Dos princípios constitucionais inerentes ao direito de defesa

10/09/2014 às 13:57
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Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito subjetivo de invocar o princípio do contraditório e da ampla defesa em seu favor.

Resumo: O direito de defesa, como direito fundamental inerente à pessoa humana, está elencado em nossa Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso LV, nos seguintes termos: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito subjetivo de invocar o princípio do contraditório e da ampla defesa em seu favor. Com isso, podemos dizer que esse direito de defesa é inerente às partes litigantes, na qualidade de seres humanos, visando assegurar-se um julgamento justo e equilibrado. Porém mais do que a simples possibilidade de manifestação no processo, o exercício da ampla defesa pressupõe alguns direitos básicos que serão vistos adiante, sem os quais aquela garantia não passará de mero arremedo de defesa.

Palavras-chave: Princípios Constitucionais. Devido Processo Legal. Contraditório. Ampla defesa.

Sumário: Introdução. 1- Direitos e Garantias Fundamentais (Breve Histórico). 1.1 Do Devido Processo Legal. 1.2 Do Contraditório. 1.3 Da Ampla Defesa. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O direito de defesa é decorrência do princípio do contraditório e basicamente constitui-se em manifestação do Princípio do Estado Democrático de Direito, tem ligação estrita com o princípio da igualdade das partes e do direito de ação. Quando o texto constitucional garantiu aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, deu a entender que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório.

Antes de qualquer outro comentário devemos traçar os princípios constitucionais que devem servir de direcionamento para a elaboração e aplicação das normas que regulam as relações sociais, pois a não observância desses princípios acarreta sérios problemas de ordem constitucional, gerando nulidade e insegurança processual. Dentre esses princípios estão os direitos e garantias fundamentais.


1 - Direitos e Garantias Fundamentais. (Breve Histórico)

Os direitos fundamentais do homem sempre foram tema de preocupação em todo o mundo, de modo que os legisladores buscaram assegurá-los, como bem podemos observar em vários documentos, por exemplo, a Inglaterra elaborou cartas e estatutos que vieram a assegurar os direitos fundamentais, como a Magna Carta (1215-1225), a Petition Of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679), e o Bill of Rights (1688).

A primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno, foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, que era uma das treze colônias Inglesas na América. Essa Declaração é de 12-01-1776.

A Declaração Norte Americana foi aprovada na convenção da Filadélfia e foi introduzido na sua constituição uma Carta de Direitos para que se garantissem os direitos fundamentais do homem.

Sem dúvida alguma, um documento de grande importância em termos de direitos do homem foi à elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada na França em 1789, que pela primeira vez proclamava as liberdades e os direitos fundamentais do Homem. Ela foi reformulada no contexto do processo revolucionário numa segunda versão, em 1793. Serviu de inspiração para as constituições francesas de 1848 e para a atual. Também foi à base da Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela ONU em 1948.

Daí em diante houve um grande esforço para promover a universalização dos direitos e garantias individuais em todo o mundo, de sorte que vários países elaboraram suas constituições tendo como base as Declarações de Direitos Universais do Homem que em seu artigo 12, determinava: "Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei". Essa Declaração inspirou os legisladores a adotarem os instrumentos de proteção à dignidade da pessoa humana.

No Brasil não foi diferente; a Constituição Federal de 1988 também foi inspirada para garantir o respeito aos direitos e garantias fundamentais do homem.

Os direitos e garantias alcançam todas as pessoas que se encontram em território brasileiro, inclusive os estrangeiros de passagem pelo país, bem como as pessoas jurídicas, por isso tão grande é a importância de sua observância.

Além dos direitos e garantias fundamentais há que serem observados os direitos e garantias individuais que visam dar uma maior proteção aos cidadãos garantindo, dentre outros, a inviolabilidade da intimidade da pessoa.

Dentre os direitos fundamentais estão previsto os direitos de defesa, que têm como escopo garantir as liberdades individuais.

A Constituição Federal prevê em seu texto, que devemos observar o princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Basta a leitura do texto do artigo 5º, LIV e LV que reza:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Da leitura dos incisos citados podemos observar que o legislador de 1988 preocupou-se em garantir às partes envolvidas no processo todos os direitos para exercer a plenitude de sua defesa, protegendo-os de qualquer irregularidade que possa causar dano aos seus direitos fundamentais ou individuais.

1.1 Do Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal é assegurado a todos, isto é, todas as pessoas deverão ter no processo os seus direitos respeitados para que não ocorra nenhuma arbitrariedade.

Devemos nos atentar aos ensinamentos de Moraes (2003, p.123) que diz:

“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, a publicidade do processo, a citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, a decisão imutável, a revisão criminal)”.

O devido processo legal é utilizado desde os tempos do rei João Sem Terra pela Magna Charta Libertatem, do ano de 1215, isso demonstra que desde muitos anos atrás já havia uma grande preocupação em garantir aos cidadãos um processo justo, isento de ilegalidades, para buscar-se fazer a justiça.

Messias (1999, p. 87) sobre o devido processo legal diz:

“Representa mais que um direito, uma garantia de justiça no nosso ordenamento, de par com as demais garantias do contraditório e da igualdade das partes no processo, que adquirem maior, transcendência por irradiar de berço constitucional, com maior amparo em razão da fonte de onde promana”.

O devido processo legal tem como seu objetivo maior que o Estado na prestação jurisdicional consiga dar a cada um dos litigantes o que é seu por direito. Visa garantir também a segurança jurídica, pois todos saberão que o Poder Público deverá preocupar-se com a observância das garantias processuais.

Bastos (1998, p. 226) ensina que: “São manifestações do devido processo legal: a) o princípio da publicidade dos atos processuais; b) a impossibilidade de utilizar-se em juízo prova obtida por meio ilícito; c) o postulado do juiz natural; d) contraditório; e) procedimento regular”.

Assim vemos tamanha importância do devido processo legal, pois, assegura as partes, inúmeros direitos que vêm para coibir qualquer lesão ou ameaça a direitos.

1.2 Do Contraditório

O contraditório impõe ao aplicador da lei que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, oferecendo alegações e provas, de sorte que se chegue à verdade processual com equilíbrio, evitando-se uma verdade produzida unilateralmente.

Bastos (1998, p. 226) afirma que: “Nada poderá ter valor inquestionável ou irrebatível. A tudo terá de ser assegurado o direito do réu de contraditar, contradizer, contraproduzir e até mesmo de contra agir processualmente”.

Ensina Renato Brasileiro (2011, p.19):

“Também deriva do contraditório o direito à participação, aí compreendido como a possibilidade de a parte oferecer reação, manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária. Enfim, há de se assegurar uma real e igualitária participação dos sujeitos processuais ao longo de todo o processo, assegurando a efetividade e plenitude do contraditório. É o que se denomina contraditório efetivo e equilibrado.”

Ainda conforme Renato Brasileiro (2011, p.21):

“O direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório - o direito à informação. Além disso, a ampla defesa se exprime por intermédio de seu segundo elemento: a reação.”

Gustavo Henrique Badaró (2008, p.12) nos ensina ainda que:

“Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o principio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu.”

É natural que o réu sentindo-se no direito de opor-se ao fato alegado pelo autor reclame seu direito de contrapor-se e use do contraditório para demonstrar ao julgador que é ele quem tem o direito inerente àquela lide.

1.3 Da Ampla Defesa

Sobre ampla defesa, Moraes (2003, p. 124) assevera:

“Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto que o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa da feita pelo autor”.

O direito de defesa das partes deverá ser observado rigorosamente no processo para ser garantida a ampla defesa e o contraditório, pois negar às partes o direito de provar os fatos é objeto de nulidade processual.

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Sobre o direito de defesa Grinover (2001, p. 76) afirma que:

“Ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário, lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da C.F.) a Constituição eleva a nível constitucional os direitos de ação e defesa, face e verso da mesma medalha. E mais, dá conteúdo a esses direitos, pois não se limita a permitir o acesso aos tribunais, mas assegura também, ao longo de todo o íter procedimental, aquele conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, tutelam as partes quanto ao exercício de suas faculdades e poderes processuais e do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição, trata-se das garantias do devido processo legal (art. 5º LIV da C.F.)”.

A ampla defesa é a garantia que se dá ao réu para que lhe sejam oferecidas às condições que possibilitem ao mesmo trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. Ela é exteriorizada de várias maneiras podendo configurar-se na inquirição de testemunhas, na designação de defensor dativo ou nas mais variadas formas de provas possíveis.

Acerca do tema há entendimento doutrinário, no sentido de que também é possível subdividir a ampla defesa em dois aspectos, conforme esclarece Renato Brasileiro (2011, p.21):

“Quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende-se que a proteção deve abranger o direito à defesa técnica e à autodefesa, havendo entre elas relação de complementariedade. Há entendimento doutrinário no sentido de que também é possível subdividir a ampla defesa sob dois aspectos: a) positivo: realiza-se na efetiva utilização dos instrumentos, dos meios e modos de produção, certificação, esclarecimento ou confrontação de elementos de prova que digam com a materialidade da infração criminal e com a autoria; b) negativo: consiste na não produção de elementos probatórios de elevado risco ou potencialidade danosa à defesa do réu.”

Contudo, ainda é interessante diferenciar a autodefesa da defesa técnica, pois enquanto a primeira é exercida pelo próprio acusado, a defesa técnica pode ser renunciável como bem explica o autor supramencionado (2011, p.32):

“Autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Diferencia-se da defesa técnica porque, embora não possa ser desprezada pelo juiz, é renunciável, já que não há como se compelir o acusado a exercer seu direito ao interrogatório nem tampouco a acompanhar os atos da instrução processual.”

A jurisprudência é pacífica e reafirma em seus julgados a importância da observação dos princípios constitucionais mencionados acima como podemos observar em Messias (1999, p. 95):

EMENTA – Constitucional e Processo Penal. Princípios do contraditório e da Ampla Defesa. Defesa previa. Desentranhamento indevido. Nulidade.

Em sede de ação penal, é de rigor a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como da cláusula do Due Process of Law, como preconizado na Carta Magna, no capítulo das Garantias Individuais (CF art. 5º, LIV e LV).

Constitui desrespeito a tais princípios o desentranhamento indevido de peças de defesa previa, ao fundamento dúbio de intempestividade, disso resultando a nulidade do processo em face do evidente cerceamento de defesa. Recurso Especial conhecido. Unanimidade.

Rel. Ministro Vicente Leal.

(DJ. Data 06-05-96, p. 14.479 – Pesquisa Direta).

Pode-se dizer então sobre ampla defesa que ela visa colocar em igualdade as partes que litigam no processo, tendo elas o direito de participar, influenciar, incidir ativamente sobre o desenvolvimento processual, objetivando o melhor resultado possível.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal de 1988 assegurou, expressamente, o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, previstos nos incisos LIV e LV do Artigo 5° e que deverão ser assegurados aos litigantes em processo judicial ou administrativo. São um conjunto de garantias constitucionais que de um lado asseguram às partes o exercício de suas peculiaridades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição.

Como se vê, os princípios constitucionais aqui estudados trazem para si a própria natureza do Estado de Direito, de fato, o princípio da ampla defesa e do contraditório possuem base no dever delegado ao Estado de facultar ao acusado a possibilidade de efetuar a mais completa e ampla defesa quanto à imputação que lhe foi realizada.

Da leitura dos incisos citados podemos observar que o legislador de 1988 preocupou-se em garantir às partes envolvidas no processo todos os direitos para exercer a plenitude de sua defesa, protegendo-os de qualquer irregularidade que possa causar dano aos seus direitos fundamentais ou individuais.

Os princípios constitucionais são indispensáveis na sua função ordenadora, não só porque harmonizam e unificam o sistema constitucional, mas também por expressarem o conjunto de valores que inspirou o constituinte de 1988, nas suas decisões políticas fundamentais. A proteção dos direitos fundamentais e individuais tomou, portanto, um novo rumo em direção à sua efetivação e justiça social. O juiz assume pra si, por meio de provas e contraprovas, a motivação de proferir a melhor sentença possível.

Assim, é imprescindível que os princípios referidos acima não sofram uma interpretação restritiva e sejam observados rigorosamente em todos os níveis e abranja qualquer tipo de processo ou procedimento, judicial, extrajudicial, administrativo, assegurando a qualquer parte que possa ser afetada por uma decisão, um julgamento justo e equilibrado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BADARÓ, Gustavo Henrique, Direito Processual Penal: tomo I, Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

______. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado Federal, 2014.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de processo penal. Niterói, RJ: Impetus, 2011.

MESSIAS, Irajá Pereira. Da prova penal. Campinas: Bookseller, 1999.

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 08 out. 2013.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acessado em: 08 out. 2013.

Sobre a autora
Gilcinéia Zorzan

Funcionária Pública Pertencente a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo;<br><br>Habilitada no Exame de Ordem 2006.1<br><br>Formada em:<br>Ciências com Habilitação Plena em Matemática pela “Faculdades Integradas Rui Barbosa de Andradina/SP”, Ano 1992;<br><br>Bacharel em Direito pela “Faculdades Integradas Toledo Araçatuba/SP”, Ano 2003;<br><br>Especialista em:<br>Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia em convênio com o Instituto UVB em 2007;<br><br>Direito Processual: grandes transformações pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2008;<br><br>Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp em 2012.<br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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