A Emenda Constitucional 81 e o novo capítulo de nosso constitucionalismo

22/07/2014 às 18:43
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Os artífices da EC 81, cientes de que a ameaça de grilhões, algemas e grades já não intimida como dantes, servindo, quando muito, para entorpecer as massas, engendraram solução patrimonial apta a erradicar a vexatória exploração do trabalho escravo.

A recente Emenda Constitucional 81/2014 alterou o texto do art. 243 da Constituição, prevendo a expropriação, sem direito à indenização, de imóveis nos quais se explore o trabalho escravo.

Os artífices da elogiável reforma constitucional encamparam proposta humanitária gestada há mais de uma década nos corredores do Congresso Nacional, destinando as glebas expropriadas ao desenvolvimento de programas de reforma agrária ou de construção de moradias populares.

Dados confiáveis da OIT noticiam que, em pleno século XXI, 20 milhões de pessoas ainda estão submetidas ao trabalho forçado, sendo a maioria na América Latina.

É bem verdade que, no plano teórico, a superação do vexatório capítulo escravagista da história auriverde operou-se em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel, bisneta de D. João VI, assinou a Lei Imperial n. 3.353, trivialmente conhecida como “Lei Áurea”. Tal medida foi reforçada com a ratificação da Convenção 29 da OIT e, em dezembro de 2003, com alteração empreendida pelo Congresso Nacional no Código Penal para melhor caracterizar a submissão de alguém à condição análoga ao trabalho escravo, prática hoje punida com reclusão de 2 a 8 anos e multa.

Todavia, sem embargo dos avanços detectados no espectro “normativo-penal”, fato é que no plano pragmático as medidas governamentais adotadas não tiveram o condão de erradicar por completo a vergonhosa e ilegal exploração do labor forçado.

Daí porque se deve comemorar – e muito – a nova punição “patrimonial”, “econômica” e “financeira” recém entronizada pela “EC do Trabalho Escravo”, que, à toda evidência, atinge uma parte muito sensível da anatomia do capitalista inescrupuloso: o seu bolso!!!

Considero-me um garantista na genuína expressão do termo e, embora não seja profundo conhecedor da seara criminal, ainda assim ouso flertar, nas despretensiosas discussões travadas com colegas criminalistas, com a ideia do Direito Penal mínimo.

Todavia, essa minha posição não significa tolerância libertária ou conformismo com a impunidade, como erroneamente poderiam conjecturar os mais afoitos. Ela é indicativa apenas de que existem soluções outras, à margem do clássico castigo penal, sobretudo as de natureza “econômica”, que se mostram muito mais eficazes no combate a práticas tão abomináveis como a da cultura escravocrata.

No instante em que a ameaça normativa de grilhões, algemas e grades já não intimida como dantes, servindo, se muito, para entorpecer as massas com o ensaio de uma suposta - porém ineficaz - capacidade reacional do Estado, sobretudo num cenário de "hiperinflação legislativa" e de "constitucionalização simbólica", o ideal neoconstitucionalista da busca pela maior efetividade nos impulsiona a engendrar soluções criativas em outros planos que não a da punição penal, pois esta há de ser sempre a última ratio.

Portanto, não titubeio ao enaltecer o engenhoso instrumento “econômico” perfilhado pela EC 81/2014, quiçá responsável por inaugurar um novo e auspicioso capítulo de nossa história constitucional, que, segundo creio, irá se banquetear com o néctar da efetividade normativa na mesma proporção em que se fartará de reprimendas penais ineficazes que não passam de álibis acobertadores da incapacidade estatal.

Sobre o autor
André Puccinelli Júnior

Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Professor da UFMS. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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