O Direito Penal e os crimes cibernéticos.

Delitos virtuais cometidos e ausência de legislação específica

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O presente artigo propõe uma análise dos avanços proporcionados pelo advento da tecnologia hodierna, bem como o manejamento de informações cibernéticas e suas incidências no âmbito jurisdicional brasileiro.

RESUMO:

O presente artigo propõe uma análise dos avanços proporcionados pelo advento da tecnologia hodierna, bem como o manejamento de informações cibernéticas e suas incidências no âmbito jurisdicional brasileiro. Enfatiza-se ainda o fato inegável da seara tecnológica também ser utilizada com o fim específico de práticas delituosas e de que modo alguns princípios penais se relacionam com o assunto abordado.

PALAVRAS-CHAVE

Direito Penal; Novas Tecnologias da Informação; Crimes cibernéticos

 

INTRODUÇÃO

            O final do milênio e o início do século XXI apresentaram mudanças científicas capazes de alterar a vida da população mundial. A tecnologia moderna trouxe consigo a era da evolução digital e, com isso, integrou o dia-a-dia das pessoas com notórios meios e aparelhos avançados, como celulares, microcomputadores, e-mail, internet, TV a cabo, carros com diversos itens eletrônicos que facilitam e tornam práticas corriqueiras mais confortáveis, dentre outros.

            Contudo, mesmo que nas últimas décadas a Terceira Revolução Digital tenha transformado o meio em que se vive junto com a forma de comunicação social, é evidente que nem tudo mudou. Há meios naturais e espaços físicos os quais o ser humano ainda não alterou (antropomorfismo) e servem posteriormente como uma forma de “escapismo bucólico”.

            Desse modo, aos poucos a tecnologia vai se inserindo em instituições tradicionais e consuma uma evolução plena. Essa operação muitas vezes se dá de modo “espontâneo”, como na troca de informações por meio da rede mundial de computadores (Internet), cuja atuação obteve um marco histórico na sociedade como um todo e, por outras vezes, a tecnologia é demandada para transformar de alguma maneira certos institutos tradicionais extremamente necessários, objetivando torná-los mais céleres e eficazes. A Educação, por exemplo, foi afetada pela facilidade interacional tecnológica pelo fato do ensino em sala de aula demandar uma aprendizagem que não se via tempos atrás.

            Outro instituto tradicional que começa a se abrir para novas possibilidades tecnológicas é o Direito. O potencial dinâmico da tecnologia é essencial para a plena operação do direito em tempos modernos. Ressalta-se a atual necessidade de regulação das relações virtuais entre pessoas, o que o recente Direito Virtual ou Direito da Informática tenta trabalhar. Aparte de tais estudos, o presente trabalho propõe uma reflexão sobre a evolução e os efeitos das NTICs e sua relação com o âmbito do direito, bem como as práticas delituosas decorrentes do uso cibernético indevido.[1]

1 NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ÂMBITO PENALISTA BRASILEIRO

            As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, também conhecidas como NTICs, são tecnologias e métodos com o objetivo de comunicação que surgiram no contexto da Terceira Revolução Industrial (Revolução Informacional), desenvolvidas gradualmente a partir da década de 1970 e mais intensamente na década de 1990. Suas principais atribuições se caracterizam com a agilidade e horizontalidade do conteúdo da comunicação, tornando-o menos palpável (fisicamente manipulável).

            Todo este processo é possibilitado pela digitalização e comunicação em redes para captação, transmissão e distribuição de informações (texto, imagem, vídeo e som). Como exemplos de NTICs, têm-se: computadores pessoais; suportes para guardar dados como discos rígidos, cartões de memória, pendrives, o aposentado disquete, telefonia móvel, TV por assinatura, internet, e-mail ou correio eletrônico, tecnologias digitais de captação de imagem e som, etc.

            As NTICs constituem ferramentas práticas que possibilitam efetivar as garantias processuais da celeridade e eficácia. No Brasil, a transformação do sistema judiciário caminha a passos vagarosos, uma vez que cidades organizadas já possuem um meio jurídico virtual conciso através do PROJUDI (Processo Judicial Digital), enquanto que em muitas outras cidades isoladas, os agentes do direito manejam toneladas de papéis processuais, o que contribui para a lentidão e sobrecarga da Justiça brasileira.

            As NTICs apresentam potencial em manejar e ajudar na reforma do Judiciário por democratizar as possibilidades de acesso à Justiça, por contribuir com a celeridade e consequente economia processual, bem como realizar a gestão dos recursos humanos de modo mais eficaz. Além disso, possuem a capacidade de substituir tarefas rotineiras e permitir um controle eficiente da tramitação processual. [2]

            É preciso ressaltar que embora o avanço tecnológico tenha gerado inúmeros benefícios evidentes, trouxe também em seu manejamento prático várias condutas delituosas sobre as quais não existe até o momento algum tipo de regulamentação legal prevista no ordenamento jurídico. Assim, a aplicação da justiça fica inviabilizada de tomar providências legais no sentido de evitar que tais condutas abusivas se perpetuem.

2 PRINCÍPIOS PENAIS INCIDENTES NOS DELITOS CIBERNÉTICOS

            O Direito Penal é notoriamente reconhecido no ramo doutrinário como ciência valorativa, cultural, normativa e finalista, além de possuir um caráter sancionador, sendo, portanto, ramo do Direito Público tendente a regular as relações do indivíduo com a sociedade. O fato social é sempre um fator determinante para a taxatividade conceitual de Direito, o qual provém das necessidades envolventes em uma sociedade. Os atos humanos que se contrapõe às normas jurídicas fixadas atentam contra a ordem estabelecida, dando origem ao denominado ilícito penal. A estes, então, é dado o tratamento preestabelecido que corresponde a uma exigência de satisfação de justiça. [3]

            Para que o tema aqui analisado seja entendido no ramo jurídico em questão, é preciso que se faça uma breve abordagem acerca de certos princípios constantes nos delitos cibernéticos, dentre os quais: intervenção mínima do Direito Penal; subsidiariedade; legalidade; fragmentariedade e proporcionalidade.  

            A Carta Magna brasileira, em seu artigo 5º, XXXIX, juntamente com o artigo 1º do Código Penal, estabelecem que não há que se falar em crime se não houver lei anterior que o defina, ou seja, não há pena sem cominação legal.  Desse modo, a ausência de lei antecedente que estipule o que seja crime cibernético e o tipo de pena atribuído ao mesmo, dificulta a ação judiciária porque não há respaldo legal para agir a fim de fazer justiça. Tratar o Legislativo apenas do Comércio Eletrônico não é suficiente, assim como não basta que projetos de leis sejam feitos para que durem ad eternum. [4]

            O sistema legislativo nacional ainda é muito lento. Enquanto que em outros países já existem normas regulamentadoras do uso da informática, o Brasil dispõe apenas de Portarias e Resoluções que tratam desse tipo de abordagem. Vê-se, portanto, o completo atraso em termos de fixação legal em relação ao uso da tecnologia moderna, visto que atos administrativos tais como são as Portarias e Resoluções não obtém o mesmo peso de uma solução judicial dada ao caso. Assim, mesmo com a Lei de Software e a Lei de Direitos Autorais, o ordenamento jurídico atual precisa de complementações sobre o assunto. [5]

            O princípio da intervenção mínima possui em seu bojo teórico o entendimento de que é preciso ter cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal. Desse modo, não é qualquer tipo de prática comportamental que deve ser incriminada. Somente aquelas nocivas à sociedade, segundo comprovada experiência antecedente, necessitam de previsão punitiva específica se, em outros ramos do direito vigente, não puderam ser evitadas. Atende-se, consequentemente, ao pricípio da proporcionalidade, o qual afirma que para cada tipo de crime cometido, há um tipo de pena previamente assegurada em lei. [6]

            Da intervenção mínima decorre a característica da subsidiariedade e fragmentariedade. Assim, o Direito Penal não protege todos os bens jurídicos violados, apenas os tidos como mais relevantes, observados os momentos históricos de cada sociedade. Somente os casos de maior gravidade devem ser tutelados pelo ramo penal, protegendo, dessa forma, uma parcela ou fragmento dos interesses jurídicos. [7]

3 CRIMES CIBERNÉTICOS

            O novo paradigma de relacionamento entre os indivíduos permeado pelo “virtual” acabou por se apresentar para os criminosos como meio para suas práticas. Uma vez que o meio virtual se faz por analogia de instituições físicas do meio real como senhas, perfis de usuário, contas de correio eletrônico (e-mails), torna-se possível a interferência dessas informações com objetivos ilícitos. Tais práticas praticadas com as novas tecnologias da informação foram denominadas de crimes cibernéticos, ou crimes virtuais. A diferença básica entre crimes praticados no mundo real daqueles praticados no meio virtual é simplesmente o meio de prática em regra, já que as condutas são de certa maneira as mesmas nas duas situações, mudando-se somente o ambiente. Diga-se em regra por haver a distinção entre crimes próprios e impróprios da informática. Em outros termos, “aqueles crimes que somente podem ser praticados pelo meio virtual como o deterioramento deliberado de websites e os crimes que já são conhecidos pelo Direito Penal e são aplicados no meio virtual por analogia.” [8]

            A maioria dos crimes praticados na internet são os impróprios, pela própria questão de possibilidade, pois os crimes próprios em si são poucos. Atualmente são muito comuns casos de delitos virtuais envolvendo a inviolabilidade de correspondência e segredo, crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), pedofilia, pornografia infantil, crimes contra a propriedade, crimes contra o Estado e a incolumidade pública, falsa identidade, entre outros.[9] A falta de legislação específica para tais práticas, esta lacuna do Poder Legislativo dificulta a plena aplicação da pena quanto a prática destes crimes digitais. Observemos então algumas de suas peculiaridades.

3.1 ESPÉCIES DE DELITOS VIRTUAIS

  • Ameaça: a tipificação da conduta de ameaça, por palavra, escrito ou gesto com o objetivo de causar mal injusto e grave encontrada na internet pode ser indicada na representação da vítima, identificando o criminoso por meio de fornecimento de informação por parte da vítima.[10] Tal prática vem ocorrendo demasiadamente nas recentes redes de perfis sociais.
  • Furto: A conduta bem conhecida do furto também pode ser praticada no meio virtual, como “o furto de senhas e desvio de dinheiro decorrentes de prática criminosa, podendo a pena chegar a oito anos de reclusão e multa, por tratar-se de furto qualificado pela fraude ou abuso de confiança” [11]
  • Calúnia, difamação e injúria: O meio virtual é de certa forma tão enveredado nas relações pessoais que a mácula a honra da pessoa pode gerar sequelas psicológicas graves uma vez que conceitos como visualização pública, exposição ao ridículo, tomam proporções completamente diferentes. “São crimes que se percebe facilmente, quando um instrumento de comunicação pública ultrapassa a mera função informativa e passa a destacar juízo de valor sobre uma pessoa.” [12] Podem ser praticados também os delitos relacionados a discriminação religiosa, de raça e de etnia.
  • Estelionato: A conduta do estelionato tipificada pelo código penal necessita estritamente do meio ardiloso do criminoso para com a vítima, a qual é maculada no consentimento e torna possível a prática da fraude contra sua pessoa. Tal prática só se tornaria possível com o meio prático que se caracteriza no meio virtual, ou seja, a conduta ardilosa através da internet.[13]
  • Ciberterrorismo: Interessante também destacar o ciberterrorismo cuja prática vem tomando seus aspectos iniciais num mundo inteiramente conectado virtualmente e controlado digitalmente. Do modo que interatividade global se comporta, notou-se que a guerra de informações virtualmente manejáveis seria o principal meio de ataque entre potências mundiais. O ciberterrorismo poderia ser classificado como um ataque premeditado, com motivação política, contra o sistema de informações de um computador resultando danos consideráveis a algum sistema político de uma sociedade. Um ciberterrorista poderia, por exemplo, tanto acessar o sistema de controle de processamento de algum tipo de alimento industrializado e trocar a quantidade de certas substâncias causando doenças e mortes a quem consumisse quanto detonar em sincronia certa quantidade de bombas espalhadas por uma cidade. Em outros termos, ele utilizaria o meio virtual para atacar de modo massificado certa sociedade.[14]

 

CONCLUSÃO

            O Direito, em seu bojo teórico, é uma ciência complexa e dinâmica em sua estruturação normativa. Isso significa que a sociedade, junto com seus avanços técnico-científicos, é de fundamental relevância na fixação de padrões que, quando maculados, necessitam de tutela jurídica.

            O final do milênio e o início do século XXI geraram mudanças históricas capazes de alterar como um todo, a rotina e o modo de vida da população mundial. A tecnologia moderna trouxe consigo a era da evolução digital e, com isso, passou a integrar práticas sociais que são costumeiramente realizadas em diversas instituições hodiernas. No entando, apesar dos grandes benefícios trazidos pela informática, muitos são os atos delituosos que decorreram de tal avanço, como os já mencionados no presente artigo.  

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            Dessa forma, sob o parâmetro dos aspectos aduzidos neste trabalho, é de fundamental importância que o âmbito jurídico seja contemplado com normas que se refiram às práticas ilícitas cometidas através do meio cibernético, já que na sociedade atual, muitas são as vítimas afetadas negativamente por atos incompatíveis com o ambiente socialmente estruturado.  

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; CASTRO, Aldemario Araújo. Manual de Informática Jurídica e Direito da Informática. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

AZEVEDO, Robson Barbosa de. O combate à criminalidade cibernética no Brasil: parâmetros objetivos de tipicidade. Revista Jurídica Consulex. Ano XV. Nº 343. Brasília: Consulex, 2011.

CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. ed 11º, vol1, São Paulo: Saraiva, 2007.

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. ed 28º, vol 1, São Paulo: Saraiva, 2005.

LEITE, Jaime de Carvalho. Ciberterrorismo – O terrorismo na era da informação. In: ROVER, Aires José. (Org.). Direito e Informática. Barueri, SP: Manole, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais e as novas tecnologias da informação e comunicação. Rev. Sociologias, nº 13, p.82-109. Porto Alegre, 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222005000100004&lng=pt&nrm=iso > Acesso em: 27 out 2011.

SUANNO, Marilza Vanessa Rosa. Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: reflexões a partir da Teoria Vygotskyana. Disponível em: < http://www.abed.org.br/seminario2003/texto16.htm > Acesso em: 27 out 2011.


[1] SUANNO, Marilza Vanessa Rosa. Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: reflexões a partir da Teoria Vygotskyana. Disponível em: < http://www.abed.org.br/seminario2003/texto16.htm > Acesso em: 27 out 2011.

[2] SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais e as novas tecnologias da informação e comunicação. Rev. Sociologias, nº 13, p.82-109. Porto Alegre, 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222005000100004&lng=pt&nrm=iso > Acesso em: 27 out 2011.

[3] JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. ed 28º, vol 1, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 3, 6.

[4]ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; CASTRO, Aldemario Araújo. Manual de Informática Jurídica e Direito da Informática. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 186, 188.

[5] Ibid.

[6] CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. ed 11º, vol1, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 17, 19.

[7] JESUS, Damásio de. Op cit, p. 10.

[8]AZEVEDO, Robson Barbosa de. O combate à criminalidade cibernética no Brasil: parâmetros objetivos de tipicidade. Revista Jurídica Consulex. Ano XV. Nº 343. Brasília: Consulex, 2011.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] LEITE, Jaime de Carvalho. Ciberterrorismo – O terrorismo na era da informação. In: ROVER, Aires José. (Org.). Direito e Informática. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 49-54.

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