Perdi a comanda, e agora?

15/08/2014 às 08:41
Leia nesta página:

O presente artigo visa expor, de forma sucinta, a problemática da perda da comanda em estabelecimentos comerciais.

Já aconteceu com você, ou seu amigo, ou vizinho, o seguinte fato: Saiu num final de semana qualquer, foi à balada, ou barzinho, consumiu bebidas e petiscos e, no final da noitada, SURPRESA – perdeu a comanda!

Seja a comanda da balada, do bar, do restaurante, independentemente do estabelecimento, se você perdeu a comanda, normalmente lhe advertem sobre o pagamento de MULTA!

Dada a perda do documento que fiscaliza o que foi gasto, logo se pergunta: O que acontecerá agora?

Então... eis a surpresa: Será cobrada uma multa.

Pois bem. Insta questionar nesse paradigma se a eventual cobrança de multa por perda da comanda é legal, isto é, se a cobrança de multa é lei posta e escrita em texto normativo.

Vejamos.

Há, comumente, a imposição de multa por estabelecimentos comerciais com o fim de evitar que seus consumidores hajam de má-fé jogando a comanda ao lixo, ou rasgando-a após o consumo dos alimentos e bebidas. Note-se que nesse parágrafo expus a palavra “má-fé” de propósito, a fim de evocar a intenção dos estabelecimentos ao sugerirem que seus clientes agem de forma negativa, de ma-fé. Por si só isso já é um erro.

Ocorre que a tal multa cobrada pela perda da comanda é extremamente ILEGAL! Não bastasse isso, referida cobrança também é abusiva!!!

Vale aqui colacionar a jurisprudência prática sobre o caso:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. MULTA REFERENTE À PERDA DE COMANDA DE CONSUMO. RETENÇÃO DE CELULAR COMO GARANTIA DE ADIMPLEMENTO. ART. 14, § 1º, DO CDC. ABUSO DE DIREITO. ART. 187, DO CÓDIGO CIVIL. CONDUTAS ABUSIVAS DOS PREPOSTOS DO DEMANDADO. FATO DO SERVIÇO CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS. - RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABUSO DE DIREITO - O abuso de direito encontra expressa previsão legal no art. 187 do CC. Compreensão do instituto a partir do parâmetro constitucional, especialmente o art. 3º, I, CF. (...)(TJ-RS   , Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Data de Julgamento: 14/09/2011, Nona Câmara Cível)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. CASA NOTURNA. EXTRAVIO/FURTO DO CARTÃO DE CONSUMAÇÃO. RETENÇÃO DO CLIENTE NO INTERIOR DA CASA NOTURNA. ILEGALIDADE CONFIGURADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. 1. Não há dúvidas quanto à ilegalidade da conduta adotada por casas noturnas, no que se refere à retenção do cliente no interior do estabelecimento, em caso de extravio ou furto da comanda, até que seja encontrado o cartão de consumação ou até o final da festa - o que ocorrer primeiro. Como dificilmente o cartão da consumação é encontrado até o fim da festa, o mais comum é a retenção das pessoas até esse momento. Tal conduta é flagrantemente abusiva, ilegal e não pode passar incólume, como se legal fosse. Trata-se de evidente abuso de direito das casas noturnas, na tentativa de não sofrerem prejuízos em caso de extravio ou furto do cartão de consumação. 2. No caso, a prova testemunhal produzida é suficiente para comprovar o fato alegado pela autora, que atendeu ao que dispõe o art. 333, I, do CPC, não tendo a ré produzido prova suficiente em sentido contrário, desatendendo ao que dispõe o art. 333, II, do CPC. 3. Restou evidenciado que a autora teve cerceado o seu direito de liberdade de ir e vir quando bem lhe aprouvesse, na medida em que ficou retida na casa noturna demandada até o esgotamento de todas as possibilidades de encontrar a comanda, o que ocorreu no final da festa, ao amanhecer. 4. Assim, configurado o dano moral diante da privação da liberdade da autora, do desgaste e da exposição a que foi submetida pela ré. 5. Quantum indenizatório reduzido para R$ 4.000,00, considerando os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença parcialmente confirmada pelos próprios fundamentos. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004120481, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 13/06/2013)(TJ-RS   , Relator: Luís Francisco Franco, Data de Julgamento: 13/06/2013, Terceira Turma Recursal Cível)

Em outras palavras, você, consumidor, não pode trabalhar em horário de lazer, isto é, enquanto você está bebendo, rindo, dançando, não pode exercer o emprego de fiscal, portanto não é obrigado a fiscalizar sua comanda a todo momento. Isso é de responsabilidade do comércio, cabe ao estabelecimento manter outro tipo de controle de consumação do cliente além da comanda.

Em verdade, se tornou rotineira a prática de cobrança de multa em caso de perda da comanda, onde já não se questiona a legitimidade da cobrança. O fundamento da prática abusiva e da ilegalidade da cobrança da multa vem estampada no Código de Defesa do Consumidor (lei nr. 8.078 de 1990), em seus artigos 39 e 51, onde expõe:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

V. exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

(...)

 

E, art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

(...)

 

Fato é que não há lei que discrimine a obrigação de pagar multa ou taxa àquele que perdeu a comanda.

Em verdade, trata de matéria que vai além do CDC (Código de Defesa do Consumidor). É também matéria penal, por tratar-se de extorsão, tipo penal contido no capítulo II, que trata dos crimes de roubo e extorsão.

Veja-se:

         Extorsão:

        Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

        Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

 

Ademais, a própria Lei Maior traz em seu bojo a seguinte assertiva:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, III, da Constituição Federal).

Assim, entende-se que o consumidor só deve pagar pelo que foi consumido, e o estabelecimento comercial não poderá cobrar além do que foi vendido, de forma a explorar o cliente.

Nesse diapasão, caso haja a ocorrência desse problema, primeiramente, deve-se saber que cabe ao estabelecimento comprovar quanto o cliente consumiu; em segundo, aconselha-se evitar brigas desnecessárias e pagar o valor requerido, e logo no dia posterior procurar um advogado ou ir ao PROCON demandar contra o estabelecimento a fim de receber em dobro o que foi pago indevidamente; em terceiro e último, tente pagar o que foi consumido de maneira amigável e em havendo recusa pelo estabelecimento, imediatamente chame a polícia, vá a delegacia e registre o boletim de ocorrência, famoso B.O., pelos crimes de constrangimento ilegal e cárcere privado, onde o primeiro se deve pelo fato de ter havido constrangimento a fazer algo que a lei não obriga (art. 146, Código Penal), e o segundo por não permitirem a sua saída do estabelecimento (art. 148, Código Penal).

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BOA BALADA!

Sobre o autor
Felipe Alén Cavalcante

Ex-Advogado. Concursado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Público. Pós-graduado em Direito Empresarial. Pós-graduando em Direito Material e Processual Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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