Violência e valores morais

07/10/2014 às 14:25
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O recrudescimento da violência no mundo não é uma conseqüência inevitável da relativização dos costumes, dos valores, das visões de mundo etc, mas da inversão de valores que ela provocou. O problema está na natureza dos valores predominantes na sociedade.

Tema e problema

O tema da violência domina o noticiário das várias formas de mídia assim como os diálogos cotidianos entre as pessoas. A razão desse fato é óbvia: a violência graça em todos os cantos do mundo, em todas as sociedades. No Brasil o fenômeno ostenta proporções alarmantes, tanto na dimensão quantitativa (existe das metrópolis às pequenas cidades) quanto na qualitativa (é praticado por motivos banais, passionais e com requintes de crueldade). Além disso, colocando no descrédito crenças tradicionais, o fenômeno passou a ocorre no país em segmentos antes raros: a violência é praticada com grande frequência nas classes sociais média e alta.

A discussão disseminada sobre a questão contém, na nossa perspectiva de análise, duas dimensões importantes: a) o esforço para entender suas causas, com o objetivo de conceber formas de ação que levem à sua redução, e b) a insuficiência do escrutínio efetivado para atingir compreensão adequada do fenômeno. Este artigo integra o propósito de contribuir para melhor compreensão do fenômeno da violência na sociedade contemporânea. Alertamos que nosso método de trabalho consiste, inicialmente, não em definirmos conceitualmente o fenômeno, mas em descrevê-lo, fazer um mapeamento daquilo que pode ser incluído na categoria de ação humana violenta.

Portanto, entendemos que o primeiro passo para melhor compreendermos a questão é tentar identificar empiricamente o que é a violência. Ora, alguns mais ávidos não exitariam em afirmar que esta é uma tarefa de fácil execução, diriam que bastaria mencionarmos, por exemplo, as práticas de roubos e assaltos, de latrocínio, de brigas de gangues, de queima de arquivo etc. que campeiam em nossas cidades em todas as regiões do país. Alguns já teriam, inclusive, resposta para o aumento do fenômeno no país nos últimos tempos.

A violência no Brasil de hoje seria devido à mudança de posição na escala social das classes mais pobres da população, que teriam ampliado seu poder de consumo, em consequência das políticas de inclusão social dos últimos governos. A interpretação crítica desse raciocínio mostra sua utilidade na identificação das causas da violência disseminada, mas na forma como é apresentado se torna incapaz de revelar a genuína natureza dessas causas. Na forma como é apresentado tal raciocínio vai exatamente na direção oposta ao fazer uma exaltação do consumismo como valor social. O consumismo confirmado como paradigma de valor social leva a reconhecer como sua consequência inevitável o uso de qualquer meio, portanto da violência, para obtê-lo. Entendemos que o desafio é reconhecer o que eleva o consumismo à categoria de valor social.

Embora nosso método não vise uma definição conceitual da violência, é impossível discutir a questão ignorando o manancial de conhecimentos produzidos ao longo da história que se voltaram para o estudo da sociedade e das ações humanas. Por isso, um segundo momento do nosso itinerário é abordar as “concepções de mundo” de alguns teóricos para tentar extrair delas elementos sobre a sociedade e sobre as ações humanas que contribuam para o propósito do artigo. Nos reportaremos, de modo bastante sumário, aos estudiosos Thomas Hobbes, Karl Marx, Sigmund Freud e Jean-François Lyotard.

Ampliando horizontes

A validade do raciocínio acima mencionado e criticado (a violência como fruto do aumento do poder de consumo da população) é limitada, também, por outras razões. Já destacamos que o fenômeno ocorre no seio das classes sociais média e alta. Devemos acrescentar outra característica que lhe é peculiar: como apontaremos, o mesmo se dissemina de formas variadas e sutis. Esta observação coloca na mesma vala, outro argumento bastante utilizado com o propósito de dar conta da violência no Brasil: o de que esta seria uma “herança maldita” da nossa colonização pelos portugueses, que chegaram aqui “metendo o reio” nos nativos e nos negros.

Desta forma a compreensão mais adequada da violência exige a sua consideração em um contexto mais amplo do que aquele subjacente aos argumentos apontados. Em obediência ao método descritivo que utilizamos vamos mencionar alguns episódios que, indubitavelmente, ou constituem formas diretas de manifestação de violência, ou tem sua parcela de contribuição para a disseminação do fenômeno em comento. Em nenhum deles encontramos respaldo para identificar correlação da violência com as causas indicadas acima.

Episódio nº 01 – Herói e vilão. A revista Superinteressante do mês de agosto, em matéria sobre o novo “One World Trade Center”, divulgou informações inusitadas sobre o episódio de derrubada das torres gêmeas, em 2001. Diz respeito ao processo de remoção dos destroços, uma montanha de 1,5 milhão de toneladas de detritos. Rivalizando com as dificuldades técnicas de como fazer a remoção do material, uma verdadeira guerra era travada por aqueles trabalhadores encarregados da tarefa. O motivo: os saques e a apropriação dos objetos de valor encontrados, tanto nos destroços quanto nas lojas sofisticadas situadas nas imediações, que foram interditadas. De acordo com a reportagem da revista, “os bombeiros preferiam relógios de luxo, os policiais gostavam de eletrodomésticos e os operários levavam o que vissem – sobretudo vinhos, encontrados nas ruínas do hotel Marriott, e cigarros achados num depósito da Alfândega” (p. 59). A despeito do ditado popular “achado não é roubado”, o episódio foi um golpe mortal na emblemática imagem de heróis ostentada, principalmente, pelos bombeiros junto à opinião pública norte-americana.

Episódio nº 02 – “Tiros em Columbine”. Este é o título de um documentário produzido e dirigido por Michael Moore, um crítico do enaltecido “american way of life”, sobre o assassinato de 13 pessoas (estudantes e um professor) por dois alunos da escola Columbine, estado do Colorado, nos EUA, em 1999. Em seguida, os alunos se suicidaram. O trabalho estreou nos Estados Unidos em outubro de 2002 e ganhou o Oscar de melhor filme documentário de 2003. O episódio virou modelo para massacres em escolas americanas, já se repetiu várias vezes depois e há sempre a expectativa de que volte a ocorrer a qualquer momento. Certamente, por isso o filme tem sido admirado e repudiado quase por igual. A questão capital aqui, contudo, é a seguinte: como é possível que uma sociedade considerada modelo para o status quo de vida mundial, embora isso não constitua unanimidade, seja perpassada pela tendência a suscitar fenômenos desta natureza?

Episódio nº 03 – Corrupção. Este é um mal que graça em todas as sociedades mundiais e tem episódios em todos os períodos da história. Contudo, o caso brasileiro é singular, pois entre nós a corrupção, além de disseminada em todos os níveis da esfera pública (federal, estadual e municipal), e nos três poderes que constituem a estrutura social (executivo, legislativo e judiciário), tem imunidade intransponível. Três exemplos emblemáticos.

A) O caso Lalau. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo, auditor fiscal do trabalho, procurador do ministério público do trabalho e desembargador federal, antigo juiz do trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho paulista e presidente desta Corte de 1990 até 1992, Nicolau dos Santos Neto, ficou popularmente conhecido como Lalau. Motivo: o desvio de recursos, ocorrido sistematicamente de 1994 a 1998, que seriam utilizados na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. Lalau é um dos poucos corruptos brasileiros julgado, condenado e apenado por seus atos.

B) A reeleição do “Príncipe”. Segundo o site “Carta Maior”, a façanha da compra de votos de parlamentares do PFL e do PMDB, para aprovação da emenda constitucional que instituiu a reeleição começou a ser urdida em círculos fechados nos primeiros seis meses do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Numa reunião em Nova York, com banqueiros, Pedro Malan teria deixado escapar as intenções da cúpula da aliança neoliberal. Alguns jornais repercutiram a fala de Malan, que dizia quatro anos ser muito pouco para FHC realizar o seu plano de governo e que, de duas uma, ou se ampliaria o mandato para cinco anos ou se instituiria a reeleição.

De acordo com o mesmo site, em maio de 1997, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou extensa matéria com transcrição da gravação de uma conversa na qual os deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda constitucional que instituía a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos.

C) Mensaleiros. Mensalão é o nome dado ao escândalo de corrupção política mediante compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, que ocorreu entre 2005 e 2006. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do presidente Lula,  membros do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos, sendo objeto da ação penal de número 470, movida pelo Ministério  Público no Supremo Tribunal Federal. Em agosto de 2007, STF iniciou o julgamento dos quarenta nomes denunciados em abril de 2006 pelo Procurador Geral da República, em crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e evasão de divisas.

O tribunal máximo do Brasil finalizou o julgamento com a condenação dos seguintes próceres da política brasileira: José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil; José Genoino, ex-presidente do PT; Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT; Deputado João Paulo Cunha (PT-SP); Marcos Valério, empresário e publicitário; Cristiano de Mello Paz, ex-sócio de Marcos Valério; Ramon Hollerbach, ex-sócio de Marcos Valério; Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil; Rogério Tolentino, advogado e ex-sócio de Marcos Valério; Simone Vasconcelos, ex-gerente da SMP&B; Vinícius Samarane, vice-presidente do Banco Rural; José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural; Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural; Roberto Jefferson, deputado cassado (PTB-RJ); Deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP); Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL; Pedro Corrêa, deputado cassado (PP-PE); João Cláudio Genú, ex-assessor do PP na Câmara; José Borba, ex-deputado (ex-PMDB-PR); Romeu Queiroz, ex-deputado (PTB-MG); Carlos Alberto Rodrigues, ex-deputado (PL-RJ); Enivaldo Quadrado, ex-sócio da corretora Bônus-Banval; Breno Fischberg, ex-sócio da Bônus-Banval; Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB; Pedro Henry (PP-MT).

Embora dois dos exemplos tenham terminado em punição aos corruptos, não é o caso da maioria esmagadora das ocorrências do fenômeno no Brasil. Ao contrário, a corrupção é, destacamente, o maior exemplo de agressão à forma de gestão da vida pública nacional, ou, em outros termos, à forma de gestão dos bens da sociedade brasileira.

Episódio nº 04 – Agressão ambiental. O site “Planeta Sustentavel”, identifica as principais formas de violência contra o meio ambiente: A) Desmatamento – a demanda por madeira e carvão, assim como a instalação de cultivos agrícolas, eliminou quase metade da cobertura vegetal do planeta. De um total de 62,2 milhões de quilômetros quadrados de florestas originais no mundo, restam apenas 38,7 milhões. Só na Europa e na Ásia, quase 70% das florestas já viraram cinza. Essa derrubada da cobertura vegetal é um dos grandes flagelos impingidos pelo homem ao meio ambiente.

B) Lixo – causado, entre outros fatores, pelo aumento populacional, pela urbanização descontrolada e pelo consumo indiscriminado, o despejo de resíduos sólidos e líquidos é uma séria ameaça tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade. Os principais problemas gerados pelo lixo são a poluição do solo e das águas, o acúmulo de material não degradável ou tóxico e a proliferação de insetos transmissores de doença. Nos meios urbanos, os dejetos amontoados ao léu também colaboram para a ocorrência de enchentes, por obstruir os cursos de água. E trata-se de um problema global, não restrito aos "deseducados" países em desenvolvimento. Os Estados Unidos, por exemplo, produzem nada menos que 200 milhões de toneladas de lixo por ano.

C) Poluição das águas – causada, sobretudo, pelo lançamento de dejetos industriais e agrícolas, esgoto doméstico e resíduos sólidos. Isso compromete a qualidade das águas superficiais e subterrâneas em inúmeros pontos do planeta. Os rios e lagos são considerados os ambientes mais ameaçados do globo. Sofrem, por exemplo, com o fenômeno conhecido como eutrofização: os esgotos domésticos são ricos em matéria orgânica, que sofre a ação de micro-organismos, resultando na produção de nutrientes; assim, quando esse esgoto é lançado na água, produz um excesso de nutrientes que acaba provocando o crescimento extraordinário de algas – estas, por sua vez, impedem a passagem da luz e a transferência do oxigênio atmosférico ao meio aquático. Os ambientes marinhos e costeiros também estão seriamente ameaçados pela poluição, pela superexploração da pesca e por acidentes ou descargas em alto-mar, como no caso dos catastróficos vazamentos de petroleiros. Caso precisemos de formas de violência contra o meio ambiente próximas de nossa realidade, que tal pensarmos no nome rio Poti e seus aguapés?

D) Poluição do ar – causada principalmente pela queima de combustíveis fósseis nos transportes e na geração de energia elétrica e pela atividade industrial. Dióxido de carbono (CO2) – o grande vilão do efeito estufa –, monóxido de carbono (CO) e hidrocarbonetos (HC) são alguns dos poluentes mais emitidos. Praticamente todos eles são bastante nocivos ao homem e ao meio ambiente. No mundo inteiro, segundo o relatório Desafio Global, da ONU (2002), mais de 3 milhões de pessoas morrem ao ano em razão de poluição por essas substâncias.

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Episódio nº 05 – Massacre dos palestinos. Neste exato momento o beligerante estado de Israel está fazendo “chover” bombas sobre as casas e cabeças de milhares de pessoas inocentes, inclusive sobre escolas cheias de crianças mantidas pela ONU, na Faixa de Gaza. Israel é irredutivelmente contra os palestinos efetivarem um direito – o mesmo pelo qual os judeus lutaram no passado, no que foram apoiados até pela “esquerda” da época – de constituírem um Estado para seu povo na Palestina. Israel age sob a complacência da comunidade internacional e conta com cobertura especial da águia americana que, sob suas asas, fornece as bombas com as quais Nethanyahu leva adiante sua sanha de exterminar o povo palestino.

Episódio nº 06 – Decisões judiciais. De volta ao passado, na companhia do site “Galhas”, de 07.11.2008, deparamos-nos com uma breve nota sobre uma das mais notáveis decisões de nossa maior corte de justiça, exarada nos seguintes termos: “o STF manteve as duas liminares no pedido de HC 95009 que deram a liberdade ao banqueiro Daniel Dantas. Ele é investigado pela PF por suposta prática de corrupção, crimes financeiros e desvio de verbas públicas”.

A concessão de liminares desta natureza não é privilégio das cortes superiores do país. No último dia cinco de agosto do corrente ano o TRE-PI decidiu, à unanimidade de seus membros e em desarmonia com o parecer do Ministério Público Eleitoral, aprovar mais uma candidatura do Presidente da Assembléia Legislativa do Piauí, ao cargo de deputado estadual, pelo PMDB. O postulante a um novo mandato de deputado estadual já dirigiu o Parlamento Estadual outras vezes. Como gestor público teve suas contas na administração anterior do órgão rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI). Nessa situação tornou-se inelegível, de acordo com a Lei Complementar nº 64/1990, bem como nos termos daquela que ficou conhecida como lei da ficha limpa (Lei Complementar nº 135/2010, que altera a LC nº 64/1990), que será aplicada pela primeira vez nas eleições gerais.

Ora, se o referido deputado, como gestor público, tornou-se, em decorrência da decisão do TCE-PI, “um ficha suja”, por que o TRE-PI aprovou sua candidatura à reeleição no pleito de 2014? Simples: existe algo no “ordenamento jurídico” burguês, que alguns denominam formalismo ou filigrana jurídica, que fez a Corte Eleitoral do Piauí se dobrar. A defesa jurídica do deputado conseguiu a anulação da condenação do candidato pelo TCE-PI por intermédio de uma “medida liminar”, concedida monocraticamente, por um membro do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI). Impõem-se, pelo menos, duas indagações: a) qual o Tribunal que detém a competência legal para julgar as contas dos gestores públicos? e b) a concessão de um “remédio jurídico” para reparar, em tese, um julgamento reputado maculado juridicamente por uma outra Corte de Justiça que não tem competência jurídica sobre a matéria é um ato violento, embora praticado sob o manto da lei?

Episódio nº 07 – Massacre dos ucranianos. Em 17 de julho de 2014, na Ucrania, foi abatido um avião da Malasya Airlines, que levou à morte quase 300 pessoas inocentes. As duas partes envolvidas na rebelião no leste da Ucrânia a princípio negaram responsabilidade pelo incidente, acusando-se mutuamente. Como nos tempos áureos da guerra fria, o serviço de inteligência dos EUA acusou os separatistas pró Russia de derrubarem o avião; por outro lado, dirigentes russos disseram que as acusações norte-americanas eram precipitadas e acusaram a Ucrânia pela tragédia.

Um aspecto deste episódio, aparentemente insólito, é fundamental para entendermos porque a violência predomina e é disseminada no mundo. A mesma revista Superinteressante citada divulgou uma reportagem que provoca mais estupefação do que aquela que os bombeiros e os massacres em escolas causaram ao povo norte-americano. A reportagem joga luz sobre a “indústria da guerra” e identifica “quem está se armando até os dentes e quem está ficando bilionário com isso” (p. 64-65). É redundância dizer que os EUA lideram o ramo. O aparentemente insólito que queremos destacar aqui é que, segundo a revista, “a Ucrânia vendeu US$ 200 milhões em armamentos para a Rússia nos últimos quatro anos” (p. 7). Então, questionamentos são inevitáveis: por que países em conflito político e bélico estabelecem relações comerciais cujo produto transacionado é justamente material usado para fazer a guerra? A conclusão da reportagem é que, no ramo da indústria bélica não interessam os parceiros ou os adversários políticos, mas as transações comerciais. Parafraseando ditado popular, amigos ou inimigos, negócios à parte!

Episódio nº 08 – Campanha eleitoral. Os vários segmentos da mídia piauiense estamparam, nas suas edições das primeiras semanas de agosto, manchetes curiosas sobre aspecto do início das campanhas eleitorais dos dois principais candidatos ao Governo do Piauí, nas eleições de 2014. Segundo tais manchetes, José Filho e Wellington Dias teriam arrecadado, desde o início da campanha, a título de doações, cerca de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), e já teriam gasto, com propaganda, mais de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Afirma ditado muito conhecido e, neste caso, elucidativo, que a política é a guerra por outros meios.

A lista de exemplos poderia continuar até atingir uma extensão que beiraria o infinito. O professor pedante que aterroriza os alunos com sua autoridade e, assim, inibe ou até poda o desenvolvimento de consciências críticas; o assédio moral praticado pelos dirigentes, de órgãos públicos, de empresas privadas e até por sindicalistas, contra seus subordinados, o que leva os subordinados menos preparados para lidar com a situação a desenvolverem problemas psíquicos sérios; a discriminação racial e social; a exploração do trabalho doméstico, sem a devida contrapartida; a exploração do trabalho infantil etc.[2]

Obviamente, alguns desses episódios não contem os ingredientes típicos da violência, em sua forma extrema, como a existência de uma arma letal ou de “um corpo estendido no chão”, ensanguentado e arrebentado. Mas, alguém poderia negar, em sã consciência, que eles têm sua parcela de contribuição para a disseminação do fenômeno em comento? A conclusão que se impõe é que a violência é um fenômeno generalizado na sociedade contemporânea. Além disso, é um fenômeno que assume as mais diversas e variadas formas. A tentativa de compreensão mais adequada da violência através da sua consideração em uma perspectiva ampla impõe a exigência de apontarmos possíveis causas que deem conta da sua complexidade.

Por outro lado, o leitor mais interessado nos aspectos metodológicos poderia objetar que o modo de análise por identificação de formas diversificadas de violência parece andar na contramão do estudo sistemático de um problema, geralmente permeado por uma abordagem especificadora. Contudo, a ideia é exatamente mostrar que há algo de comum subjacente às várias formas de violência citadas e de outras não citadas: a forma de organização social predominante.

Background teórico

Durante os dois milênios da era cristã, o ser humano tem refletido bastante sobre a questão que analisamos e, assim, abordar algumas das formulações constante do acervo de conhecimentos à nossa disposição nos será de grande valia. Vamos considerar algumas das mais resistentes e racionalmente consagradas interpretações teóricas que tentam dar conta da “essência” do comportamento humano. Resumiremos a seguir aspectos centrais das concepções de mundo formuladas pelos pensadores Thomas Hobbes, Karl Marx, Sigmund Freud e Jean-François Lyotard, para identificar nelas elementos que possam auxiliar na tarefa de compreensão da questão da violência.

Thomas Hobbes (1588-1679) defende uma tese sobre a definição do ser humano quase impossível de ser rejeitada. Sua frase lapidar, que expressa essa definição é: o homem, em estado de natureza, é o lobo do homem. Mas, o que seria o estado de natureza, para Hobbes? Uma situação caracterizada como um estado não político ou mesmo anti-político, constituído principalmente por indivíduos isolados, embora associáveis. Segundo Hobbes, a razão ensina que neste estado os indivíduos são dotados de direitos naturais: direito à vida, à liberdade, à igualdade e, em consonância com o último, o direito de todos “tomarem em suas próprias mãos”, a defesa dos seus direitos, quando usurpados ou simplesmente ameaçados. Para ilustrar, se alguém apenas ameaça atentar contra o direito de outro é lícito ao ameaçado, inclusive aliando-se a outros, atacar o primeiro.

O “estado natural” é, portanto, um estado de ausência completa de poder superior a todos os indivíduos. Mas, justamente, por causa da liberdade, da igualdade e da ausência de um poder comum, no “estado natural” os riscos de perecimento do homem são constantes. O estado natural tende essencialmente para a belicosidade, porque nele nada impede que alguém atente contra os direitos dos outros. Por isso, a razão aponta também para a necessidade de saída dos homens dessa condição para uma outra, que ofereça garantias dos seus direitos. O contrato celebrado entre os indivíduos para constituição da sociedade política surge, pois, como instrumento capaz de garantir a emancipação do homem da condição frágil do estado anterior.

Karl Marx (1818-1883) trouxe para o cenário teórico de compreensão das sociedades e das relações humanas algo nuclear na forma predominante de organização social atual. Na verdade Marx fez uma reflexão sobre uma categoria presente nas inquirições que fazemos nas várias dimensões da realidade, especialmente no campo da ética – o conceito de valor. Mas, o mérito maior de Marx foi analisar esse conceito em sua dimensão econômica, evidenciando sua significação social, humana, bem como suas implicações subjetivas e objetivas.

Fazendo um esforço de síntese quase impossível, destacamos que na sua reflexão Marx fez uma distinção importante entre o valor de uso e o valor de troca de um objeto (mercadoria). O primeiro teria relação indissociável com a satisfação de uma necessidade humana, enquanto o segundo seria indiferente a ela. Ou seja, o valor econômico de troca de uma mercadoria não teria relação com nenhuma necessidade básica humana. Aqui está a raiz do problema. O valor de troca se transforma, cada vez mais, em uma propriedade sem relação com os objetos necessários à existência humana. Em relação a estes, o valor econômico de troca alça vôo rumo à superficialidade. Ganha independência, até instaurar outro reino: o do valor econômico por si, que vai desembocar no reino da especulação econômica. Nesta dimensão ganha características próprias: seu poder de sedução é extremo e irresistível. É fetichizado por todos. Não seria exagerado afirmar que, no imaginário social atual, não há quem não sonhe em viver do poder especulativo do dinheiro.

Sigmund Freud (1856-1939) é conhecido como “pai da psicanálise”. Ele é o estudioso que inventou um método para interpretar[3] a dimensão mental que ainda hoje muitos consideram irracional, especialmente no território do saber filosófico, que se autoproclama “senhor da razão”. Esse lado “irracional” da mente é constituído por questões geradas, aparentemente, por causas não orgânicas, como angústias, medos, traumas, e outros inicialmente denominados histerias. A questão é que isso significou apenas o começo, a ponta de um novelo que conduziu a um número “infinito” de problemas que se descobriu povoarem a vida mental humana: neuroses, depressões, loucura, chiste, bipolaridade, autismo etc.

E como a psicanálise interpreta esses problemas? Certamente, esta é a teoria mais difícil de ser objeto de uma síntese, em espaço tão curto, com chances de ser razoavelmente compreendida. Mesmo assim, vamos destacar alguns elementos que entendemos poderem ajudar a entender o fenômeno da violência humana.

Os psicanalistas pressupõem a existência de dois componentes básicos de nossa vida mental: esta seria constituída de forças e pulsões e por algo que induz a psique a satisfazê-las. As forças e pulsões seriam expressão de nossas necessidades orgânicas e psíquicas, tais como fome, sexo, agressividade, curiosidade etc. Esses componentes residiriam na “casa das pulsões” – a instância instintiva original da mente, que Freud denominou Id. Essa residência também se confundiria com a dimensão inconsciente de nossas mentes. Característica fundamental a perpassar esse domínio, segundo Freud, seria que o funcionamento mental humano é governado pelo princípio básico cuja função é evitar o desprazer.

Contudo, não é difícil apontar pulsões (desejos) inaceitáveis, como o caso da criança (e de senis) que decora as paredes da sala de visitas com fezes, ou o do tarado (psico ou sóciopata) que quer estuprar (e, às vezes, também estrangular) todas as meninas da escola. Desejos dessa monta colidem com a boa educação ou com os pudores da consciência calcada em certo código moral. Desejos dessa natureza têm que ser censurados e reprimidos, pois, caso não tenham termo, no limite, acarretariam o colapso da própria sociedade. Para dar conta desta tarefa de censor e de repressor entra em cena, então, como representante do princípio de realidade, o Superego, que, para realizar suas atribuições utiliza-se, inclusive, das normas morais vigentes. O Superego é a estrutura da mente que tem a função de monitorar as pulsões que fogem do domínio do Id (inconsciente) para se alojar no domínio do Ego (consciente).

Jean-François Lyotard (1924-1998) é responsável por trazer à cena cultural do século XX um dos pontos de vistas mais esclarecedores sobre as vicissitudes da sociedade contemporânea. Podemos asseverar que a característica mais apropriada da concepção do que Lyotard denominou “a condição pós-moderna” dessa sociedade é a falência do universal. Na verdade, pelos menos de certos valores alçados à condição de universais.

A visão do filósofo francês a respeito da sociedade contemporânea é condensada de modo singular no resumo a seguir.

Lyotard denominou “pós-moderna” a época em que nossas teorias não conseguem convencer mais muita gente, do modo como até então elas faziam ou, pelo menos, parecia que faziam. Elas, as teorias, diziam: nossas narrativas sobre a vida, o homem e o mundo podem até estar erradas, mas nossos pés são sólidos, porque essas teorias que professamos são apenas a periferia de uma metateoria, uma metanarrativa, na qual se encontram todos os fundamentos que precisamos. O mundo pós-moderno, na fórmula de Lyotard, caracterizou-se como a época, a nossa época, de perda de credibilidade na metanarrativa (ou nas metanarrativas). Nenhuma suprafilosofia ou supraciência pode estar na base da ciência, porque muita gente usa da ciência, vê que ela funciona, diz que ela é verdadeira, mas jamais encontraria razões para justificar hoje tais teorias como necessárias a partir de uma grande narrativa, uma metanarrativa como, por exemplo, a metanarrativa do iluminismo, do hegelianismo, do marxismo e assim por diante. Essas narrativas perderam a credibilidade. Essa posição que entende que este é o clima intelectual, moral e estético em que vivemos, que este é o espírito do nosso mundo contemporâneo, é a posição genericamente chamada de pós-moderna (GUIRALDELLI, In RORTY, 1999, p. 33-34).

Tal diagnóstico significa que simplesmente ruiu o mundo no qual os filósofos tinham consciência do que era conveniente ensinar. O desmoronamento deste mundo turvou nossa capacidade de estabelecer legitimações convincentes e claras sobre o verdadeiro e o justo. E, enfim, fez a todos nós entrar em um processo de flutuação em um campo que se estende do júbilo à liberdade extrema à angústia pela perda das certezas.

Como uma espécie de confirmação da previsão de um experimento, ingrediente poderoso na consolidação desse novo panorama veio com a frustração causada pelo fracasso e, finalmente, dissolução, dos Estados (“socialistas”) que representavam as esperanças de construção de sociedades que reduzissem as desigualdades sociais, durante o século XX.

Com a derrocada dos regimes políticos nos países que representaram experiências do que se convencionou denominar “socialismo real” fortaleceram-se, sobremaneira, os valores capitalistas: livre-iniciativa; individualismo; busca da riqueza pela riqueza; incremento do capitalismo especulativo; explosão dos conflitos regionais entre os países, associada a uma nova fase do imperialismo; exploração predatória das riquezas naturais; redução da presença do Estado na proteção aos direitos sociais; consolidação do modelo representativo de governo, com a exclusão da coletividade das decisões cruciais; enfim, consolidação do apartheid social (a palavra sumiu do vocabulário político usual mas o fenômeno nunca foi tão atual).

Duas ordens de considerações podem ser adotadas na análise do sucinto referencial teórico precedente. A primeira diz respeito à natureza do elemento genético da violência. Quanto a esse aspecto, tradicionalmente a discussão para compreender a questão da violência tem sido dominada pela polarização entre os adeptos de causas naturais e aqueles para os quais a questão é cultural.

A propósito, a perspectiva inicial de Freud seria um mixto das duas coisas. Tenderíamos, “naturalmente”, pelo princípio do prazer, a uma situação que poderia ser violenta no seu limite. Contudo, o princípio de realidade, pela compreensão da nocividade à sociedade e à existência representada pela tendência anterior, levaria o homem a sobrepujá-la. A perspectiva hobbesiana pode ser interpretada como advogando a violência como uma característica “natural” do ser humano. Contudo, o medo, o ataque defensivo, preventivo ou por impulso agressivo ou dominador, possuem características históricas e sociais diferenciadas. Por isso, consideramos difícil sustentar a tese de que a violência é inerente a uma “natureza humana”. Na verdade, o que se impõe como conclusão é a constatação que, em Hobbes e em Freud nós temos a “razão” propondo controles sobre tendências violentas. Isso significa que há crença na capacidade da subjetividade humana de conceber e de imprimir outra direção à forma de organização social corrente.

A segunda ordem de considerações diz respeito às características agregadas à compreensão da cultura no mundo atual na sua condição de determinante da violência. Aqui entra a valiosa contribuição de Lyotard. A relativização das grandes narrativas implicou na relativização dos valores morais tradicionais. Mas, a nivelação dos valores quanto à autoridade dos seus fundamentos deve ser vista como algo positivo. Entendemos que seu mérito está em revelar os “pés de barro”, principalmente, dos fundamentos que se autoproclamavam superiores porque calcados numa propalada transcendência.

Contudo, o mais importante é que a crítica relativizadora dos valores não implica que a sociedade existe sem, ou possa prescindir de um código de normas de conduta a ser obedecido pelos homens. A tendência instintiva, mas culturalmente cultuada, a subjugar o outro e a necessidade instransponível da existência dele para existirmos, que constituem a “essência” do nosso modo de ser, impõe a necessidade de concebermos normas de convivência. Portanto, ao contrário do que possa sugerir, a constatação da “condição pós-moderna” mostra que valores são a condição sine qua non para a sociedade continuar a existir. Então, a questão que deve governar nossas reflexões nesta matéria diz respeito à natureza dos novos valores que passaram a ocupar a função dos antigos valores reputados universais. O desafio contemporâneo começa pela identificação dos novos valores que estão permeando as relações entre os homens. Infelizmente, essa é a parte mais fácil do nosso desafio.

Considerações finais

Estamos agora em condições de compreender porque a violência recrudesce no mundo todo. Podemos apontar, sem receio, duas causas fundamentais para a ocorrência do fenômeno: falência dos valores morais tradicionais, fundados nas grandes metanarrativas, que caíram no descrédito; e a suplantação do valor de uso dos objetos pelo valor econômico artificial, que ganhou substância ao “criar” demandas transcendentes às “necessidades” suficientes a uma existência humana digna.

Desta forma, o recrudescimento da violência no mundo não é uma conseqüência inevitável da relativização dos costumes, dos valores, das visões de mundo etc., mas da inversão de valores que ela provocou. Entendemos que, não o desaparecimento, mas a troca de valores na sociedade atual permite compreender a condição na qual nos encontramos. Não há sociedade sem um código de normas, pois estas são a condição sine qua non para a vida em comum continuar a existir. Esse é o princípio elementar que deve governar as novas reflexões. O grande problema está na natureza dos valores predominantes na sociedade atual.

Com a relativização dos costumes, dos valores, das visões de mundo etc. nos lançamos ao usufruto da liberdade extrema e abusamos do poder que todos detemos.[4] Damos vazão, com naturalidade, à nossa ganância através de práticas como a da corrupção e de infindáveis outras formas de violência. Tal comportamento desencadeou a falência de outros valores socialmente importantes tais como hierarquia, respeito à autoridade etc., o que estimulou mais violência. Se há corrupção no Vaticano, nos governos, nos parlamentos, nas cortes judiciais e em outras instâncias de poder como se pode exigir comportamento moral inatacável do favelado?

Identificamos subjacente às várias formas de violências, o fenômeno fundamental. O dinheiro e a riqueza são os novos valores absolutos na sociedade contemporânea, assim como o uso de quaisquer meios para consegui-los. Essa é a razão porque países em guerra entre si têm também entre si parceria para comercializar armas. É a razão porque países e até o Vaticano adotam posições contraditórias nos conflitos bélicos em função da relação que mantêm com as partes envolvidas. E é a razão porque determinados países podem e outros não, ter armas nucleares. E assim permitimos aos “aliados”, e condenamos nos adversários, a prática do genocídio. É simplório? Pode ser. Mas, é, também, algo pior: é brutal.

Podemos afirmar que essa leitura da condição humana no mundo atual a equipara ao “estado natural”, conforme concebido pela doutrina contratualista. E se a comparação faz sentido, então, como nos termos dessa doutrina, ou encontramos saída para o estado que nos encontramos no mundo atual ou então a barbárie que já campeia amplamente ocupará as poucas dimensões da vida contemporânea que ainda não a conhecem. Encontramo-nos, portanto, perante um desafio incontornável.

Para trilhar esse caminho, como ressaltamos, a parte mais fácil foi conceber a natureza dos valores que passaram a governar a sociedade no momento em que o pensamento teve consciência da relativização dos valores antes considerados absolutos. Os valores materialistas da concepção capitalista de sociedade continuam a gozar de supremacia e isso decorre, irronicamente, do seu imenso poder de sedução sobre o “espírito” de todos nós. Se essa constatação parece dolorosa, nosso “realismo” sinaliza para perspectiva mais terrível: às vezes assoma à nossa mente o pensamento que para arrancar essa sedução do nosso “espírito” parece que o mundo ainda terá que testemunhar a produção de mais barbárie pelo capitalismo.

Entretanto, se há dimensão racional em nossa evolução é hora de usá-la. Devemos lançar mão de nossa capacidade de produzir conhecimento e desenvolver esforço no sentido de conceber e indicar um horizonte com alguma réstia de luz para enfrentar esse desafio. Obviamente, este só pode ser encontrado nos marcos da reflexão ética. O problema maior é que a parte mais difícil do nosso desafio é estabelecer acordo sobre o código de conduta moral a determinar as relações humanas.

Destacamos dois obstáculos necrosados neste caminho. O primeiro e mais sério de todos é que a própria ética não goza de caráter axiológico entre os homens, não ostenta caráter de valor social, além de restritos círculos acadêmicos. O segundo obstáculos é que, mesmo nos restritos domínios em que se fala ainda em ética, as discussões continuam a ser dominadas pelos velhos ideais de construção de metanarrativas. Aliás, pior que isso, insiste-se na volta às velhas metanarrativas. Não ouvimos, não queremos aceitar e, assim, não respeitamos a reflexão de Lyotard.

A superação desses obstáculos passa, para que se tenha possibilidade de colocar a discussão sobre a moralidade como ingrediente fundamental na superação da forma de organização social do mundo atual, por duas condições. A primeira é o abandono do atrelamento à lógica mencionada como segundo problema, ou seja, o abandono do ideal de retornar às grandes narrativas – seja as conhecidas seja a propositura de novas. Ética das virtudes, altruísmo ou imperativo categórico não emplacam mais, pois seu poder argumentativo foi minado pelos fatos históricos. É grande estultice insistir nessa via.

A segunda condição é atualizar a discussão e estabelecer o reconhecimento da proposição de uma moral nos marcos da visão pragmática. Entendemos que a reflexão ética necessária ao aprofundamento dessa proposição merece espaço próprio. Aqui desejamos apenas indicar que uma justificativa substantiva para a necessidade de estabelecermos um novo pacto social, bem como a apresentação de um modelo para tal podem ser encontrados no neocontratualismo formulado pelo estudioso John Rawls.


 

Bibliografia

CERQUEIRA, L. A compra de votos para a reeleição de FHC. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Opiniao/A-compra-de-votos-para-a-reeleicao-de-FHC/26654. Acesso em: 16 agost. 2014.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 25 ed. Trad. Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2012.

GHIRALDELLI, P. “Pragmatismo e neopragmatismo”. In: RORTY, R. Para realizar a América – o pensamento de esquerda no século XX na América. Trad. Paulo Ghiraldelli Jr., Alberto Tosi e Leoni Henning. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999, p. 7-38.

HERRMANN, F. O que é psicanálise. 9 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

HOBBES, T. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz N. da Silva. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988 ( Os Pensadores).

LYOTARD, J-F. O pós-moderno. Trad. Ricardo C. Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de José Carlos Bruni (et al). 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (Os Pensadores).

Nações armadas. Revista Superinteressante. Ed. 336, ano 27, nº 9, agosto de 2014, p. 64-65. ISSN 0104-1789.

RAWLS, J. O direito dos povos. Trad. Luis C. Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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WOLLHEIM, R. As idéias de Freud. Cultrix: São Paulo, s/d (Mestres da Modernidade)

[2]Uma observação que revela, de forma radicalmente singular, os rumos da compreensão que temos acerca do problema da violência no mundo: em reportagem do “Jornal Nacional”, da Rede Globo, de 18.8.14, o papa Francisco defendeu a intervenção americana no conflito civil que está ocorrendo no Iraque, embora tenha descartado que estivesse falando de guerra. Questionamentos desconcertantes e inquietantes: por que não temos pronunciamento semelhante do sumo pontífice sobre o conflito Israel-Faixa de Gaza? Será possível que a motivação de Francisco seja o fato dos rebeldes iraquianos pertencerem à religião muçulmana?

[3] Segundo Herrmann, na verdade o próprio Freud distinguiu três sentidos para o termo “psicanálise”: “é o método interpretativo, mas significa também uma forma de tratamento psicológico (ou psicoterapia analítica) e igualmente é o nome do conhecimento que o método produz (ou teoria psicanalítica)” (p. 18).

[4] Para uma compreensão original sobre o poder, caracterizado como um fenômeno a perpassar as várias esferas sociais, tanto horizontal quanto verticalmente, veja o excelente trabalho de Michel Foucault. Uitilizando o conceito de “microfísica do poder”, o filósofo francês difunde o fenômeno e o identifica como presente nas várias instâncias da vida social e cultural.

Sobre o autor
Vicente de Paula Gomes

Doutor em Filosofia pela UNICAMP (com tese crítica sobre o uso do princípio de causalidade nas inquirições de episódios científicos, um dos pilares do programa forte em Sociologia da Ciência defendido pela Escola de Edimburgo). Mestre em Filosofia pela UNICAMP (com dissertação sobre a estruturação da Sociologia do Conhecimento por Karl Mannheim). Especialista em Filosofia Contemporânea, convênio UFPI-UFRJ (com monografia sobre O Conceito de Existência em Heidegger). Graduado em Filosofia pela UFPI. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Trabalha nas áreas acadêmicas de Ética, Filosofia da Ciência, Metodologia da Ciência, Teoria do Conhecimento, Filosofia Social, Filosofia Contemporânea, Metodologia Filosófica, Sociologia da Ciência. Analista Judiciário do Quadro de Pessoal da Secretaria do TRE-PI.

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O aumento da violência na sociedade exige uma discussão que não se restrinja ao domínio da natureza da legislação pertinente, mas revela-se carente de reflexões sobre os seus fundamentos morais.

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