A deputada federal Jaqueline Roriz (PMN) tem vida política conturbada há muito tempo. Foi flagrada recebendo propina (disponível no YouTube). Por 166 votos favoráveis à cassação, 265 contra e 20 abstenções, a deputada Jaqueline Roriz foi absolvida quanto à perda de mandato graças ao imoral voto secreto na Câmara dos Deputados.
O corporativismo do voto secreto antes e depois dos movimentos sociais
Na época em que Jaqueline Roriz foi absolvida, com certeza, o corporativismo [descarado] entre os parlamentares chamava a atenção do povo brasileiro. O mais vergonhoso caso de corporativismo na Câmara dos Deputados – por que não dizer imoralidade (artigo 37, da CF) - aconteceu com a absolvição da cassação do mandato do deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO), que desviou R$ 8,4 milhões no legislativo de Rondônia. Natan Donadon, mesmo condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 13 anos de prisão por peculato e formação de quadrilha, graças ao corporativismo na Câmara dos Deputados, se livrou da cassação de seu mandato. No final da votação secreta corporativista, o deputado Natan comemorou a decisão da Câmara dos Deputados que o livrou da cassação.
Depois das manifestações ocorridas em junho de 2013, os parlamentares resolveram apreciar [dúvidas corporativistas quanto ao término do voto secreto], em primeiro momento, a vontade do povo de acabar com o corporativismo imoral. Como a Câmara dos Deputados é um autêntico representante do povo brasileiro [disponível no próprio site da Câmara dos Deputados: O Papel da Câmara dos Deputados [< http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca>], não se esperava conduta diferente. No dia 28/11/2013, sob pressões populares, e parlamentares acuados e temerosos quanto às rebeliões populares, principalmente quando mais de 10 mil manifestantes se posicionaram sobre a cobertura no Congresso Nacional [18/06/2013], as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados promulgaram, em sessão conjunta, a Emenda Constitucional 76, que acabou com o voto secreto [corporativismo] nas votações em processos de cassação de parlamentares. Enfim, as votações que acabaram com o voto secreto representou versão tupiniquim da “Tomada da Bastilha”.
Não restou [sob forte pressão popular] ao Congresso nacional, por força Constitucional positivada no artigo 1°, parágrafo único, obedecer à vontade do povo. Assim, com a nova modalidade de votação [aberta], prevaleceu o princípio da transparência e controle público aos atos dos parlamentares, o que é muito importante numa democracia [consolidada] e materialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Na época da votação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), falou sobre a importância da participação popular na condução do Estado:
“O Congresso Nacional tem estado atendo às demandas sociais e a promulgação desta emenda constitucional é uma demonstração eloquente da sensibilidade do parlamento”.
Renan também frisou sobre a credibilidade que o Congresso deve ter perante os anseios do povo:
"O Brasil está mudando, e as instituições precisam acompanhar as mudanças sobre pena de verem afetada a sua credibilidade".
A casa caiu para Jaqueline?
O Ministério Público do Distrito Federal aplicou a Lei da Ficha Limpa – projeto de lei de iniciativa popular contra a corrupção que reuniu cerca de 1,3 milhão de assinaturas e emendada à Lei de Condições de Inelegibilidades ou a Lei Complementar n° 64 de 1990 - impedindo, assim, que Jaqueline se candidate à reeleição ao cargo de deputada.
Já o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, negou pedido da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN) para suspender a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), que a condenou à perda dos direitos políticos.
Defesa e a status das convenções e tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro
Jaqueline, para sua defesa, invoca a Convenção Americana dos Direitos Humanos, de forma que não sejam retirados seus direitos políticos. Sobre os direitos políticos, a Convenção traz:
“Capítulo IV - SUSPENSÃO DE GARANTIAS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
Artigo 27 - Suspensão de garantias:
2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: (...) 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos”.
Quanto ao status das convenções e tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, antes da Emenda Constitucional nº. 45/2004, as convenções e tratados eram considerados normas supralegais e infraconstitucionais. No RE 349.703/RS foi discutida a possibilidade de aplicação da prisão do depositário infiel (art. 5°, LXVII, da CF) face o artigo 7° CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969) ou PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA [5].
Com os votos, a prisão do depositário infiel (art. 5°, LXVII, da CF) perdeu sua eficácia diante do efeito paralisante do artigo 7° da CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969) ou PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA.
A Constituição Federal de 1988 e o Estado de direito
As perdas de direitos políticos estão descritos na Constituição Federal e 1988 e na Lei de Improbidade administrativa:
“Art. 15 - É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
V - improbidade administrativa, nos termos do Art. 37, § 4º”.
“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Alterado pela EC-000.019-1998)
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Princípio da Administração Pública [moralidade]
A moralidade administrativa é pressuposto importantíssimo à ética administrativa, ou seja, todo ato administrativo deve atender aos interesses e necessidades do povo. A legalidade administrativa para ser moral [moralidade administrativa] deve ser embasa em três critérios: lei, interesse público e moralidade. Para o ato administrativo ser moral não basta apenas ser legal (previsto, permitido em lei), mas que tal ato seja revestido de impessoalidade [do agente público] e que atenda, substancialmente, a necessidade e anseios da coletiva (povo). Assim, todo ato administrativo que atenda unicamente aos interesses pessoais do próprio agente público, mesmo tendo conteúdo positivo legal, mas contrarie o interesse público, é imoral.
"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos.
Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna [1]”.
“A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’. Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: - non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem-comum [2]”.
A moralidade administrativa é um dos princípios que devem nortear a Administração Pública e os atos dos agentes públicos:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”.
O Estado de Direito ou Estado Liberal somente com o conteúdo positivista
É perigo obedecer ao pé da letra o Estado de Direito, ou seja, o que está previsto nas leis. Vários golpes de Estado aconteceram na humanidade. As leis frias e antidemocráticas – contra a vontade do povo – favoreceram vários acontecimentos nefastos (ditaduras).
Várias manifestações populares contra Jaqueline foram desencadeadas em Brasília, mas o povo (artigo 1°, parágrafo único) não foi ouvido, pois o que prevaleceu foi o Estado de Direito, no caso, as votações (corporativistas) secretas dos deputados que absolveram a deputada Jaqueline.
Rogar somente o positivismo das leis é perigosíssimo, pois não há relação entre direito e moral – o Estado Nazista Alemão era um Estado de Direito, apesar de seu conteúdo antiético.
Conclusão
Carreira política no Brasil é “bem-aventurança” aos próprios políticos, que fique claro. Nepotismo e corporativismo são as máximas nas condutas de muitos agentes públicos políticos. As barganhas por um lugar no “paraíso” [carreira política] são em toque de caixa. Brasília se tornou o centro de excelência da imoralidade, das violações aos direitos humanos do povo. E não é difícil comprovar isso, pois perto dos centros motores das políticas do Estado se veem populações na miséria. Enquanto o Palácio de Versalhes [Congresso Nacional] “Made in Brasil”, ostenta instalações luxuosas e cardápios dignos de soberanos absolutistas, nas cidades satélites de Brasília o horror humano é visível. Sem bombas e sem atentados terroristas, as populações locais vivem diante de um cenário de guerra: ruas esburacas, sistemas de esgoto precário ou inexistente, moradias indignas. No cenário mundial, o Brasil ostenta privilegiada posição econômica, mas, internamente, as desigualdades sociais são arrebatadoras, o que leva a questionar “para onde vai toda a riqueza brasileira?”.
Nos atos de imoralidade administrativa se rogam os Direitos Humanos, mas desumanamente, os mesmo apelantes, ignoram que tais direitos têm como primordialidade a criação de um Estado humanístico, onde os dirigentes devem gerir em prol do povo.
Uma luz para acabar com as traquinagens dos agentes públicos políticos é movimento “Fim do Político Profissional”, o idealizador é o ex-promotor Luiz Flávio Gomes. Com 12.304 “curtidas” [1/08/2014], a comunidade criada no Facebook para divulgar o “Fim do Político Profissional” conta com petição pública on-line.
Somente com movimentos sociais é que o Brasil mudará de um Estado democrático aparente para um Estado democrático de fato embasado na dignidade de seu povo. Se o povo deixar pela vontade dos agentes políticos nada mudará, a não ser para eles mesmos. Talvez a mais efetiva condição para tornar a política brasileira de primordial interesse ao povo seja igualar os políticos brasileiros aos políticos da Suécia.
P. S: em 24/10/2002, O jornal "Correio Braziliense" foi submetido à censura prévia por decisão do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Distrito Federal. Na época, o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB) era candidato à reeleição. O jornal divulgaria trechos de uma fita gravada pela Polícia Federal com autorização judicial cujo conteúdo era a conversa por telefone de Roriz com o empresário e deputado distrital eleito Pedro Passos (PSD), acusado de grilagem de terras públicas. Assim como o "Correio Brasiliense", outros jornais foram proibidos de divulgar trechos da fita.
Ou seja, uma mordaça na imprensa, o que é contrário aos próprios tratados e convenções sobre direitos humanos. O que pensar sobre isto?
Referências bibliográficas:
[1] - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 111;
[2] - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 79-80.
3 - MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A tese da Supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos. Disponível em http://www.lfg.com.br. 03 de abril de 2009
4 - ESSE, Luis Gustavo. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos e sua eficácia no direito processual brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11689&revista_caderno=16>. Acesso em ago 2014.
[5] - DECRETO Nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>.