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A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil

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CAPÍTULO II – DAS ENTIDADES FAMILIARES

O direito de família brasileiro atualmente deve ser visto sob um ângulo pluralista. Novas formas de convívio vêm sendo improvisadas em torno da necessidade, motivo pelo qual o antigo modelo de família, formada exclusivamente pela união de um homem e uma mulher, por meio do casamento, cercados de filhos, não condiz mais com a realidade e necessidades sociais.[24]

Frise-se, inclusive, que, apesar da Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, elencar expressamente apenas três tipos de entidades familiares (casamento, união estável e família monoparental), tal rol é meramente enunciativo, uma vez que as relações de família foram funcionalizadas pela Constituição em razão da dignidade da pessoa humana. Não é concebível, portanto, a ideia de proteção somente para algumas entidades familiares, afastando-se a tutela jurídica das demais.[25]

Nas palavras de Guilherme Giacomelli Chanan:

A Constituição, em seu preâmbulo, afirma que o Estado está destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos, não podendo a própria Constituição limitar ou excluir esses direitos.

Com base nesta afirmação, funda-se a afirmação de que a relação contida no art. 226 é meramente enunciativa, uma vez que não excluiu expressamente da Constituição a existência de outras entidades familiares, o que poderia ter feito, embora tal exclusão causasse enorme contradição entre os dispositivos contidos na parte relativa à família e aos princípios estabelecidos no preâmbulo.[26]

2.1.      Do casamento

Casamento tanto significa o ato de celebração do matrimônio, como a relação jurídica que dele se origina, ou seja, a relação matrimonial. O sentido da relação matrimonial melhor se caracteriza pela expressão comunhão de vidas, de afeto.[27] Tal sentido, contudo, conforme já evidenciado, é característico de qualquer relação familiar, seja ela matrimonializada ou não.

Por sua vez, em relação ao ato de celebração do matrimônio, este se caracteriza como um vínculo entre os noivos que passam a desfrutar do estado de casados. Segundo Paulo Lôbo, “casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.[28]

2.1.1.Características e natureza jurídica

O que peculiariza o casamento é o fato de sua constituição depender de ato jurídico complexo, ou seja, de manifestações e declarações de vontade sucessivas, fruto da oficialidade de que é revestido, pois sua eficácia depende de atos estatais.[29] Assim, enquanto as demais entidades familiares são constituídas livremente, por meio de fatos sociais aos quais o direito empresta conseqüências jurídicas, o casamento é constituído pela sucessão de atos estatais.

Tal entidade, contudo, ainda se caracteriza pela liberdade de escolha entre os nubentes, pelo fato de ser a legislação matrimonial de ordem pública - estando acima de convenções entre as partes e pela união permanente e exclusiva.

Bastante polêmica, contudo, é a discussão acerca da natureza jurídica do casamento. As divergências doutrinárias são tantas que ensejaram no surgimento de três correntes: doutrina individualista ou contratualista; institucional e eclética. A primeira corrente, influenciada pelo direito canônico, vê no casamento um contrato civil, regido pelas normas comuns a todos os contratos, aperfeiçoando-se pelo simples consentimento dos nubentes.[30]

A corrente institucionalista, por sua vez, vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam, ou seja, o conjunto de normas imperativas em que ingressam os nubentes. Segundo esta corrente, uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade dos nubentes é imponente, sendo automáticos os efeitos da instituição.[31]

Por fim, a doutrina eclética, ou mista, vê o casamento como um ato complexo, um contrato, quando da sua formação, e uma instituição, no que diz respeito ao conteúdo.

Contudo, nos dizeres de Maria Berenice, “tal discussão, ainda que tradicional, se revela inútil e estéril”,[32] uma vez que, sob a ótica do Estado, elemento estruturante da própria sociedade organizada, prevalece a concepção institucional; sob a ótica dos noivos, contudo, mas do que o campo da vontade, prevalece o domínio dos sentimentos e, por conseguinte, a corrente contratualista.  

2.1.2.Direitos e deveres de ambos os cônjuges

Sob plano da eficácia do casamento, o Código Civil tutela os direitos e deveres entre os cônjuges. Tal plano, frise-se, sofreu profunda modificação em decorrência da radical mudança de paradigmas da família e do casamento, consumada na Constituição Federal de 1988, sobretudo com a imposição de igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher na sociedade conjugal.

Ressalte-se que, nessa longa trajetória da emancipação feminina e da consequente superação da família patriarcal, dois preceitos da Carta Magna de 1988 constituíram epílogo para tal mudança, a saber: o art. 5º, inciso I e o art. 226, § 5º. Foi a partir de tais normas, que pôde o Código Civil de 2002 suprimir os deveres particulares do marido e da mulher, um dos pilares da desigualdade de tratamento legal entre os cônjuges.

O homem e a mulher, portanto, passaram a assumir mutuamente a condição de responsáveis pelos encargos da família, respeitando a dignidade e as necessidades de cada membro, inclusive dos filhos, se houver, por meio de um rol de direitos e deveres aplicados de forma igualitária para ambos os cônjuges.

Os direitos e deveres estipulados no art. 1.566 do CC e que serão analisados no presente trabalham são: fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos.

2.1.2.1.Dever de fidelidade recíproca

A fidelidade recíproca sempre foi entendida apenas como impedimento de relações sexuais com terceiros, representando a natural expressão da monogamia. Historicamente, contudo, voltava-se em grande medida, ao controle da sexualidade feminina, a fim de proteger a paz doméstica e evitar a turbatio sanguinis.

Dessa forma, a monogamia – que só era monogamia para a mulher – não foi fruto do amor sexual individual, mas uma mera convenção decorrente do triunfo do patriarcalismo, uma vez que a constituição da família pelo casamento tinha como finalidade a procriação de filhos do patriarca, haja vista estes estavam destinados a se tornarem os herdeiros de sua fortuna.

Os valores hoje dominantes no direito de família, contudo, não reputam mais tal dever para a manutenção de uma sociedade conjugal, que faz do casamento, não uma comunhão de afetos e interesses de colaboração e companheirismo, mas um instrumento de repressão sexual e de represália de um contra o outro, quando o relacionamento chega ao seu fim. Assim, mesmo sendo indicado na lei como requisito obrigacional, a mantença da fidelidade trata-se de um direito cujo adimplemento não pode ser exigido em juízo.

Ademais, ressalte-se que, se eventualmente um ou ambos os cônjuges não cumprirem tal dever, tal fato em nada afeta a existência, validade ou mesmo eficácia do vínculo matrimonial.[33]

Segundo Maria Berenice:

Pode-se assim dizer que a fidelidade, enquanto dever de um e direito do outro, vige durante o casamento, mas só serve de fundamento para justificar a busca do seu término. A imputação de culpa pelo descumprimento do dever de mútua fidelidade não permite buscar seu adimplemento durante a constância do vínculo matrimonial, concedendo tão-só um direito à separação.[34]

Portanto, se a fidelidade não é um direito exeqüível e a infidelidade não mais serve como fundamento para a separação – haja vista que na atualidade a perquirição de culpa não é pressuposto para a chancela do pedido de separação, bastando apenas a vontade de um dos cônjuges – nada justifica a permanência da previsão legislativa. Ninguém é fiel por determinação legal, nem deixará de sê-lo por falta de norma legal, uma vez que não é a imposição legal que consolida ou estrutura o vínculo conjugal, mas, simplesmente, a presença dos laços de afeto, de solidariedade e fraternidade.

2.1.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos

Foi introduzido no direito brasileiro pela Lei nº 9.278/96, que regulamentou a união estável. O Código Civil, inexplicavelmente, trouxe-o para os cônjuges, mantendo, em conjunto com o dever de fidelidade. A tendência do direito matrimonial, contudo, é a substituição deste último pelo dever de respeito e consideração mútuos, mais adequado aos valores atuais, como fez a lei brasileira da união estável.

Dito dever, frise-se, consulta a dignidade dos cônjuges, podendo a lei delegar a responsabilidade de qualificá-lo, segundo os valores que compartilhem, sem interferência do Estado na privacidade e intimidade do casal, como ocorre com o dever de fidelidade.

Ressalte-se ainda que o mesmo caracteriza-se como um dever de abstenção em face dos direitos pessoais do outro, mas não apenas, pois impõe prestações positivas de defesa de valores comuns, tais como a honra solidária, o nome de família, o patrimônio moral comum, etc.[35]

2.1.2.3.Dever da vida em comum, no domicílio conjugal

Também denominado de dever de coabitação, é o estado de pessoas de sexo diferentes que vivem juntas na mesma casa, convivendo sexualmente.

Existem, pois, dois aspectos fundamentais decorrentes de tal dever: o imperativo de viverem juntos os consortes e de prestarem mutuamente o débito conjugal, ou seja, o direito-dever de ambos os cônjuges de realizarem, entre si, o ato sexual.

Durante muitos anos, prevaleceu o sentido de relacionamento sexual. Este fez sentido durante a sociedade patriarcal, na qual se reservava à mulher os papeis domésticos e ao homem, o de provedor. Atualmente, contudo, prevalece o aspecto de comunidade de vida ou de vida em comum, em união durável, na mesma habitação. O imperativo sexual, contudo, não deixou de existir, mas transformou-se em um dever de ambos os cônjuges, e não mais apenas da mulher em relação ao marido.

Assim, conforme dispõe Maria Helena Diniz:

Um cônjuge tem direito sobre o corpo do outro e vice-versa, daí os correspondentes deveres de ambos, de cederem seu corpo ao normal atendimento dessas relações íntimas, não podendo, portanto, inexistir o exercício sexual, sob pena de restar inatendida essa necessidade fisiológica primária, comprometendo seriamente a estabilidade da família. Sendo recíproco o dever de coabitação, ambos são devedores dessa prestação, podendo um exigir do outro o seu cumprimento.[36]

É importante ressaltar, contudo, que assim como o dever de fidelidade, o dever em questão não deve ser fruto da imposição legal, mas da construção e renovação contínua dos laços de afeto.

Ademais, tal dever não é a essência do matrimônio, uma vez que a própria legislação admite em hipóteses específicas o casamento de pessoas que não estão em condições de cumprir o dever ora tratado, seja no âmbito sexual ou de vida em comum. É o caso, por exemplo, do casamento realizado in extremes ou de pessoas idosas, ou ainda quando do exercício de profissão em outra localidade, entre outros.

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2.1.2.4.Dever de mútua assistência

Deve haver entre aos consortes atenção às características materiais e espirituais, requerendo os deveres de cuidado, assistência e participação nos interesses do outro cônjuge. Decorre do princípio da solidariedade familiar, não podendo nenhuma convenção particular afastá-lo, uma vez que é uma exigência de ordem pública.

A assistência moral diz respeito às atenções e cuidados devotados a pessoa do outro cônjuge, decorrente dos laços de amizade e afetividade em seu grau mais elevado. Caracteriza-se pelo apoio moral, carinho, desvelo. A assistência material, por sua vez, que alguns denominam de dever de socorro, diz respeito ao provimento dos meios necessários para o sustento da família, em conformidade com os rendimentos e as possibilidades econômicas de cada cônjuge.

O descumprimento do dever de assistência material, frise-se, converte-o em dever de alimentos, o qual pode ser exigido pelo cônjuge, dentre dos parâmetros de possibilidade e necessidade, ainda que não tenha havido separação de fato.

2.1.2.5.Dever de sustento, guarda e proteção dos filhos

Tanto o pai, quanto a mãe têm o ônus de contribuir para as despesas dos filhos, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, qualquer que seja o regime matrimonial de bens.

Alguns autores, dentre eles Paulo Lôbo, afirmam que dito dever é, na realidade, dever e direito, pois interessa a cada um dos pais a formação, sanidade e convivência com seus filhos,[37] motivo pelo qual os pais só podem ser privados de tal direito, excepcionalmente, por sentença judicial e em atenção aos interesses dos menores.

Ao estabelecer o dever de sustento, o Código abordou o aspecto material, ou seja, as despesas com a sobrevivência adequada e compatível com os rendimentos dos pais, e ainda com a saúde, lazer, cultura e educação dos filhos. A guarda, por sua vez, é onde mais se observa a existência do “direito-dever”, especificamente no que concerne à convivência familiar, considerada prioridade absoluta da criança.

Por fim, a educação, empregada pelo Código Civil em sentido amplo, inclui a cultura, o desenvolvimento, preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho.

O descumprimento do dever em questão, frise-se, acarreta diversas consequências, as quais variam desde condenação a pagamento de alimentos, a perda do poder familiar.

2.2.Da união estável

A Constituição Federal de 1988, ao garantir especial proteção à família, de forma exemplificativa, citou algumas das entidades familiares, mas não as desigualou. Limitou-se, pois, a elencá-las, mas não lhes dispensando tratamento diferenciado.

Nos dizeres de Maria Berenice:

O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles. Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras da mesma proteção.[38]

A união estável, diferentemente do casamento, caracteriza-se por ser uma entidade recente, sendo legitimada pela primeira vez pela Carta Magna de 1988, a qual acabou por reconhecer juridicidade ao afeto, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo da afetividade à categoria de entidade familiar.

Tal entidade nasce da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de um ato jurídico, em face de direitos que surgem dessa relação. Frise-se, contudo, que, apesar da união estável ser o espaço do não instituído, à medida que é regulamentada vai ganhando contornos do casamento. Assim, aos poucos, tal entidade vai deixando de ser uma união livre, para ser uma união amarrada às regras impostas pelo Estado e, por conseguinte, sujeita a direitos e deveres, assim como o casamento.[39]

O Código Civil incluiu a união estável no último capítulo do livro do direito das famílias. A justificativa do legislador para tal fato foi a de que essa entidade foi reconhecida pela primeira vez pela Constituição de 1998, quando o Código já estava em elaboração. Porém, inserir a união estável tão distanciadamente do capítulo do casamento revela apenas resistência do legislador para reconhecê-la como entidade familiar de igual status, em desconformidade com a própria Constituição Federal. Dessa forma, apesar de ser o casamento e a união estável merecedoras da mesma e especial tutela do Estado, em que pese tal equiparação constitucional, a lei, de forma retrógrada e equivocada, outorgou à união estável tratamento notoriamente diferenciado em relação ao matrimônio.

O Código Civil de 2002 reconheceu como união estável a convivência pública, duradoura e contínua entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.  

Conforme se verifica, o legislador, para reconhecer a união estável socorreu-se da idéia de família como parâmetro para conceder-lhes efeitos jurídicos, de forma a verificar a existência de uma quase simetria entre o casamento e a união estável. A divergência decorre apenas da constituição: enquanto o casamento tem seu início marcado pela celebração do matrimônio, a união estável não tem termo inicial estabelecido, nascendo da consolidação do vínculo de convivência e do embaralhar do patrimônio.

De forma simplificada, nos dizeres de Guilherme Calmon, podemos conceituar união estável como a “união extramatrimonial monogâmica entre o homem e a mulher desimpedidos, como vínculo formador e mantenedor da família, estabelecendo uma comunhão de vida e d’almas, de forma duradoura, contínua, notória e estável”.[40]

2.2.1.Características e natureza jurídica

A lei não imprime à união estável contornos precisos, limitando-se a elencar de forma sucinta suas características. Dentre as principais características do companheirismo, destacamos: a) objetivo de constituição de família; b) estabilidade; c) unicidade de vínculo; d) notoriedade; e) continuidade; e f) ausência de formalismo. Das respectivas características, apenas as três primeiras são comuns ao casamento. A notoriedade e continuidade, apesar de presentes na maioria dos casamentos, não são exigidas para o mesmo; enquanto que a ausência de formalismo nunca pode caracterizar o casamento, em virtude da solenidade ínsita ao matrimônio.[41]

A união extramatrimonial entre um homem e uma mulher precisa, necessariamente, visar a constituição de uma família, para que possa ser caracterizada como companheirismo, caso contrário, o vínculo entre os partícipes não estaria sujeito às regras do direito de família, não sendo abrangido pela norma contida na Constituição Federal (art. 226, § 3º). Fica a ressalva, contudo, de que a constituição de família não está atrelada a procriação de filhos. A procriação caracteriza-se como forma de perpetuar a existência daquele organismo familiar, mas inexiste obrigatoriedade, seja para o casamento, seja para a união estável.

Em relação à estabilidade, de acordo com a própria previsão constitucional, o companheirismo deve ser estável, ou seja, duradouro, não podendo se revestir de instabilidade; enfim, a união não pode ser efêmera, passageira, formada a título meramente experimental. Dentro desse contexto de estabilidade, compreende-se a existência de uma união sólida, construída com bases sedimentadas, não formadas pelo simples desejo instintivo.

A união estável deve ser caracterizada ainda como o único vínculo existente para ambos os companheiros, ou em termos sintéticos, deve se tratar de uma união monogâmica. Assim, havendo outro vínculo anterior, matrimonial ou não, de um dos partícipes da nova relação, a nova união será considerada concubinária, e não fundada no companheirismo.

A notoriedade, por sua vez, diz respeito a ser reconhecida socialmente, ainda que por um grupo restrito, a união de um homem e uma mulher como se casados fossem.

Apesar da lei não estabelecer um lapso temporal mínimo, a união extramatrimonial deverá ser contínua, ou seja, ininterrupta, protraindo-se no tempo sem lapsos, caracterizando-se pela sua durabilidade e continuidade.  

Por fim, característica típica da união estável, em contraposição ao casamento, é a ausência do formalismo. Ou seja, inexiste qualquer obrigatoriedade aos partícipes da relação de observarem normas relativas ao casamento ou a qualquer outro ato solene para a formação do companheirismo, nascendo este exclusivamente da convivência.

Acerca de tal assunto, complementa Maria Berenice que:

Com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, começando as duas pessoas a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento transforma-se em uma unicidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor de tutela jurídica como uma entidade. [42]

Para definir a natureza da união estável, faz-se necessário, antes, classificar os fatos jurídicos em três tipos: fatos jurídicos em sentido estrito ou involuntários; atos-fatos jurídicos ou atos reais; e atos jurídicos em sentido amplo ou voluntário. Considerando-se o papel da manifestação de vontade, tem-se que nos fatos jurídicos em sentido estrito, não existe vontade ou esta é desconsiderada; no ato-fato jurídico, a vontade está em sua gênese, mas o direito a desconsidera e apenas atribui juridicidade ao fato resultante e, por fim, no ato jurídico, tem-se a vontade como elemento nuclear. A partir de tal classificação, o casamento é ato jurídico formal e complexo, enquanto que a união estável é ato-fato jurídico.[43]

E é exatamente por ser ato-fato jurídico que a união estável não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus efeitos jurídicos, bastando a sua configuração fática para que haja incidências das normas constitucionais e legais.

2.2.2.Direitos e deveres

Por ser a convivência a geradora do estado de casado, o sistema jurídico brasileiro, ainda que mantendo as singularidades de cada entidade familiar, aproximou as regras estruturais dos direitos e deveres entre cônjuges e entre companheiros e entre estes e os filhos.

Frise-se, desde o início, que, em virtude do princípio da igualdade jurídica entre filhos, não há qualquer distinção entre as relações paterno-filiais na família constituída pelo casamento ou pela união estável. Ademais, no âmbito dos direitos pessoais, aplicam-se as mesmas regras sobre o poder familiar, a filiação, o reconhecimento dos filhos, adoção e demais relações de parentesco.

Entre si, os companheiros assumem direitos e deveres de lealdade, respeito e assistência. Ficam excluídos, pois, os deveres de fidelidade recíproca e vida em comum no domicílio conjugal, exigíveis aos cônjuges.

Inexiste, pois, na união estável a imposição de vida em comum, nada sendo dito sobre o domicílio familiar; não sendo exigida a coabitação para configuração da união estável.

2.2.2.1.Dever de lealdade

Conforme se verifica, existe uma simetria entre os deveres recíprocos dos cônjuges e companheiros. Contudo, ao listar os deveres deste último, o Código Civil não mencionou o dever de fidelidade, substituindo-o pelo de lealdade.

O dever de fidelidade, conforme supracitado, é tradicionalmente definido como o impedimento de relações sexuais com terceiros, voltando-se, historicamente, ao controle da sexualidade feminina. Tal dever, contudo, não mais condiz com a realidade, de forma que o legislador acabou por “atualizá-lo” em relação aos companheiros, sem, contudo, eliminar a sua essência.  

Surge assim o dever de lealdade, significando a exigência de honestidade mútua e respeito entre os companheiros, razão pela qual também implica no dever de fidelidade.

Dentre as principais conseqüências decorrentes de tal dever, destacamos, obviamente, a proibição dos companheiros de se relacionarem sexualmente com outras pessoas e que os vínculos paralelos, constituídos na vigência de uma união estável, ainda que públicos, não poderão ser classificados como companheirismo, sob pena de violação do dever lealdade.

2.2.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos

Tal dever foi introduzido no direito brasileiro pela Lei n 9.278/96, que regulamenta a união estável, sendo posteriormente acrescentado também para os cônjuges.

Possui, portanto, o mesmo significado e aplicação tanto em relação aos cônjuges, quanto aos companheiros, impondo tanto o dever de abstenção, quanto de prestações positivas de defesa de valores comuns, visando sempre a dignidade da pessoa humana. Configura, pois, obrigação natural, sendo juridicamente inexigível, além de consistir em causa de dissolução.

2.2.2.3.Dever de mútua assistência

Por fim, assim como em relação aos cônjuges, o dever de assistência é moral (direito pessoal) e material (direito patrimonial). O direito à assistência material, frise-se, exigível de um companheiro a outro, está consagrado no art. 1.694 do Código Civil, projetando-se além da extinção da união estável, sob a forma de alimentos, independentemente de ter o companheiro necessitado ter dado ou não causa à dissolução da relação.[44]

2.2.3.Conversão da união estável em casamento

A Constituição, ao elevar a união estável ao status de entidade familiar, estabeleceu que a lei facilitasse sua conversão em casamento.

Os que defendem a primazia do casamento, enxergam nesse enunciado a demonstração de que a Constituição Federal pôs a união estável em plano inferior ou a considerou como mero rito de passagem.

Acerca de tal assunto, contudo, argumenta Paulo Lôbo que:

[...] não é este o significado que melhor contempla os princípios constitucionais aplicáveis à família, notadamente o da igualdade das entidades e o da liberdade conferidas às pessoas para a constituição de suas famílias e para a realização de suas dignidades.[45]

Facilitar a conversão de uma entidade em outra nada mais é do que especificação do princípio da liberdade de constituição de família, e não rito de passagem. A respectiva norma configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que este remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejam se casar. Se, por sua vez, os companheiros desejarem manter a união estável até o fim de suas vidas podem fazê-lo, sem qualquer impedimento legal. Serão livres, pois, para convertê-la em casamento, da mesma forma que as pessoas casadas podem livremente dissolver seu casamento e constituírem união estável.

A facilitação, frise-se, diz respeito exclusivamente ao ato jurídico do casamento em si, especialmente a celebração. A conversão não produzirá efeitos retroativos, de forma que as relações patrimoniais da união estável permanecerão com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de sua existência até a conversão.

2.2.4.Concubinato

Durante muitos anos a união livre foi denominada como concubinato puro. Contudo, ao ser elevada à condição de entidade familiar, ganhou o nome de união estável, restando o concubinato adulterino, como tipo excludente e sem estatuto legal próprio.

A diferença entre a união estável e o concubinato diz respeito à inexistência e existência de impedimentos para casar, respectivamente, salvo a hipótese do não divorciado de fato ou judicialmente.[46]

Assim, conforme conceitua o próprio Código Civil, as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Da mesma maneira que antes ocorreu à união estável, controvertem a doutrina e jurisprudência acerca da natureza familiar do concubinato. Após o Código Civil, formou-se ampla maioria no sentido de entender que este não é entidade familiar. Por outro lado, quando a lei civil se refere a concubinato é para vedar-lhe ou extinguir direitos.

Frise-se que, até mesmo os tribunais mais atentos ao direito de família, e sua conseqüente evolução, negam ao concubinato o status de entidade familiar, quando se postula sua equiparação com união estável para a incidência dos mesmos efeitos jurídicos.

É inevitável, contudo, o enfrentamento dos efeitos jurídicos próprios de relação de família, quando envolver filhos comuns dos concubinos. Nesse caso, as relações entre pais e filhos são em tudo iguais às de qualquer entidade familiar, inclusive casamento ou união estável.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Hugo Vinícius Oliveira. A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31766. Acesso em: 22 dez. 2024.

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