O papel da família no tratamento de dependentes de álcool e outras drogas

22/08/2014 às 13:42
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Considerações sobre o papel da família no tratamento de dependentes de álcool e outras drogas.

“Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”

Mané Garrincha

A legislação é escassa e insuficiente. Há celeuma legislativa. O tema é atual, palpitante, sugere polêmica e dúvidas. Diz o Amor Exigente que “Pais e Filhos não são iguais”. Mas o comportamento daqueles reflete, indiscutivelmente, na formação da personalidade destes.

A legislação desconhece a complexidade do tema. De fato, o dever de mútua assistência familiar inclui o dever de amparo e cuidado do ente enfermo. Contudo, em temas de dependência química, em regra, tanto o adicto, quanto a sua família, adoecem. Logo, quem deverá prestar amparo e cuidados? Quem adoeceu menos ou mais? Quem adoeceu primeiro? De onde nasceu a doença?

A dependência de álcool e outras drogas funde aspectos biológicos, psicológicos, sociais e comportamentais. O desregramento, a indisciplina, a disfuncionalidade, a ausência de regras e limites no convívio da família e a permissividade são comportamentos jungidos à adicção. É comum a notícia que a família do dependente é disfuncional, no sentido de ser permissiva e facilitadora de comportamentos inadequados, que reforçam o vício.

Neste contexto, as famílias tornam – se dependentes do próprio problema instalado. Sentem – se culpadas e sobrecarregadas, não acreditam em mudanças e melhorias qualitativas de vida (“Ele está bem. Só bebe. Não está trabalhando. Na rua, ele pode até pode até usar droga”), acostumam – se com o que está “ruim(“Ainda bem que ele só fuma maconha”), não identificam nem reconhecem o problema (“Meu filho, é menino muito bom, de coração bom. Não sei por que caiu nisto”), vitimizam – se e empregam boas doses de autopiedade. Essas famílias são designadas codependentes.

Comportamentos típicos de familiares codependentes vão desde a negação da doença (“Meu filho não usa droga quando está comigo. Só usa quando está em má companhia. Ele não é drogado.”), até atitudes mais ousadas e graves, como a mentira, a desonestidade e a manipulação. O padrão comportamental do dependente é muito semelhante ao de seu familiar, codependente.

Em decorrência disto, a reabilitação do adicto requer tratamento concomitante ao de sua família. Afinal, a doença, ao menos em seu aspecto comportamental, tem gênese em hábitos nocivos, por vezes, suportados e adquiridos dentro do próprio seio familiar. Sabe – se que todo comportamento reiterado gera hábito, que por sua vez pode ser viciante. O vício, desta perspectiva, aflora de comportamentos nocivos, que, reproduzidos, tornam – se hábitos viciantes.

A Lei nº 10.216/2001, em seu artigo 3º, estabelece: “É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família...”.

Notem: a família foi eleita como corresponsável pelo resgate do dependente de drogas.

Cumpre ao exegeta, aqui, definir o que vem a ser “participação da família...”.

Para nós, a reorganização familiar mantém posição de saliência no tratamento do quadro de dependência química. A abordagem familiar deve ser considerada como parte integrante do tratamento. Deve ser a família, portanto, no caso de internação compulsória, compelida a se tratar também, é claro, em ambiente ambulatorial, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Grupos de Auto e Mútua Ajuda (“Amor Exigente”, Nar – Anon...), mediante terapia familiar e cognitiva comportamental, tratamento medicamentoso com psiquiatras, dentre outros.

A eficácia do tratamento está condicionada a sua manutenção diária, em razão da cronicidade da doença. Tal dado inclui não só o paciente, mas todo seu núcleo familiar. O amor e afetividade familiar devem ser arquitetados à luz de limites e regras familiares, ética e honestidade, espiritualidade e essência, esforço e trabalho, felicidade e frustrações.

Como bem acentua a jornalista Eliane Brum – “Meu Filho, você não merece nada! (...) Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes”.

Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

mestre e doutor em Direito. É pesquisador e parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Advogado,regularmente inscrito na OAB/SP (204.358), docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) e Professor Universitário.

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