O homem não pode viver senão em sociedade, e esta, por sua vez, é uma organização de pessoas voltada à obtenção de fins comuns, em benefício de cada indivíduo. No entanto, se não houvesse um poder que restringisse as condutas humanas, elas jamais subsistiriam, pois cada um faria o que bem entendesse, invadindo a esfera de liberdade do outro; desse modo, qualquer agrupamento humano seria caótico.
A busca pelo ideal de justiça existe desde que o homem passou a viver coletivamente. Destarte, mesmo as civilizações mais rudimentares já buscavam esse ideal, o que resultava na punição dos transgressores.
Entretanto, tais punições confundiam-se com vingança e eram perpetradas de forma coletiva, caracterizando-se pela reação conjunta do grupo contra o ofensor, em resposta à ofensa cometida contra um de seus integrantes — fato que ocorria devido à ausência de um poder legitimamente constituído.
Nessa fase, o Poder Público interferia apenas para indicar como e quando a vítima poderia se vingar; porém, a punição era aplicada pela própria vítima. Tal prática era regulada com base na Lei das XII Tábuas, especialmente nas Tábuas VII e XII, que dispunham que, se alguém ferisse outrem, deveria sofrer a pena de talião, ou seja: “olho por olho, dente por dente”, podendo-se optar por uma compensação material do prejuízo, afastando-se, assim, a aplicação da pena em sentido literal.
Naquela época, a autodefesa era o método adotado para a solução dos conflitos. Segundo La Fontaine, “La raison du plus fort est toujours la meilleure” — “A razão do mais forte é sempre a melhor” —, ou seja, o mais forte sempre levaria vantagem, deixando de lado a aplicação da verdadeira justiça.
Segundo o pensador Thomas Hobbes, o homem, em seu estado natural, vive como um animal, lançando-se contra os outros pelo simples desejo de poder, riqueza e propriedades. Dessa forma, faz-se necessária a criação de um acordo — ou seja, de leis — para garantir a proteção mútua. Esse acordo funcionaria como um freio à atitude egoísta do ser humano.
No entanto, pactos, acordos e contratos, sem a força das espadas, são apenas palavras vazias. Daí decorre a necessidade de um Estado absoluto1.
Como se percebe, o Estado assumiu a tarefa de “administrar a justiça”, pois o jus puniendi — o direito de punir — pertence ao Estado, sendo uma das expressões mais características de sua soberania, restaurando, assim, a ordem jurídica quando violada. Essa intervenção ocorreu de forma gradativa e vem se modificando em favor do bem comum.
A Polícia Judiciária no Brasil remonta a 1619, quando os alcaides, no exercício de suas funções nas vilas da Colônia, realizavam diligências para prender malfeitores, sempre acompanhados de um escrivão, que lavrava um termo ou auto do ocorrido para posterior apresentação ao magistrado. Posteriormente, surgiu a figura do ministro criminal (ou meirinho), que, em sua jurisdição, mesclava as atribuições de juiz e policial, mantendo a paz, conduzindo devassas e determinando a prisão de criminosos2.
A partir de 1808, com a criação da Intendência Geral de Polícia da Corte e da instituição da Secretaria de Polícia — que posteriormente daria origem à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro —, seguiu-se a criação do cargo de Comissário de Polícia, em 1810. Com isso, consolidou-se, na nova estrutura policial, o exercício da polícia judiciária brasileira.
Durante a época imperial, eram os delegados que desempenhavam essa função, continuando a exercê-la mesmo com o advento da Proclamação da República.
Devido à Ditadura Militar, foi retirada da Polícia Civil a atribuição do policiamento ostensivo — atividade desempenhada desde 1866 —, que passou à competência exclusiva da Polícia Militar estadual.
A Constituição Federal de 1988 proclama a proteção dos direitos do indivíduo a partir da prática da infração penal, momento em que o direito de punir, antes abstrato, torna-se concreto, surgindo a persecutio criminis como poder-dever do Estado.
Nesse sentido, o professor Damásio E. de Jesus preceitua:
Constituída a relação jurídico-punitiva, estabelece-se o litígio entre a pretensão punitiva estatal e os direitos penais subjetivos de liberdade do infrator, que deve ser regido por normas justas, resguardando, dessa forma, o equilíbrio entre os bens e interesses inerentes à natureza humana e a tutela jurisdicional. Devido a tal questão, é que a Constituição Federal disciplina não somente os postulados que regem a liberdade individual, como também acolhe preceitos que são verdadeiras normas diretoras da atuação estatal. (grifo nosso)3
Pela necessidade de atuação organizada do Estado, criou-se a Polícia Judiciária.
O termo Polícia Judiciária é empregado porque essa instituição auxilia o Poder Judiciário, por meio da coleta de provas através do inquérito policial, para deflagração das ações penais ou para subsidiar o entendimento pelo arquivamento. Ou seja, trata-se da função exercida pelos órgãos do Estado no apoio à investigação penal, seja por iniciativa própria, seja por requisição do representante do Ministério Público, com o objetivo de arrecadar os elementos materiais probatórios que permitam elucidar a ocorrência da conduta punível e a responsabilidade dos autores ou partícipes.
Tal atuação também está prevista em nossa Carta Magna de 1988:
Art.144 § 1º: A policia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a :
IV: Exercer, com exclusividade, as funções da policia judiciária da União.
§ 4º: Às policias civis, dirigidas por delegados de policia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de policia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares. (grifo nosso)
O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o poder de polícia judiciária é dividido entre a Polícia Federal e a Polícia Civil, tendo cada qual sua área de atuação.
A polícia judiciária é uma consequência direta da nossa organização política e jurídica, e responde, basicamente, ao princípio constitucional da divisão dos poderes.
Desse modo, participa da função judicial do Estado como um órgão previamente estabelecido para investigar os delitos, impedir as consequências ulteriores dos crimes cometidos, individualizar os culpados e reunir as provas necessárias para a atuação do Poder Judiciário.
Notas
1 Disponível em: https://www.enciclopediaescolar.hpg.com.br. Acessado em 28 de fevereiro de 2013
2 Cyro Advincula. Polícia Civil do Rio de Janeiro. ADEPOL. Rio de Janeiro. 1985
3 JESUS. Damásio E. de. Comentários às Regras Mínimas das Nações Unidas sobre medidas não privativas de liberdade- Regras de Tóquio. Brasília. Ministério da Justiça. 1998