao menos enquanto não sobrevier lei que permita a quebra do sigilo das correspondências, por ordem judicial.
Se a lei diz que é possível restringir ou suspender a correspondência, mediante ato motivado do diretor do estabelecimento, somente isso poderá ser feito. Não há como quebrar o sigilo das cartas. E nos casos em que se entenda imprescindível à ordem pública o conhecimento de seu conteúdo, reservemos à jurisdição opinar e decidir, para evitar maiores violações a direitos. É o judiciário quem deve dizer, pois está sempre baseado nas leis fundamentais, buscando preservar o que há de essencial em cada direito.
Com o atual sistema, acreditamos que o mais adequado para que fosse possível aplicar o que defendemos como correto seria que as restrições dependentes de reserva jurisdicional fossem tratadas como processos cautelares ou medidas liminares, que seriam então julgadas com a máxima urgência, existentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Mas não é esse o foco de nossa discussão.
A respeito do direito ao acesso à jurisdição, reportou-se Paulo de Castro Rangel ao Ac. nº 86/88, em Portugal:
“este direito de acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar num prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, em correcto funcionamento das regras do contraditório...” [14]
Quando se parte para a esfera unicamente individual do ser humano, o ponto torna-se mais delicado. Da mesma forma que o exercício dos direitos fundamentais não pode se prestar a salvaguardar práticas ilícitas, não pode também o Estado justificar violações a tais direitos alegando a garantia do interesse público. Isto porque este não deve também servir de guarida à arbitrariedade da Administração Pública, in casu, representada pela Administração Penitenciária.
A Administração não pode valer-se da não-absolutez dos direitos para retirar do preso direitos fundamentais não atingidos pela sentença penal condenatória (no caso de presos já condenados) ou não restringidos por lei. Vale lembrar que os únicos direitos perdidos pelo preso são a liberdade e os direitos políticos, e, a respeito da liberdade, não em toda a amplitude da palavra, mas somente no que tange à liberdade de ir e vir, uma vez que permanecem a liberdade de expressão, de culto religioso e as demais liberdades consagradas pelo legislador constituinte, inclusive a de comunicar-se com o mundo exterior por meio de correspondência.
Assim é que o sigilo de correspondência é um direito fundamental de defesa contra ingerências de qualquer tipo na intimidade da pessoa humana. A respeito de sua possível restrição, é silente nossa Lei Maior. Porém, em razão da interpretação sistemática de nossa Constituição, somos forçados a reconhecer que nenhum direito fundamental é absoluto, por isso, admitimos que exista, implicitamente, reservas ao sigilo de correspondência. Entendemos que o artigo 5º, inciso XII, é uma norma constitucional de eficácia contida implícita, sendo possível, pois, que a lei tratasse dos casos excepcionais de violação à correspondência, sempre precedidos de autorização judicial.
[1] Utilizaremos a sigla LEP ao nos referirmos à Lei de Execuções Penais, Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984, em nosso trabalho.
[2] Execução Penal : comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-1984. São Paulo : Atlas, 2002.
[3] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, p. 1151.
[4] Em entrevista com o Diretor da Papuda, em Brasília, e com a diretora do Presídio Lemos Brito, em Salvador, ambos afirmaram que a quebra do sigilo epistolar é procedimento de “praxe” não somente nas penitenciárias de segurança máxima, mas também em delegacias e outros estabelecimentos prisionais.
[5] COELHO, Inocêncio Mártires. IN: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos fundamentais .Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 61
[6] Disponível em http:// www.artjur.locaweb.com.br. Acesso em 15.04.2002
[7] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo, Atlas, 2000. p. 145.
[8] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhaes. As nulidades no processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 133.
[9] Artigo reproduzido por Elisabeth Sussekind, Heleno Fragoso e Yolanda Catão, em Direitos dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980
[10] Artigo 15 da Constituição Italiana. Apud Alexandre de Moraes, op. cit. p. 145.
[11] CASTILHO, Ela de Castro V. de. Controle da legalidade na Execução Penal (reflexões em torno da jurisdicionalização). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. pp. 28-29.
[12] Constituição do Reino da Dinamarca, artigo 72. Apud Alexandre de Moraes, op. cit. p. 145.
[13] Apud FRAGOSO, Heleno; CATÂO, Yolanda; SUSSEKIND, Direitos dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 39.
[14] In Reserva de jurisdição - sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Cidade do Porto: Universidade Católica Editora, 1997. p. 57. O autor não fornece o Tribunal e a data do julgado.