Sistema internacional de prevenção à lavagem de capitais

24/08/2014 às 17:32
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Sabe-se que o combate efetivo à lavagem de capitais é um instrumento estratégico no combate a outros delitos, como por exemplo, o tráfico de entorpecentes e armas, a corrupção. Logo, por ser estratégico, seu combate alcançou interesse internacional.

1 - INTRODUÇÃO

Os sistemas de prevenção e repressão à lavagem de capitais, basicamente, se desdobram em dois âmbitos de atuação: o Sistema Internacional e o Sistema Nacional Antilavagem. Nesse artigo abordaremos apenas o Sistema Internacional.

No contexto do Sistema Internacional Antilavem há dois grupos distintos de combate: os chamados "hard law" e os chamados "soft law". Tais grupos abangem, respectivamente, os tratados internacionais, tais como a Convenção de Viena, a Convenção de Palermo e a Convenção de Mérida, e os organismos internacionais não estatais, tais como o FATF/GAFI e a ONU.

2 - HARD LAW

 O grupo "hard law" abrange os tratados e convenções internacionais celebrados entre os sujeitos de direito internacional público. A sua principal característica é vincular juridicamente seus signatários, criando direitos e obrigações juridicas.

O primeiro tratado internacional a mencionar a lavagem de dinheiro é a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, surgida em 1988. Essa convenção também é denominada de Convenção de Viena.

DE CARLI (2012, p. 143), além de outras, sintetiza muito bem a principal função dessa convenção ao mencionar que

“(...), a Convenção impõe aos Estados-parte o dever jurídico de adotar providencias de natureza penal sobre quem converter ou de transferir bens fruto de delitos relacionados ao tráfico internacional de drogas, bem como a ocultação ou o encobrimento da natureza, da origem, da localização, do destino, da movimentação ou da propriedade verdadeira de bens, sabendo que procedem de alguns daqueles delitos. Respeitando os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais do ordenamento de cada Estado-parte, a Convenção prevê a criminalização ainda da aquisição, da posse ou da utilização de bens, quando quem os recebe tem conhecimento de que procedem de algum dos delitos nela mencionados.”[1]

O Brasil assinou essa Convenção, que foi incorporada ao direito interno em 26 de junho de 1991 através do Decreto 154/91. 

Outro importante instrumento internacional é a Convenção das Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, assinada em 1999 na cidade de Palermo, na Itália, tendo como finalidade prevenir e combater a criminalidade organizada transnacional.

Segundo DE CARLI (2012, p. 150),

“o texto impõe novamente aos Estados-parte a obrigação jurídica de criminalizar a lavagem de produto de crime. O art. 6° trata da conversão ou da transferência de bens de origem criminosa sem alterar a estrutura do tipo já descrito na Convenção de Viena. A diferença entre elas, certamente, é a que a primeira Convenção limita os delitos antecedentes àqueles relacionados ao tráfico de drogas, enquanto a Convenção de Palermo amplia o âmbito dos antecedentes à participação em grupo organizado, à corrupção, à obstrução da justiça e a todos os crimes graves (pena máxima de quatro anos ou mais). A segunda modalidade de lavagem  - ocultação ou encobrimento – é descrita de forma idêntica à anteriormente prevista pela Convenção de Viena. Com relação à receptação de bens lavados, as disposições são idênticas nas duas Convenções.”[2]

O Brasil assinou essa Convenção, que foi incorporada ao direito interno em 12 de março de 2004 através do Decreto 5.015/04.

Além desses, outros tratados também são importantes na prevenção da lavagem de dinheiro, quais sejam, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – a Convenção de Mérida – assinada em 2003 e a Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, assinada em 1999.

O Brasil assinou ambas as convenções, que foram incorporadas ao direito interno, respectivamente, em 31 de janeiro de 2006 através do Decreto 5.687/06 e em 26 de dezembro de 2005 através do Decreto 5.640/05.

3 - SOFT LAW

O grupo “soft law”, segundo MACHADO (apud DE CARLI, 2012, p.155) abrange os “instrumentos elaborados por Estados e atores não estatais, não vinculantes juridicamente, mas que influenciam a conduta dos Estados, das organizações internacionais e dos indivíduos.”[3]

O principal organismo de prevenção à lavagem de dinheiro é o conhecido FATF/GAFI (Financial Action Task Force ou Groupe d’Action Financière), criado em 1989, na França, pelo G-7 (sete países mais ricos do mundo – EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Japão).

A finalidade do FATF/GAFI é o desenvolvimento de políticas internacionais para o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Conforme anota BALLÃO (2007, p. 119),

"(...) o GAFI se destaca no plano internacional justamente por sua contribuição à abordagem preventiva de combate à lavagem de dinheiro. As quarenta recomendações elaboradas e atualizadas pelo GAFI desde 1990 são consideradas o padrão internacional no tocante às normas preventivas de combate à lavagem de dinheiro (...).”[4]

Em 1990, o grupo expediu um relatório que ficou conhecido como as “40 Recomendações”. Em seguida, após os ataques terroristas em Nova Iorque contra as torres do World Trade Center, o grupo anexou mais 9 Recomendações Especiais a esse relatório. As Recomendações fixam princípios de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro. Nesse sentido, conforme dispõe BALLÃO (2007, p. 120), “esses princípios tratam de 3 pontos específicos em relação à lavagem de dinheiro: melhora dos sistemas legais nacionais, aumento do papel do sistema financeiro e fortalecimento da cooperação internacional.”[5].

A título de exemplo, podemos destacar as Recomendações 4 até 25, que tratam de medidas direcionadas ao sistema financeiro, como questões de comunicação de operações suspeitas, regras para identificação dos clientes e manutenção de arquivos e criação de unidade de inteligência financeira.

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Atualmente, as Recomendações do FATF/FGAFI são adotadas por mais de 130 países, incluindo o Brasil, porém são direcionadas a todos os Estados e territórios do mundo. Além disso, foram reconhecidas pelo FMI e pelo Banco Mundial como os Padrões Internacionais a serem seguidos no combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

Ao lado do FATF/GAFI, outros organismos também atuam na prevenção e repressão da lavagem de dinheiro.

No cenário internacional, destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU, em 1997, criou, entre outras medidas, o GPML (Programa Global contra Lavagem de Dinheiro), com a finalidade de ajudar os Países membros a implementarem medidas antilavagem e contra o financiamento do terrorismo.

 Já no cenário regional, em especial na Região da América Latina, podemos destacar o CICAD, uma agência da Organização dos Estados Americanos (OEA), que atua no controle da lavagem de dinheiro desde o final dos anos oitenta. Dentre suas atribuições, o CICAD possui uma Unidade Antilavagem de Dinheiro, que assegura assistência técnica e treinamento aos países membros, proporcionando, por exemplo, legislações modelo.

4 - CONCLUSÃO

Assim, ante o exposto podemos concluir que o combate à lavagem de capitais faz parte de uma estratégica internacional que visa reduzir drasticamente a prática de diversos crimes, principalmente aqueles que produzem um alto rendimento, como o tráfico de drogas e armas, a corrupção, entre outros.

Em âmbito internacional, a política criminal de combate à lavagem se baseia a conferir subsídios aos Estados para que estes possam, com sua autonomia e soberania, legislar e traçar estratégicas a combater tanto o delito antecedente como a lavagem em seus territórios. Tais subsídios se concentram principalmente no estudo das tipologias da lavagem, dos principais crimes praticados como antecedente da lavagem e de mecanismos de combate à lavagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALLÃO, Wilson José Spinelli Andersen. O papel da Financial Action Task Force on Money Laudering no combate internacional à lavagem de dinheiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2007. Disponível em: [www.dominiopublico.gov.br]. Acesso em: 19/12/2013.

BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

______. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. Uma reflexão sobre as dificuldades da investigação criminal do crime de lavagem de dinheiro. Revista Justitia . n. 197. São Paulo, jul./dez. 2007. Disponível em: [www.justitia.com.br/revistas/061134.pdf]. Acesso em: 07/10/2013

MENDES, Eunice de Alencar. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro. Revista CEJ. vol. 6. n. 16. Brasília, jan.-mar. 2002. Disponível em: [www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/894/1074]. Acesso em: 10/11/2013.


[1] CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 143.

[2] CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 150.

[3] CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 155.

[4] BALLÃO, Wilson José Spinelli Andersen. O papel da Financial Action Task Force on Money Laudering no combate internacional à lavagem de dinheiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2007, p. 119.

[5] BALLÃO, Wilson José Spinelli Andersen. O papel da Financial Action Task Force on Money Laudering no combate internacional à lavagem de dinheiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2007, p. 120.

Sobre o autor
Andre Franco de Freitas

Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Informações sobre o texto

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