Aborto e suas complicações

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26/09/2014 às 08:53
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3. ANENCEFALIA E O ABORTO

3.1. Definição

É uma má formação do cérebro durante a formação embrionária, que acontece entre o 16° e o 26° dia de gestação, caracterizada pela ausência total do encéfalo e da caixa craniana do feto. Conforme foto abaixo.

3.2. Anencefalia no contexto médico

A anencefalia é definida como uma ma formação congênita, apresentada em 8.6 bebês de cada 10 mil que nascem, nestes casos a apreciação pela medicina não apresenta erros, podendo ser detectada com precisão através de ultrassonografia até o final do terceiro mês de gestação.

Tal anomalia é demonstrada pela ausência simétrica dos ossos da calota, inicia-se por volta do décimo oitavo dia de gestação a constituição do sistema nervoso com a formação da placa neural. A superfície do ectoderma 10 se espessa e começa a enterrar-se e dobrar-se em si mesma perto da junção do futuro cérebro e da medula espinhal no meio do embrião.[25]

O tubo neural pode fechar-se por volta do vigésimo quarto dia, quando o embrião já possui um tamanho de 4,5mm. Se o fechamento não ocorrer é apresentado a anencefalia. [26]

Dessa forma a anencefalia caracteriza-se por ausência de cérebro no todo ou em parte, e apesar da carência de estruturas cerebrais (hemisférios e córtex), o anencéfalo em razão do tronco cerebral, preserva funções vegetativas, como chorar, respirar,(ainda que com ajuda de aparelhos) e até mamar.[27]

Mesmo que o feto possua tais funções, estas são apenas vegetativas, pois há incompatibilidade do feto com a vida extrauterina e até mesmo dentro do útero da mãe, já que 50% dos fetos portadores de anencefalia morrem durante a gestação, sendo assim, não há possibilidade alguma de vida do anencéfalo, este poderá morrer ainda no útero de mãe ou depois de nascer viverá de forma vegetativa por minutos, horas e raramente por semanas.[28]

Esta é a forma mais grave dos chamados defeitos de fechamento do tubo neural. A incidência de anencefalia é em torno de 1 para cada 1000 bebês nascidos vivos.

3.3. Posicionamento do STF sobre o aborto de anencéfalos

Através de Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a permissão para, em caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez. Foi tomada a decisão em 2012 da permissão desta possibilidade de aborto, claro, sendo este o desejo da gestante.

Tal decisão teve os seguintes pareceres.

O Ministro Celso de Mello acredita que a liberação do aborto de anencéfalos se faz necessário para garantir uma morte segura do feto, sobre o caso.

Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida.” (grifo nosso)

A Ministra Carmem Lúcia salientou que o STF não está liberando o aborto no Brasil e sim decidindo sobre a possibilidade do aborto no caso de um feto anencéfalo.

Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo permitir o aborto. [...] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o melhor caminho.” (grifo nosso)

Segundo o posicionamento dos ministros, o aborto de anencéfalos será permitido, caso a gestante deseje, como uma forma de reduzir o sofrimento dos pais e ate mesmo prevenindo um agravamento do estado de saúde da gestante.

Mesmo com tal decisão pelo STF, as mulheres ainda possuem a discriminação da sociedade para enfrentar, pois a opção pelo aborto do feto anencéfalo, muitas das vezes é considerada um ultraje de descaso e falta de amor para com o feto.


4. DEVER DO PODER PÚBLICO EM PROVER ASSISTÊNCIA SOCIAL E SAÚDE

Dentre outros, a assistência social e a saúde são direitos garantidos pela nossa Constituição Federal de 1988.

“Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifo e sublinhado nosso)

“Art. 203: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” (grifo nosso)

Há de convir, que os direitos humanos garantem até mesmo ao pior dos assassinos a proteção de sua vida e saúde. No Brasil não há pena de morte para quem comete o crime de homicídio. Assim deve-se considerar, que ainda que a mulher cometa o aborto criminoso, o Estado deve fornecer condições a ela, lembrando que não se trata de algo facultativo e sim uma obrigação constitucional, conforme demonstrada acima.

Os abortos clandestinos no país são realidade. Muitas mulheres morrem todos os anos como um triste resultado de abortamento inseguro, mal realizado. É de suma importância, políticas públicas que visem o amparo às mulheres e claro, as suas famílias, para que este quadro seja revertido e haja um real comprometimento pelos governantes afim de “encarar” tal situação, colocando em prática os direitos constitucionais.

No Brasil, em alguns estados, o abortamento inseguro é a segunda causa de morte Materna. Por tem que ser encarado como um problema de saúde pública. Ao menos a morte dessas mulheres pode ser evitada se o país tomar medidas para que elas tenham um atendimento especializado.

Não se trata da defesa do aborto e sim de amparo as mulheres e suas famílias quando este ocorrer.

Neste mesmo entendimento corrobora José Henrique Rodrigues Torres .

O aborto é um problema de saúde pública e deve ser enfrentado com medidas sanitárias. A criminalização não está evitando a prática do aborto e está causando milhares de mortes e sequelas físicas e psicológicas para as mulheres, além de terríveis consequências sociais. Enquanto o aborto não é descriminalizado, o Estado tem o dever de prestar assistência à saúde das mulheres para evitar esses riscos e danos, acolhendo-as no sistema público de saúde, “antes” e “depois” da prática do aborto, especialmente para orientá-la e informá-la. E a conduta dos agentes públicos que prestam essa assistência às mulheres não pode ser considerada criminosa, porque não ficará caracterizada a participação, em razão da falta de relevância causal objetiva e da inexistência de dolo. Também não há falar em participação por omissão quando o profissional de saúde não impede a prática do aborto nem quando deixa de informar a prática desse crime, pois não há dever de agir para impedir a mulher nem há obrigação de denunciá-la. Há, na realidade, dever de sigilo, que não permite a revelação da conduta da mulher. Finalmente, não há falar em tipificação conglobante dessa assistência, por falta de antinormatividade, já que é dever do Estado prestar assistência à saúde da mulher.”[29] (grifo nosso)

O mesmo autor fala ainda da preocupação do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Comitê DESC), com relação a mortalidade materna no país, pois são milhares de mortes que poderiam ser evitadas.

Milhares de mulheres estão morrendo todos os anos, em todo o mundo, em razão da prática de abortamento inseguro.Essa causa de morte materna, perfeitamente evitável, tem atingido de setenta a oitenta mil mulheres por ano em todo o mundo. No Brasil, em particular, o abortamento inseguro constitui a segunda causa de morte materna em alguns Estados da federação, enquanto, em outros , constitui a terceira causa de morte de gestantes.E não se olvide, como adverte Flávia Piovesan, que “o direito de viver livre de morte materna evitável integra os direitos humanos das mulheres e –sob o prisma da individualidade, interdependência e inter-relação dos direitos humanos – interage com os direitos à saúde, à igualdade, à não discriminação, à educação, à liberdade, à segurança, dentre outros, de forma a assegurar o direito à dignidade plena de que são titulares as mulheres”.É por isso que o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Comitê DESC), ao externar a sua preocupação com a mortalidade materna no Brasil, recomendou que sejam adotadas medidas eficazes “com a finalidade de proteger as mulheres dos efeitos dos abortos clandestinos e inseguros, assegurando que a mulheres não recorram a tais procedimentos prejudiciais”, causadores de tantas mortes, em especial entre mulheres pobres e marginalizadas.”[30] (grifo nosso)

O Estado precisa dispor de políticas mais efetivas e direcionadas tanto para prevenção quanto para remediar o ato cometido. È importante salientar queo contexto social em que a mulher está inserida possui uma influencia sobre o aborto realizado, mesmo que continue tipificado como crime e não seja causa de excludente de ilicitude.


CONCLUSÃO

O aborto é a interrupção da gravidez pela morte do feto ou embrião, junto com os anexos ovulares podendo ser espontâneo ou provocado, em síntese o feto expulso com menos de 0,5 kg ou 20 semanas de gestação é considerado abortado. No decorrer do presente trabalho foi demonstrado a evolução da pratica do aborto, bem como a sua criminalização.

No Brasil, o aborto é tipificado como crime contra a vida humana pelo Código Penal. Porém, não é qualificado como crime quando praticado por médico capacitado em três situações: quando há risco de vida para a mulher causada pela gravidez, quando a gravidez é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico (desde a decisão do STF pela ADPF 54, votada em 2012, que descreve a prática como "parto antecipado" para fim terapêutico). Nesses casos, o governo Brasileiro fornece gratuitamente o aborto legal pelo Sistema Único de Saúde.

Essa permissão para abortar não significa uma exceção ao ato criminoso, mas sim uma escusa absolutória.

As comunidades internacionais, frisam que o aborto é um direito da mulher cabendo a ela decidir sobre a paralisação ou continuação da gravidez, pelo simples fato de ter o direito de decisão sobre a sua vida.


REFERENCIAL TEÓRICO

BRANDÃO, Dernival da silva, et al. A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1999

CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 6. ed., São Paulo.Saraiva, 2006

CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2. Ed., São Paulo: Saraiva. 2002.

DRUYAN . Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial.2. ed., Niterói. Impetus. 2006

HOUAISS, Antonio, VILLAR, Mauro de Salles, FRACO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009

BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: Del Rey, 1999

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Recomendações Gerais adotadas pelo Comitê para Eliminação da Discriminação Contra a Mulher. Disponível em: <https://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/recommendations/recomm-sp.htm>. Acesso em 10/06/2013

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SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006

TORRES, José Henrique Rodrigues. Do abortamento inseguro e da necessidade de redução de riscos e danos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo. 2007.

VENTURA, Mirian. Descriminalização do aborto: um imperativo constitucional. In


Notas

[1] O Código de Hamurabi é o conjunto de leis escritas Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurábi, aproximadamente em 1700 A.C.. Foi encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da antiga Mesopotâmia correspondente a cidade de Susa, atual Irã. Foi talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme arcádica, com 282 leis em 3600 linhas.

[2] Druyan . Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[3] Druyan Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[4] _________ .A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[5] Druyan Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[6] Lex Romana Visigothorum ou O Breviário de Alarivo é uma compilação de leis romanas em vigor no reino Visigodo de Tolosa, durante o reinado de Alarico II (487-507 d.C.) e promulgado a 2 de Fevereiro de 506. É considerada como a mais importante obra realizada em um reino germânico.

[7] Druyan Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[8] _________. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[9] Druyan Ann. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[10] _________. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[11] _________. A questão do aborto: à procura de respostas. Lisboa.1990

[12] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial.2. ed., Niterói. Impetus. 2006

[13] HOUAISS, Antonio, VILLAR, Mauro de Salles, FRACO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009

[14] CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 6. ed., São Paulo.Saraiva, 2006

[15] BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: Del Rey, 1999

[16] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2. Ed., São Paulo: Saraiva. 2002.

[17] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 6. ed., São Paulo.Saraiva, 2006

[18] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2. Ed., São Paulo: Saraiva. 2002.

[19] Ação Penal Pública condicionada é aquela que para ser iniciada a ação penal se faz necessária a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal no período de 6 meses.

[20] São ações penais que independem da vontade da vítima pois o impulso processual (denúncia) é dado pelo Ministério Público.

[21] A síndrome de Patau é uma anomalia cromossômica. Foi descoberta em 1960 por Klaus Patau observando um caso de malformações múltiplas em um neonato. Tem como principal causa a não disjunção dos cromossomos durante a anáfase 1 da meiose. Ocorre na maioria das vezes com mulheres com idade superior a 35 anos e a expectativa de vida do neonato não supera 6 meses.

[22] VENTURA, Mirian. Descriminalização do aborto: um imperativo constitucional. In: CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006

[23] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Recomendações Gerais adotadas pelo Comitê para Eliminação da Discriminação Contra a Mulher. Disponível em: <https://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/recommendations/recomm-sp.htm>. Acesso em 10/06/2013

[24] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006

[25] BRANDÃO, Dernival da silva, et al. A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1999

[26] ______________________. A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999

[27] BRANDÃO, Dernival da silva, et al. A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1999

[28] ___________________________. A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1999

[29] TORRES, José Henrique Rodrigues. Do abortamento inseguro e da necessidade de redução de riscos e danos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo. 2007.

[30] TORRES, José Henrique Rodrigues. Do abortamento inseguro e da necessidade de redução de riscos e danos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo. 2007.

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