Da configuração da supressio no processo judicial

16/08/2014 às 16:52
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A teoria da supressio, no campo do Direito Processual Civil, visa exatamente coibir a conduta incorreta, contraditória, que se afasta do valor da honestidade, da boa intenção, exatamente para não prejudicar a parte adversa.

A supressio tem aparecido em sentenças judiciais, conforme clamado pela doutrina, razão pela qual passa a ganhar maior relevância no Direito. Sobre o tema, ensina Luiz Rodrigues Wambier, por meio de artigo publicado na Revista dos Tribunais 915/280, janeiro de 2.012, que:

A supressio significa o desaparecimento de um direito, não exercido por um lapso de tempo, de modo a gerar no outro contratante ou naquele que se encontra no outro polo da relação jurídica a expectativa de que não seja mais exercido. Pode-se dizer que o que perdeu o direito teria abusado do direito de se omitir, mantendo comportamento reiteradamente omissivo, seguido de um surpreendente ato comissivo, com que já legitimamente não contava a outra parte.

Nessa órbita, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1] entendeu pela ocorrência da supressio, em ação de execução de título extrajudicial, pautada em contrato de locação, admitindo que prima facie a cobrança era legítima, contudo teria se tornado inviável diante da inércia das exequentes, conforme abaixo:

Apelação. Execução de título extrajudicial. Contrato de locação. Revelia. A despeito de ser impossível a decretação dos efeitos da revelia na execução, a sentença não os proclamou, entendendo apenas haver provas suficientes nos autos quanto ao pagamento e à devolução do imóvel. Multacontratual por atraso no pagamento dos aluguéis. Cobrança legítima, em princípio, que se tornou inviável diante da inércia das exequentes (boa-fé objetiva; art. 422 do CC - supressio). Sentença mantida. Apelo improvido.

Ademais, lembram Sérgio Roxo da Fonseca e Vinícius Bugalho[2], com base nos ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier que, ao lado da supressio, há outro instituto, vinculado à Teoria dos Atos Próprios, isto porque, referida teoria exigiria do contratante “a adoção de conduta linear, por assim dizer, que não se traduza por atos capazes de confundir a contraparte, em razão da incongruência na execução do contrato”.

Com efeito, essa conduta linear que se espera das partes, por uma visão normativa, está estabelecida nos artigos 421[3] e 422[4], do Código Civil, nesse diapasão, preciso são os comentários do Professor Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme[5], que em seu Código Civil Comentado, sobre o artigo 421, ensina que:

Toda vez que a formação do negócio jurídico depender da conjunção de duas vontades, ter-se-á um contrato, que é, pois, o acordo de duas ou mais vontades, a fim de produzir efeitos jurídicos. O art. 421 do novo CC dispões que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, os quais condicionam ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Desta maneira, os interesses individuais das partes contratantes não poderão ser contrários à ordem pública e aos bons costumes, uma vez que estão subordinados ao interesse coletivo. Essa limitação à liberdade contratual baseia-se, também, na questão de evitar desigualdade entre os contratantes, já que os interesses particulares precisam satisfazer a função socialmente útil observada pelo ordenamento jurídico.

Desta forma, há uma limitação a manifestação de vontade, pautada pela função social do contrato, que deve servir para o atendimento do bem comum, ou pelo menos não maculá-lo por sua razão, mas não é só, precisamente sobre a supressio, visa-se a proteção da boa-fé objetiva, que conforme os ensinamentos do Professor Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme[6], a despeito do artigo 422:

O presente artigo trata especificamente da boa-fé objetiva, a qual consiste em um consentimento ético, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar. Os princípios da probidade (art. 422, do CC) e da boa-fé (arts. 113 e 422 do CC) deverão ser observados na conclusão e execução do contrato, e também nas fases pré e pós-contratuais.

Logo, a teoria da supressio, no campo do Direito Processual Civil, visa exatamente coibir a conduta incorreta, contraditória, que se afasta do valor da honestidade, da boa intenção, exatamente para não prejudicar a parte adversa.

Em outras palavras, ensinam, Sérgio Roxo da Fonseca e Vinícius Bugalho[7], que comportamentos contraditórios que trazem às partes a chamada surpresa, decorrente de uma inércia, proposital ou não, do titular do direito reconhecível, não encontram mais acobertamento no sistema juridico brasileiro, desta feita, extrai-se da esfera de exercício deste direito a possibilidade de exigi-lo fora do tempo ordinário de exercício ou execução ou retira-se (supressão) este direito da esfera de conduta de seu titular, “daí que o exercício anormal, atemporal, a nosso ver, configura abuso, devendo ser excluído do mundo jurídico em razão da inação, para se manter equilíbrio das relações jurídicas privadas”.

Por fim, importante destacar que a supressio não se confunde com prescrição e decadência.

Isto porque, a prescrição[8] se caracteriza por ser a perda da pretensão, pelo não exercício, ou seja, da possibilidade de reclamar em juízo a pretensão resistida.

Por outro lado, a decadência, como ensina César Fiuza[9] acontece “quando se der a perda do próprio direito subjetivo material pela inércia de seu titular, que o não exerce no prazo fixado em lei”.

Com efeito, a supressio necessita que, além do decurso do tempo, “a constatação de que o comportamento tendente a o exercer é inadmissível, segundo o princípio da boa-fé, uma vez que antagônico à expectativa gerada pelo não exercício anterior”[10].

Conclui-se que para a configuração da supressio deve haver o decurso do prazo, sem exercício do direito, com o indicativo de que o mesmo não seria mais exercido, criando na outra parte uma expectativa nesse sentido, sendo que “o desequilíbrio entre o benefício almejado pelo credor e o prejuízo a ser suportado pelo devedor com o eventual exercício” [11].

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[1] Apelação nº 0111032-89.2009.8.26.0100, 29ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Pereira Calças, Data do julgamento: 07/03/2012.        

[2] http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI153483,91041

[3] Art.421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[4] Art.422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa – fé.

[5] Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil Comentado. Série Descomplicada. São Paulo: Rideel, 2013. p. 226.

[6] Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil Comentado. Série Descomplicada. São Paulo: Rideel, 2013. p. 226/227.

[7] http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI153483,91041

[8] Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil Comentado. Série Descomplicada. São Paulo: Rideel, 2013. p. 130.

[9] Fiuza, César. Direito civil: curso completo. 8 ed. rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 250

[10] http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/boa-f%C3%A9-objetiva-e-os-efeitos-da-supressio-e-surrectio-nos-contratos-c%C3%ADveis

[11] http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/boa-f%C3%A9-objetiva-e-os-efeitos-da-supressio-e-surrectio-nos-contratos-c%C3%ADveis

Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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