Incêndios urbanos

21/08/2014 às 10:14
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Aborda-se a temática de incêndios urbanos, modalidade de desastre tecnológico de cujo risco deve-se prevenir, sem desprezar a implantação de medidas eficientes para minimizar os danos e os prejuízos, se o desastre, apesar das precauções, vier a ocorrer.

Incêndios Urbanos          

 Embora o Brasil enfrente variados tipos de desastres, o incêndio na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria/RS, ocorrido em 2013, serviu para reativar[1] a atenção do poder público e da comunidade em geral sobre a necessidade da prevenção desse risco e da implantação de medidas eficientes para minimizar os danos e os prejuízos, se o desastre,  apesar das precauções adotadas, não puder ser evitado.

Os incêndios urbanos são classificados pelo artigo 7º, §3º, da Instrução Normativa nº 01, de 24 de agosto de 2012, do Ministério da Integração Nacional (BRASIL, 2012) como desastres tecnológicos, por serem originados de “condições tecnológicas ou industriais, incluindo acidentes, procedimentos perigosos, falhas na infraestrutura ou atividades humanas específicas.” Entretanto, já foram classificados como desastres humanos, na categoria social, pela Codificação dos Desastres (CODAR) que vigeu no Brasil até 2012,  até a entrada em vigor da atual Codificação Brasileira de Desastres –COBRADE.

Quanto à evolução, são desastres súbitos ou de origem aguda. Já quanto à gravidade ou intensidade, são classificados como desastres de nível I, se puderem ser suportados pelo governo local e se os danos humanos, materiais e ambientais, bem assim os prejuízos econômicos públicos e privados não ultrapassarem os limites prescritos para essa classificação, que constam do artigo 4º da Instrução referida (BRASIL, 2012).

              A incidência de incêndios guarda relação com as vulnerabilidades do cenário urbano, por atingirem, com frequência, assentamentos precários.  Entretanto, os incêndios urbanos não superam quantitativamente os desastres de origem natural[2] e tampouco recebem muita atenção da literatura especializada[3] ou contam com centralização das estatísticas.  Consoante Seito e outros (2008, p. 355), os dados são obtidos de modo fragmentado, por meio das informações existentes em sítios esparsos na Internet[4] ou solicitando-se ao Corpo de Bombeiros de determinada Federação as informações de interesse para uma determinada pesquisa.

 Os incêndios urbanos podem causar danos humanos, como mortes ou pessoas afetadas, incluindo feridos, enfermos, mutilados, desabrigados, desalojados, desaparecidos; danos materiais, como destruição ou danificação de unidades habitacionais, obras de infraestrutura e de instalações públicas e privadas; danos ambientais, como poluição atmosférica; prejuízos econômicos públicos e/ou privados, conforme o tipo de instalação que vierem a afetar. 

Dentre os desequilíbrios mais visíveis, que podem vir a desencadear um desastre dessa natureza, podem ser mencionados, no caso de assentamentos precários,  alta densidade populacional conjugada com vulnerabilidade econômica e social,  implicando deficientes condições estruturais das habitações, com uso de materiais de construção que facilitam a combustão. A localização espacial desses assentamentos, inclusive, retarda o tempo-resposta da intervenção de salvamento (ARAÚJO, 2012, p. 3), seja pela dificuldade de acesso das viaturas, seja pela inexistência de hidrantes (CARLO, 2008, p. 12). Não são desprezíveis, como causas, vazamento de gás de bujões com explosões, curtocircuitos em instalações elétricas por excesso de carga ou ligações clandestinas, manuseio de explosivos e outros produtos perigosos em locais não adequados, esquecimento de ferro de passar roupa, fogões e eletrodomésticos ligados (CARLO, 2008, p.12).

Igualmente, há de se mencionar a inexistência e/ou o desaparelhamento do Corpo de Bombeiros, em algumas situações com falta de equipamentos (como escada mecânica, plataforma, etc.) e inadequado estado de conservação de veículos (INCÊNDIO..., 2012).

Em relação a incêndios em locais públicos, pode ser mencionada a falta de controle efetivo das lotações e dos materiais de acabamento, bem como de informações aos frequentadores sobre rotas de fuga, além da inexistência ou obstrução de meios de escape (GILL, OLIVEIRA e NEGRISOLO, 2008, p. 31).

Houve também modificações nos sistemas construtivos, que passaram a ser caracterizados pela utilização de grandes áreas sem compartimentação, pelo emprego de fachadas envidraçadas e pela incorporação acentuada de materiais combustíveis aos elementos construtivos (MITIDIERI, 2008, p. 55).

Guimarães, Guerreiro e Peixoto (2008, p. 6) resumem todos esses fatores em duas grandes expressões: “vulnerabilidade por ausência de desenvolvimento e vulnerabilidade devido a um desenvolvimento não sustentável”.

Para evitar ou minimizar a ocorrência desse tipo de desastre, faz-se imperioso adotar medidas correspondentes a todos os ciclos do desastre.

 A fase da prevenção[5] deve voltar-se para a adoção de medidas de redução da probabilidade de ocorrência do desastre (GUIMARÃES, GUERREIRO e PEIXOTO, 2008, p.5), como análise de riscos, elaboração de mapas de riscos e vulnerabilidades, manutenção de sistemas de coleta, tratamento e análise de dados sobre incêndios (CARLO, 2008, p.1), elaboração de plano de emergência,  implantação de programas de prevenção, educação[6] e combate a incêndios, incluindo treinamento de brigadistas e realização de simulados de evacuação,   implantação e divulgação  de rotas de fugas, adequação arquitetônica[7] e instalação de dispositivos corta-fogo e outros dispositivos de proteção passiva[8] e iluminação de emergência. 

Ainda nos momentos anteriores ao desastre, há as fases de mitigação das perdas (executando as ações antecipadas de prevenção), preparo frente às consequências (organizando e planificando a resposta ao evento)  e alerta sobre sua ocorrência (vigilância e monitoramento, com implantação de sistemas de detecção de incêndio e vazamentos, bem como de emissão de sinais sonoros ou luminosos).

Nas fases posteriores ao desastre, as medidas são de resposta à emergência (salvando vidas, reduzindo o sofrimento e protegendo bens), reabilitação dos serviços (comunicação, saúde, logísticos, etc.) e reconstrução (ARAÚJO, 2012, p. 30). Durante a ocorrência, impõe-se a execução de um plano operativo de resposta, que contenha a estrutura organizativa e funcional das autoridades e organismos chamados a intervir no desastre e estabeleça os mecanismos de coordenação e de manejo de recursos (ARAÚJO, 2012, p. 52).

Enfim, verifica-se que muitas são as providências a serem adotadas pelo Poder Público e pela sociedade para a estruturação de sua defesa civil para atuação frente aos desastres. O mais importante de tudo é que essa organização seja feita em períodos de normalidade, para abarcar todos os ciclos dos desastres e não somente os reativos, disseminando uma verdadeira cultura de segurança. 


[1] Outros incêndios com essas proporções foram do Gran Circo Norte-Americano, quando se apresentava em Niterói (RJ), em 1961,  dos Edifícios Andraus, em 1972, e Joelma, em 1974,  ambos na cidade de São Paulo (SP) (GILL, OLIVEIRA E NEGRISOLO, 2008,  p.23-25)

[2] O Brasil é mais afetado por desastres de origem hidrológica, especialmente enxurradas e inundações (BRASIL, 2012, p. 33) sendo que no ano de 2011, de 1.519 desastres,  apresentou 782 enxurradas e 309 enchentes, processos fortemente associados à degradação de áreas frágeis, potencializados pelo desmatamento e ocupação irregular (ARAÚJO, 2012, p. 46) contra 26 desastres não detalhados, que incluem os incêndios urbanos.

[3] Segundo Seito e outros (2008, p. 7) há deficiência de literatura na área, fazendo com que o profissional da segurança contra incêndio seja um autodidata.

[4] O Instituto Sprinkler Brasil realiza estatísticas de incêndios em locais construídos e que poderiam ter sido contornados com o uso de sprinklers, excluídas as residências, a partir da compilação de dados de notícias sobre os chamados “incêndios estruturais”. Segundo o Instituto, em 2013 ocorreram 1.095 incêndios distribuídos entre galpões, comércio,  indústrias, bancos, empresas públicas, escolas, hospitais, aeroportos, entre outros. Isto representa 91 ocorrências noticiadas, em média, por mês. Em 2012, foram noticiadas 755 ocorrências de incêndios estruturais, gerando a média de 40 matérias mensais sobre o tópico (INSTITUTO SPRINKLER BRASIL, 2013). 

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[5] Gill, Oliveira e Negrisolo (2008, p. 22) destacam que as medidas de proteção contra incêndios abrangem cinco etapas: prevenção, que consiste no controle dos materiais combustíveis e das fontes de calor e em treinamento das pessoas para hábitos e atitudes preventivas; proteção, como medidas que objetivam dificultar a propagação do incêndio e manter a estabilidade da edificação; combate, compreendendo recursos humanos e materiais usados para se extinguir incêndios, meios de escape, integrados por medidas de proteção ativas e passivas, que possibilitam, inclusive, o acesso à edificação pelas equipes de resposta; gerenciamento, que abrange a manutenção dos sistemas e a administração da resposta às emergências. Guimarães, Guerreiro e Peixoto (2008, p. 11) mencionam, ao lado da gestão compensatória ou corretiva, destinada à prevenção e correção dos problemas,  a necessidade de gestão prospectiva, como sendo aquela “que procura evitar, ou minimizar,riscos que ainda possam ser gerados em uma comunidade”.

[6] A educação abrange a formação de arquitetos e de engenheiros com conhecimentos em segurança ou engenharia de proteção contra incêndios, inclusive nas modalidades de graduação e pós-graduação, treinamento para técnicos em instalações e manutenção de sistemas de segurança, além de conscientização da população, com implantação de cultura de segurança (CARLO, 2008, p. 6, 10 e 34).

[7] Carlo (2008, p. 10) refere a necessidade de aprovações de projetos, inspeções e o “Habite-se” com exigências no quesito de segurança contra incêndio, compreendendo “projeto da estrutura para resistir aos efeitos do incêndio;  divisão dos espaços internos para prevenir a propagação irrestrita do incêndio;  separação das edificações para prevenir a propagação do incêndio e instalações para controle de incêndio na edificação” .

[8] São mecanismos de proteção passiva escadas seguras, paredes, portas corta-fogo, diques de contenção; armários e contentores para combustíveis; afastamentos; proteção estrutural, controle dos materiais de acabamento (GILL, OLIVEIRA E NEGRISOLO, 2008, p.22)

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Sérgio B. Administração de Desastres :Conceitos & tecnologias. 2012. Disponível em <http://www.defesacivil.pr.gov.br/arquivos/File/AdministracaodeDesastres.pdf>. Acesso em 21 Jun. 2014.

BRASIL, Ministério da Integração Nacional. Anuário Brasileiro de Desastres Naturais 2011. Brasília: CENAD, 2012 Disponível em <http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=e3cab906-c3fb-49fa-945d-649626acf790&groupId=185960>. Acesso em 21 jun 2014.

BRASIL, Ministério da Integração Nacional. Instrução Normativa nº 01,  de 24 Ago. 2012. Disponível em http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=822a4d42-970b-4e80-93f8-daee395a52d1&groupId=301094. Acesso em 22 Jun. 2014

BRASIL, Ministério da Integração Nacional. Reconhecimento de Situação de Emergência e Estado de Calamidade Pública. Brasília, mar 2012. Disponível em http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=f8d7817c-fc50-4b0a-b643-b686ef26cd32&groupId=185960. Acesso em 21 jun. 2014.

CARLO, Ualfrido Del. A segurança contra incêndio no mundo. In: SEITO, Alexandre (Coord.) et al. A segurança contra incêndio no Brasil. São Paulo: Projeto Editora, 2008, Cap. 1, p. 1-7.

GILL, Alfonso Antonio, OLIVEIRA, Sérgio Algassi de, NEGRISOLO, Walter. Aprendendo com os grandes incêndios. In: SEITO, Alexandre (Coord.) et al. A segurança contra incêndio no Brasil. São Paulo: Projeto Editora, 2008, Cap. III, p. 19-32.

GUIMARÃES, Roberto Bastos. GUERREIRO, Juarez Antunes Silva. PEIXOTO, José Augusto Saraiva. Considerações sobre os riscos ambientais e urbanos no tocante aos desastres e emergências. Revista VeraCidade, ano 3, nº 3, Mai. 2008. Disponível em <http://www.ceped.ufsc.br/biblioteca/outros-titulos/consideracoes-sobre-os-riscos-ambientais-e-urbanos-no-tocante-aos-desastre>. Acesso em 22 Jun. 2014.

INSTITUTO SPRINKLER BRASIL. Estatísticas 2013 – 2013. Disponível em <http://www.sprinklerbrasil.org.br/estatisticas/estatisticas-2013/>. Acesso em 22 Jun. 2013.

MITIDIERI, Marcelo Luis. O comportamento dos materiais e componentes construtivos diante do fogo – reação ao fogo. In: SEITO, Alexandre (Coord.) et al. A segurança contra incêndio no Brasil. São Paulo: Projeto Editora, 2008, Cap. V, p. 55-74.

INCÊNDIO atinge prédio comercial no centro de Taubaté. Zona de Risco, 22 Set. 2012. Disponível em http://zonaderisco.blogspot.com.br/2012/09/incendio-atinge-predio-comercial-no.html. Acesso em 22 Jun. 2014.

SEITO, Alexandre (Coord.) et al. A segurança contra incêndio no Brasil. São Paulo: Projeto Editora, 2008, 498 p.

Sobre a autora
Karina Gomes Cherubini

Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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