Transação penal e suspensão condicional do processo

23/08/2014 às 09:44
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Infrações de peq. potencial ofensivo Transação penal - definição Cabimento da transação penal em APIP Descumprimento da transação penal Suspensão condicional do processo

I.         Infrações de pequeno potencial ofensivo

            As infrações de pequeno potencial ofensivo são assim determinadas pelo art. 61 da Lei nº 9.099/95:

 

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

            São, efetivamente, crimes de menor potencial ofensivo aos ofendidos, ou seja, cuja repercussão do ilícito na esfera individual do ofendido é pequena, afetando em pouco ou quase nada essa esfera individual. Dentro desse rol, conforme inclusive determinado pelo artigo supracitado, constam tanto os crimes quanto as contravenções penais cujas penas sejam iguais ou inferiores a dois anos, cumuladas ou não com multa.

            A distinção entre esses crimes/contravenções e os crimes considerados “comuns” se dá com o objetivo de estabelecer competência para julgamento e processamento das infrações (crimes de menor potencial ofensivo são julgados pelos juizados especiais criminais) e também para garantir uma maior eficiência no julgamento tanto das ações penais ordinárias quanto desses crimes/contravenções de menor potencial lesivo, pois, ao se dividir a competência, repartem-se também, necessariamente, os processos.

            Outro motivo também da separação consiste no fato de que, conforme será apresentado adiante, os crimes de menor potencial ofensivo podem ser objeto de transação penal. Isso significa dizer que o acusado pode ter uma “chance de se redimir” pelo seu crime sem necessariamente cumprir uma pena, mesmo que determinada em lei, bastando que faça um acordo com o Ministério Público. Na esfera ordinária penal essa situação não ocorre. Por esse motivo também há a distinção entre os crimes comuns e os de menor potencial ofensivo.

           

II.        Transação penal – definição

            A transação penal consiste na negociação, realizada no âmbito dos juizados especiais criminais, entre o Ministério Público e o investigado/acusado, e deve ocorrer após frustrada a conciliação ou antes da realização da audiência de isntrução[1]. Essa negociação, entretanto precisa obedecer a alguns fatores elencados no art. 76, § 2º da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95):

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

        § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

        I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

        II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

        III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

            Resumindo, para poder ser feita a transação penal, o acusado:

- não pode ter sido condenado, por sentença definitiva, anteriormente por crime que preveja pena restritiva de liberdade;

- não pode ter realizado outra transação penal nos últimos cinco anos; e

- não pode apresentar personalidade, antecedentes e conduta social negativas.

  1. Transação penal: direito subjetivo ou discricionariedade

Considerando as três condições acima expressas, muito se discute acerca da subjetividade ou discricionariedade da transação penal.

Segundo a corrente que defende a transação penal ser um direito subjetivo do acusado/investigado/”réu”, é obrigação do Ministério Público oferecer a transação penal quando atendidos os requisitos dos incisos I e II do parágrafo segundo do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais. Ainda conforme tal corrente de pensamento, por ser um direito subjetivo, o Ministério Público possui uma oportunidade regrada, pois precisa acolher as determinações da lei. Essa corrente é a majoritária, adotada pelos Juizados Especiais Criminais.[2]

A corrente minoritária, no entanto, defende que se trata, em verdade, de uma discricionariedade do Ministério Público realizar ou não a transação penal, entendendo que a expressão “poderá”, contida no caput do art. 76 da Lei nº 9.099/95 indica que caberia ao MP a escolha pela realização ou não da transação penal. Tal corrente, entretanto, conforme falado, é minoritária na doutrina.

            Acerca dessa segunda corrente, há também o questionamento sobre a possibilidade de o juiz intervir de ofício quando a recusa do MP em realizar a transação penal for patentemente injustificada ou em descompasso com as provas e demais evidências contidas na ação penal.

III.      Cabimento da transação penal em ação penal de iniciativa privada

            Outra polêmica da discussão acerca do instituto da transação penal se dá na questão do cabimento da transação penal no âmbito da ação penal de iniciativa privada. A doutrina majoritária entende que, conforme determinado pela Lei dos Juizados Especiais, a titularidade da realização da transação penal cabe ao Ministério Público e que, ao estar consignada expressamente em lei, não caberia falar em transação penal nas ações penais de iniciativa privada, pois o MP não seria o titular da ação.

Ou seja, não se pode falar em transação penal nas ações penais de iniciativa privada porque somente quem pode realizar a transação é o MP, e nas ações penais de iniciativa privada o MP não é o titular do direito postelatório.

Não obstante, cabe uma reflexão acerca do acordo obtido em audiência conciliatória, que seria, em certa medida, uma espécie de transação mais abrangente. Nesse caso, as partes poderiam transacionar as cláusulas de “pagamento” pelo suposto cometimento do ilícito, igualando-se, guardadas as devidas porporções, ao papel do MP nas transações penais.

IV.      Descumprimento da transação penal

            A doutrina apresenta algumas opções ante o descumprimento da transação penal. São elas: (i) conversão em pena privativa de liberdade; (ii) propositura da ação penal objeto da transação não cumprida; (iii) execução do acordo; e (iv) ausência de indício do processo e da conversão em pena privativa de liberdade.

            Nesse sentido, não há um consenso entre os juristas, mas a opção adotada por uma parcela significativa desses estudiosos do direito seria a execução civil do acordo, exigindo a prestação de obrigações com a cominação de multa pecuniária (conversão em perdas e danos) pelo não cumprimento do acordo.

            Talvez seja a opção que surta o maior efeito, posto que infligirá ao acusado uma vultosa multa pelo descumprimento da transação penal, o que, em larga escala, deve levar a uma conscientização coercitiva acerca da necessidade de cumprimento desses acordos.

V.        Suspensão condicional do processo

            A suspensão condicional do processo é o instituto que visa a não instauração de ação judicial (não oferecimento da queixa) para acusado que se comprometa a cumprir algumas exigências. É um benefício despenalizador instituído pela Lei dos Juizado Especiais, cuja suspensão pode durar de dois a quatro anos, e é concedido mediante a observância de alguns requisitos, conforme se verifica da leitura do art. 89 da Lei nº 9.099/95:

  Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

        § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

        I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

        II - proibição de freqüentar determinados lugares;

        III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

        IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

        § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

        § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

        § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

        § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

        § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

        § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Tal benefício, no entanto, não pode ser confundido com o livramento condicional – a famosa “condicional” – que consiste em concessão da liberdade ao condenado que cumprir as exigências do art. 83 do Código Penal. Na condicional, o acusado já foi sentenciado, condenado e está cumprindo a pena privativa de liberdade; na suspensão condicional, não houve condenação, apenação muito menos o oferecimento da queixa.

Para se conceder a suspensão condicional, é preciso que o acusado:

- não seja processado, no curso do prazo da suspensão, por outro crime ou se não efetuar a reparação do dano injustificadamente; e

- não seja processado, no curso do prazo da suspensão, por contravenção nem descumpra as condições impostas no acordo da suspensão.

            Cabe uma consideração relevante acerca das condições para a manutenção da suspensão condicional: caso o beneficiário dessa suspensão venha a ser processado por outro delito não necessariamente perderá o benefício da suspensão, apenas caso seja condenado. Ou seja, mesmo se o beneficiário da suspensão condicional for processado novamente por outro delito, caso seja absolvido, não sofrerá a revogação do benefício da suspensão condicional. Isso é de extrema relevância, pois, caso se interpretasse restritivamente o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, poder-se-ia vir a restringir diversos direitos.

  1. Alcance e aplicação

Por seu caráter despenalizador, a doutrina majoritária entende que a suspensão condicional não se restringe tão somente às infrações de pequeno potencial ofensivo, aplicando-se a toda infração cuja pena não ultrapasse um ano.

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  1. Suspensão condicional do processo e desclassificação do delito. Súmula 337/STJ

A súmula 337 do Superio Tribunal de Justiça ampliou a utilização da suspensão condicional do processo aos casos de desclassificação do delito e procedência parcial da pretensão punitiva. Sobre o tema, explica o professor Aury Lopes Jr.[3]:

COMPLICADINHA ESSA SÚMULA 337 DO STJ...
Súmula n. 337 do STJ: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”.
A Súmula veio para resolver um problema antigo, fruto de um duplo erro: acusações abusivas e recebimentos imotivados (praticamente automáticos) das acusações por parte dos juízes. Mas gera uma série de problemas práticos...O enunciado veio recepcionar o entendimento doutrinário majoritário, de que havendo uma desclassificação do crime, onde a nova definição permita a suspensão condicional do processo, deve essa ser oferecida. E isso pode ocorrer tanto em primeiro grau como no tribunal, em sede de recurso.

Em primeiro grau, a análise pelo juiz pode dar­ se em dois momentos:
a) quando da admissão da denúncia ou queixa, caberá o recebimento parcial ou a correção da tipificação legal abusivamente feita pelo acusador, de modo a permitir o oferecimento da suspensão condicional do processo;
b) quando da sentença, o tratamento poderá variar conforme o caso. Se o réu foi acusado da prática de dois ou mais delitos, poderá o juiz absolvê­ lo de um ou alguns deles e, se o delito residual comportar a suspensão condicio-nal, deverá ela ser oferecida. Importante ressalvar que em relação ao delito residual, ao qual é possibilitada a suspensão condicional do processo, não poderá o juiz condenar o réu. Deverá limitar­-se a fazer o juízo de tipicidade da conduta, sem analisar a ilicitude ou culpabilidade. Verificando que a tipicidade é diversa daquela constante da acusação, e cabível, portanto, a suspensão pela nova classificação jurídica do fato, deve o juiz proferir uma decisão interlocutória sujeita ao controle pela via da apelação residual (art. 593, II, do CPP).

Mas e em grau recursal? a situação é mais sensível...
a) para não haver supressão do grau de jurisdição, o tribunal, em operando a desclassificação do crime (ou absolvendo alguma das imputações, de modo que o crime residual seja passível de suspensão condicional do processo), deve remeter os autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo;
b) tendo o réu sido absolvido em primeiro grau e, diante do recurso do Ministério Público, o tribunal vislumbra possibilidade de acolhimento, deverá proceder a definição do tipo penal cabível. Se o juízo de tipicidade provável apontar para um crime em que a suspensão condicional do processo é viável, deverá o tribunal determinar a remessa dos autos à origem (juízo a quo) para que lá seja oportunizada a suspensão. Se não aceita, os autos deverão retornar ao tribunal, para que continue no julgamento do recurso, analisando então o mérito;

c) no caso de o tribunal suspender o julgamento do recurso, para que em primeiro grau seja oferecida a suspensão condicional, a posterior revogação por descumprimento das condições faz com que os autos retornem ao tri-bunal ad quem, para que prossiga no julgamento do mérito do recurso. 
 

Conforme explicitado pelo ilustre professor, apesar da necessidade da suspensão condicional ampliar sua abrangência, deve ser feita uma reflexão profunda antes da aplicação desse instituto, para não ferirmos a segurança jurídica nem o próprio procedimento processual penal.

 

  1. Período de provas e cumprimento das condições. Causas de revogação

Conforme expresso acima, podem haver algumas causas de revogação da suspensão condicional, expressas nos parágrafos 3º e 4º do art. 89 da Lei nº 9.099/95. Considerando que, conforme determinado pelo parágrafo 6º do mesmo artigo, não corre a prescrição durante o prazo da suspensão condicional, pode ela, a qualquer momento (enquanto ainda estiver vigorando) ser revogada pela apresentação de provas que comprovem o não cumprimento das condições.

            Entretanto, conforme determinado pelo mesmo artigo, uma vez encerrada a suspensão condicional pelo cumprimento do seu período, o juiz extinguirá a ação com a declaração de extinção da punibilidade.

BIBLIOGRAFIA:

  1. A Transação Penal in O Processo Penal. PBCS Advogados, publicado eletronicamente em 13.04.2008 (http://oprocessopenal.blogspot. com.br/2008/04/transao-penal.html);
  1. A transação penal na lei dos juizados especiais criminais. MACIEL, Mariceli Gonçalves in ambitojuridico.com.br (http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3799);
  1. GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de.Suspensão condicional do processo. Absolvição sumária no novo processo. Revogação impossível. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 30 de julho de 2010.
  1. Suspensão condicional do processo penal direito do acusado in Jornal da Manhã de Ponta Grossa – RS, publicado em 22.05.2013 (http://jmnews.com.br/noticias/espaco%20publico/42,33809,22,05,suspensao-condicional-do-processo-penal-direito-do-acusado.shtml);
  1. Lei nº 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais;
  1. Constituição Federal do Brasil/1988; e
  1. JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos JECRIM. 4ª ed. revista e ampl.Saraiva, 1997 São Paulo.

[1] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3799

[2] http://oprocessopenal.blogspot.com.br/2008/04/transao-penal.html

[3] https://www.facebook.com/aurylopesjr/posts/510274332392895

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