No mundo de aparências, onde todos querem ser os Heróis, é mister observar que poucos assumem suas desvirtudes e preconceitos. O resultado prático disso é vivermos nessa sociedade. Mas o que isso tem a ver com o Direito?
O direito é o local onde o mundo das aparências vale mais do que o das reais convicções. Ao dizer tais palavras, não me refiro apenas à linguagem fria e rebuscada dos juristas, às roupas caras, ou às vestes talares, mas sim especificamente à argumentação, onde a falsidade das mentiras exteriorizadas são mais relevantes que as crenças e verdades sentidas, mas não ditas. Nesse espectro, poderia se dizer que a argumentação seria uma espécie de apartamento, do qual as pessoas apenas observam o verdadeiro desenrolar da vida alheia.
Estranhamente, essa lógica de fingimento deliberado é aceita no meio jurídico sem maiores presunções ou questionamentos. Ninguém se preocupa com o que está por trás da argumentação jurídica, pois o que vale realmente é o que esta escrito e fora “objetivamente apresentado” para se tomar o “decisum”, ou simplesmente o mal disfarçado em forma de razão.
Para DEVLIN em THE JUDGE, o juiz deve mesmo mentir descaradamente para manter as aparências da aplicação positivista do direito, mesmo quando seja necessário se afastar da lei para fazer justiça substantiva, os juízes não deveriam assumir abertamente esta atitude. O “decisum real” deveria ficar obscuro a margem das aparências que são os alicerces das instituições responsáveis pela realização do direito.
Por “objetivamente apresentado” entenda-se aquilo que pode ser, de algum modo, inferido da normatividade oficial. Assim os juristas entendem ser “a fortiori” a argumentação de MAQUIAVEL em O PRINCIPE, acerca de que “ao Príncipe não basta apenas ser, mas sim, parecer ser”. Nesse antro da dissimulação, aplica-se então as matérias de fato, ou seja, o decisum nem sempre precisa ser válido, mas ter uma aparência de validade. E é este o ponto crucial da dissimulação dos juristas, pois sob a mascará do “boni iuris” um agente pode possuir todas as desvirtudes do mundo, porém, ante a verdade maquiada seus delitos serão removidos, e a sua palavra se tornará à magnifica divindade da justiça concretizada.
Sob as realidades dos argumentos em consonância com as normas da positividade jurídica, tudo aquilo que poderia trazer um “choque de realidade” é ocultado, visando não estimular o conflito, devendo o magistrado para tanto justificar o seu decisum de modo a ser compatível com o sistema legal, ainda que este não o tenha influenciado em seu pensamento.
O atual sistema prevê que o jurista apenas faça uso do campo da justificação, ou seja, a criação e o pensamento do decisor é irrelevante para a argumentação, tendo em vista que este é visto como apenas um resolvedor de problemas, pouco importando o liame lógico da descoberta da solução, bem como se acredita ou não nas razões por ele apresentadas.
A curto prazo não é passível uma solução concreta para esta temática, tendo em vista que apenas o crescimento pessoal e uma possível valoração do processo cognitivo de descoberta no contexto fático, poderia vir a minimizar o problema, sendo de modo integrado a interpretação e a argumentação para a formação da sentença ou decisum. Através da formação ética daqueles que serão os futuros operadores do Direito, bem como do incentivo ao pensamento lógico e desenvolvimento significativo do liame entre o problema e a solução, é que poderemos acabar com este, que se apresenta como um dos maiores inimigos do nosso conhecido Boni Iuris, mas que assim como um camaleão, tende a se esconder e camuflar-se oculto sob a manta da justiça, porém como os escombros de uma ruína, tende a ser levado pelo vento e alcançar os mais longínquos lugares, aproveitando-se das facilidades e fraquezas que este vem a lhe oferecer.