A prevalência da paternidade socioafetiva em face da paternidade biológica

27/08/2014 às 14:20
Leia nesta página:

A preponderância da paternidade socioafetiva em detrimento da biológica à luz do sistema atual.

Introdução

O direito é dinâmico, o que justifica a alteração substancial de diversos conceitos, em especial no Direito de família.. Neste em especial, há a questão da paternidade e filiação. Como consequência da evolução social, marcado pela maior independência da mulher, maior libertação sexual, e também pela maior atenção aos direitos humanos ocorreu uma mudança no conceito de paternidade.

O presente trabalho tem como escopo apresentar o tema da paternidade socioafetiva em face da biológica, e a preponderância daquela em face desta aliada com o Direito do(a) filho(a) em saber sua ascendência biológica, tema abarcado pelo Biodireito.

1.       Da paternidade biológica

  Conforme lições de Boeira, na seara das ciências biológicas, a paternidade biológica “decorre do fato da concepção e geração de um ser, como fruto da união sexual de outros dois seres, masculino e feminino, no entanto nem sempre existe uma perfeita coincidência entre a filiação natural e a jurídica. Para ser declarada a paternidade jurídica, não é suficiente a ascendência biológica, pois necessita de um agir qualificado que é o reconhecimento. E este ainda pode operar-se voluntariamente, por declaração judicial, ou por força da técnica jurídica criadora das presunções. Assim, embora todo filho tenha um pai do ponto de vista biológico, pode atravessar a vida inteira sem obter o estado de filiação paterna, juridicamente sendo filho sem pai ou filho de pai desconhecido”[1].

            A partir disso, observa-se que entre a seara jurisdicional e biológica há o Direito como mediador, no caso por exemplo da submissão ao exame  e ao reconhecimento para então produzir os efeitos jurídicos. Destarte, a terminologia “paternidade biológica” ficaria melhor representada se substituída por “ascendência biológica”.

2.         Da paternidade socioafetiva

            Refere-se às emoções, sob a seara da “alma”, relacionada aos afetos e sentimentos, em que na maioria das vezes unem pai e filho, sendo esta também uma relação jurídica e por conseguinte abarcada pelo direito, entretanto, esta não é gerada pelo Direito.

Há também a  possibilidade do reconhecimento legal da paternidade socioafetiva respaldada pelo  Código Civil de  atual ,disposto no art 1.593 que nos apresenta  outras hipóteses de parentesco quando dispõe que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. É essa disposição da lei, que pode dar base à  “paternidade socioafetiva”, ainda que não tenha tido essa intenção o nosso legislador. O insigne Nicolau Jr. reforça dizendo, “[...] não é permitido ao intérprete restringir e reduzir o campo de incidência que o legislador não restringiu ou reduziu”[2].

Explana  Maria Berenice Dias que ”a filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. A necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva”[3].

Neste sentido,  Belmiro Pedro Welter nos apresentar  quatro  espécies de filiação socioafetiva:  a) filiação afetiva na adoção judicial sendo um ato de vontade e ato jurídico, exteriorizado  em um contrato ou julgamento; b) filiação sociológica do filho de criação quando mesmo não havendo vínculo biológico ou jurídico (adoção), alguém educa uma criança por mera opção, abrigando-o em um lar, tendo por fundamento o amor entre seus integrantes; c) filiação afetiva na adoção à brasileira, prática difundida de proceder ao registro de filho biológico de outrem, como próprio, descabendo, em tese, a ulterior pretensão anulatória do registro de nascimento; d) filiação eudemonista no reconhecimento voluntário e judicial da paternidade e da maternidade, quando alguém comparece no Cartório de Registro Civil, de forma livre e espontânea, solicitando o registro de alguém como seu filho, não necessita de qualquer comprovação genética.[4]

 
3.         Da cultura Brasileira

            Infelizmente, a cultura brasileira ainda leva consigo o paradigma dos laços consanguíneos, deixando sempre evidenciada a questão da herança genética, principalmente sendo usada como fator de afirmação da família, herança do código civil de 16, legislação esta que fora revogada e que vedava o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos, além de restringir os direitos do adotado. Todavia, o Código Civil atual está em prol da paternidade de qualquer origem, não apenas  a biológica, como nos ensina  Lobo  “ encerrou-se definitivamente o paradigma do CC anterior, que estabelecia a relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos. Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética[5].

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Na carta magna de 88, houve várias inovações acerca desse tema, em que todos os filhos independentes se gerados na constância da comunhão do casamento ou fora deste, assim como os advindos da adoção, gozam dos mesmos direitos, sem quaisquer relações discriminatórias. Nascendo, então, não só pelo permissivo legal, mas também um novo conceito, a paternidade socioafetiva, na qual um terceiro, sem qualquer vinculo consanguíneo  nem imposição legal, recebe uma criança como filho, tendo como norte o sentimento de afeto e amor. Pai e mãe, desta forma, pelo novo perfil da família, não são aqueles que cederam o material procriativo e sim aqueles que criaram, educaram e dispensaram afeto e carinho, procurando conferir um ambiente perfeito e responsável para que a criança possa desenvolver suas qualidades, viver em harmonia e atingir a plena realização. É o demonstrativo mais sincero de que o afeto fala mais alto do que qualquer prova sanguínea.

4.         Da prevalência da paternidade socioafetiva em face da biológica

                         Á luz do ECA, em seu art. 48, há a possibilidade de o filho adotado pleitear o reconhecimento de sua origem genética, não contrariando em nada a paternidade afetiva já firmada, pois trata-se de exercício do biodireito de conhecer  sua cadeia genética. A 4ª turma do STJ, em processo que teve como relator o ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, essa afirmação seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva”.[6]

            Se em um eventual exame de DNA, sob interesse do adotado em conhecer seu pai biológico, tem-se que a interpretação mais coerente seja a de manter a paternidade socioafetiva(registral), sem o prejuízo da paternidade biológica, pois a relação afetiva, na maioria das vezes, dá azo a um vínculo muitos maior, marcado pelo envolvimento emocional que marcam as pessoas que participam desse vínculo. Sendo até mesmo contraditório que o pai biológico, após muitos anos sem se interessar na prole , de repente vir a ocupa o espaço daquele que até então dedicou esforços e comprometimento na formação e educação da criança.

Conclusão

A Constituição Federal de 88 e o Código Civil vigente proclamam a isonomia de direitos entre filhos, independente se da constância do laço consanguíneo ou afetivo, o que não era abarcado no sistema anterior. O Estatuto da Criança e do Adolescente também dá guarida para que, se do interesse da pessoa, possa descobrir sua origem biológica. A questão suscitada do embate entre a paternidade socioafetiva e biológica é resolvida na prevalência daquele em face deste. Pois o perfil da família, não é aquele que cede o material procriativo e sim aqueles que criaram, educaram e dispensaram afeto e carinho, procurando conferir um ambiente perfeito e responsável para que a criança possa desenvolver suas qualidades, viver em harmonia e atingir a plena realização.

 


[1] BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho, p.60. Revistas dos Tribunais, São Paulo: 1999.

[2]NICOLAU, Mauro Júnior. Paternidade e coisa julgada: Limites e Possibilidades à luz dos Direitos Fundamentais e dos Princípios Constitucionais. Curitiba: Juruá, 2006.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 59. 4 ed. Revista dos tribunais, São Paulo:2011.


[4] WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Paternidade%20socioafetiva%20em%20face%20da%20paternidade%20biol%C3%B3gica.docx#_ftnref5">[5] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula 301 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006 .

[6] O número e o processo não foram divulgados em razão de sigilo judicial.

Referências Bibliográficas

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho, p.60. Revistas dos Tribunais, São Paulo: 1999.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 59. 4 ed. Revista dos tribunais, São Paulo:2011.

NICOLAU, Mauro Júnior. Paternidade e coisa julgada: Limites e Possibilidades à luz dos Direitos Fundamentais e dos Princípios Constitucionais. Curitiba: Juruá, 2006.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula 301 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006 .


            WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Sobre o autor
Rafael Santana Frison

Estudante de graduação na Universidade Estadual de Londrina

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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