Em 12.09.2014 publicamos artigo no Valor Econômico no qual traçamos breve evolução histórica de toda a celeuma processual envolvendo o RE 240.785 e o ajuizamento da ADC 18. Na ocasião, registramos o árduo trabalho que tem sido desenvolvido pela Confederação Nacional do Transporte – CNT, no sentido de retomar a continuação do julgamento do RE 240.785 (que contabiliza sete votos já prolatados), ao invés de se aguardar o início do julgamento da ADC 18.
Esse árduo trabalho, que também contou com a colaboração da colega que patrocina o RE 240.785, culminou com a inclusão deste caso na pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Isso significa relevante conquista, na medida em que se sinaliza com a continuação – e consequente conclusão – do julgamento do RE 240.785, cujo início no Plenário do STF ocorreu em 1999 (há quinze anos, portanto).
Não obstante, a Fazenda Nacional, inconformada com a continuação do julgamento, que tem como derrota certa na sua carteira de casos, protocolou petição em 06.10.2014, na qual sustenta que: os autos do RE 240.785 “encontra-se sob a custódia do Ministro Gilmar Mendes, em face de pedido de vista”; o tema em questão também está submetido ao Pleno nos autos do RE 574.706 e da ADC 18, razão pela qual os três processos deveriam ser pautados conjuntamente; a ADC 18 teria preferência de julgamento, “tendo em vista o caráter concentrado do referido feito”; em 14.05.2008 o Pleno resolveu Questão de Ordem nos autos da ADC 18, na qual restou consagrada a precedência desse processo objetivo sobre o RE 240.785; dos dez votos necessários ao deslinde do caso, faltariam sete votos, levando-se em conta a composição atual da Suprema Corte.
Contudo, a toda evidência, claudica a petição da Fazenda Nacional, contemplando informações equivocadas e desatualizadas em relação à atual jurisprudência do STF sobre o tema específico processual. Vejamos.
Em realidade, o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes nos autos do RE 240.785 foi formulado na sessão de 24.08.2006 e foi devolvido em 04.12.2007, como se verifica na relação de processos com vistas devolvidas no sítio eletrônico do STF. Precisamente nesse entretempo, em 10.10.2007, a AGU procedeu a manobra processual de ajuizar a ADC 18, com o escopo declarado de renovar o julgamento desde o seu início (e, portanto, com o desprezo dos sete votos proferidos anteriormente).
Se é verdade que o tema em foco está submetido ao Pleno do STF tanto nos autos do RE 240.785, como também da ADC 18 e do RE 574.706 (com repercussão geral), é igualmente verdade que na sessão de HOJE estes últimos jamais poderiam ser chamados a julgamento. É que na ADC 18 o Ministro Celso de Mello (Relator) ainda não liberou o seu voto, o que inviabiliza pauta-lo. Por sua vez, o RE 574.706 não poderia ser incluído porque a Ministra Cármen Lúcia (Relatora) encontra-se em viagem internacional representando a Corte (até o dia 09.10.2014 em Berlim, onde participa de um grupo de estudos sobre justiça transicional, organizado pela Fundação Konrad Adenauer, e nos dias 10 e 11.10.2014 em Roma, para a 100ª sessão plenária da Comissão de Veneza).
Desse modo, não é razoável e tampouco proporcional que a retomada do julgamento seja postergada ainda mais, depois de quinze anos aguardando a sua conclusão.
Quanto a Questão de Ordem pela qual se decidiu pela precedência da ADC 18 sobre o RE 240.785, na medida em que o controle concentrado precederia o controle difuso, cuida-se, em realidade, de entendimento superado no âmbito da jurisprudência recente da própria Suprema Corte. De fato, entre o ajuizamento da ADC 18 – e a tal Questão de Ordem – e os dias atuais, a jurisprudência evoluiu no sentido oposto ao do fundamento que naquela ocasião acabou por interromper o julgamento do RE 240.785.
Nesse sentido, cabe registrar o recente exemplo destacado nos autos de petição protocolada pela CNT em 02.06.2014 nos autos da ADC 18: “destaca-se recente julgado em Plenário (23.04.2014) do RE 595.838, que, em momento imediatamente anterior ao início das sustentações orais, ensejou a tomada da Tribuna por advogado representante da CNI alegando que a ADI 2.594, que trata do mesmo assunto em discussão no RE 595.838, deveria ser julgada antes mesmo, ou, ao menos, em conjunto com o RE em pauta naquela assentada, haja vista a sua tramitação no STF por mais de dez anos, ou seja, desde 01.02.2002 (assim como as ADIs 5.036 e 5.102 então apensadas)”. Em seguida, concluiu que: “Diante de tal ‘preliminar’, o Tribunal não só rechaçou veementemente o pedido da sustentação oral pleiteada pelo pretendido “amicus curiae”, como também verbalizou enfaticamente com a afirmativa de que, por se tratar do mesmo tema, nada impediria que o STF julgasse o RE e depois aplicasse o decidido nas ADIs que aguardavam julgamento”.
O despacho do Ministro Celso de Mello, Relator da ADC 18, reconheceu expressamente que: “(...) a existência de ações diretas ou de ações declaratórias de constitucionalidade, (...) não impede que se julguem recursos extraordinários (como o RE 240.785/MG) ou outras causas em cujo âmbito tenha sido instaurado idêntico litígio constitucional” (DJe de 25.06.2014).
Por fim, a petição fazendária traz que dos dez votos a serem proferidos supostamente faltariam colher sete da composição atual. Ora, nada mais equivocado. Em realidade, no RE 240.785 falta colher os votos apenas e tão somente dos Ministros Gilmar Mendes (que já devolveu a vista), do Ministro Celso de Mello (Relator da ADC 18 que não está em pauta) e da Ministra Rosa Weber. Os demais estão devidamente representados por seus antecessores nos votos anteriores.
Aliás, de modo diametralmente oposto ao que pretende a Fazenda Nacional, verifica-se que se o julgamento do RE 240.785 ainda não foi concluído por esta Corte Suprema, isso se deve exclusivamente à manobra processual engendrada pela própria União, quando do ajuizamento da ADC 18.
Não fosse isso, a questão jurídica em tela provavelmente não permaneceria aberta até os dias atuais, pois o Ministro Gilmar Mendes devolveu o seu pedido de vista em 2007. Com efeito, se houve uma provocação por parte da União para eternizar o julgamento do RE 240.785, que isso agora não sirva como justificativa para se cancelar os votos já proferidos.
Ora, o mero pedido de vista formulado por Ministro que pretende analisar melhor a questão jurídica submetida ao crivo do Plenário (como ocorreu com o Ministro Gilmar Mendes no RE 240.785) jamais deveria ensejar o desprezo dos votos já proferidos no julgamento, com o seu subsequente recomeço na composição mais atual (como pretendeu a União com o ajuizamento da ADC 18).
Tal entendimento, a toda evidência, significaria flagrante descrédito e permanente desgaste da instituição que é o STF. Nesse sentido, cabe registrar o seguinte trecho do despacho do Ministro Marco Aurélio no RE 240.785, recentemente publicado no DJe de 03.09.2014: “O quadro gera enorme perplexidade e desgasta a instituição que é o Supremo. A apreciação do processo teve início em 8 de setembro de 1999, ou seja, na data de hoje, há catorze anos, onze meses e catorze dias. Após incidente que resultou em declarar-se insubsistente o que deliberado no início do julgamento, considerada a passagem do tempo, na sessão de 24 de agosto de 2006, veio à balha pronunciamento conhecendo do recurso extraordinário e, quanto ao mérito, houve a formalização de seis votos favoráveis à contribuinte. Mas, fadado o processo a incidentes, a sequência do exame foi interrompida, a pretexto de aguardar-se o atinente a processo objetivo – Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18”.
Por fim, impõe-se registrar que a União insiste em buscar a postergação, a qualquer custo, do julgamento da questão jurídica pendente de conclusão no Re 240.785 há quinze anos, com o desprezo de sete votos já prolatados (faltando apenas três para a sua conclusão). A eventual concordância com pleito tão absurdo implicaria necessariamente na violação à segurança jurídica, alimentaria a descrença na instituição do STF (como vimos) e também violaria a razoável duração do processo, o que seria inadmissível a essa altura dos acontecimentos.
Concluindo, cabe à comunidade jurídica acompanhar com o interesse cabível a retomada e conclusão do julgamento do RE 240.785, prevista para a pauta de HOJE, quando se espera será proclamado o resultado final no sentido da inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS.
Com o pronunciamento definitivo pelo Pleno do STF no RE 240.785, inclusive com a atribuição do efeito próprio da repercussão geral, impõe-se a aplicação de tal decisão tanto à ADC 18 como também ao RE 574.706.