Trabalho escravo contemporâneo no Brasil

12/10/2014 às 01:14
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Este artigo apresenta um resumo do nascimento histórico do trabalho escravo no Brasil e de sua permanência na sociedade contemporânea.

  1. INTRODUÇÃO:

O governo federal brasileiro assumiu a existência do trabalho escravo contemporâneo perante o país e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. Assim, o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a reconhecer oficialmente a ocorrência do problema em seu território. De 1995 até 2013, mais de 45 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de escravidão.

Quando a oferta de mão de obra é muito abundante e os meios de produção estão nas mãos de poucos, as pessoas ficam sem alternativas de trabalho, o que pode comprometer a sua sobrevivência e, por isso, são levadas a aceitar qualquer emprego.

Nessa situação de exploração, o trabalho oprime o ser humano e deixa de ser algo que o realiza e satisfaz. Obrigado a se submeter a condições indignas, os direitos mais fundamentais são negados ao trabalhador. Não há também espaço para a criatividade, porque o trabalhador precisa cumprir metas de produção que lhe são impostas.

Assim, ele passa a agir de forma automática, refletindo muito pouco sobre a realização dos seus afazeres.

Diante disso, nem sempre o trabalho “dignifica o homem”, como afirma o ditado popular.

Em geral, trabalhadores escravos são migrantes que deixaram suas casas em busca de melhores condições de vida e de sustento para as suas famílias. Saem de suas cidades atraídos por falsas promessas de aliciadores ou migram forçadamente devido à situação de penúria em que vivem. Podem se destinar à região de expansão agrícola ou aos centros urbanos à procura de oportunidades de trabalho.

Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra é empregado em atividades econômicas desenvolvidas na zona rural, como a pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana de açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, essa situação também é verificada em centros urbanos. Infelizmente, há registros de trabalho escravo em quase todos os estados brasileiros.

Em zonas urbanas, a construção civil é um setor onde foram registradas ocorrências de uso de mão de obra escrava. Atualmente, essa atividade é uma das principais opções para trabalhadores que migram em busca de trabalho.

Ainda no que se refere a atividades não agrícolas, merece a atenção o setor têxtil, em que estão empregados os imigrantes latino-americanos, como bolivianos, paraguaios e peruanos. O número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou.

Contudo, há ainda aqueles que, por estarem em situação irregular, são mais vulneráveis à exploração. A migração é um direito humano, no entanto, muitas vezes, o fenômeno está relacionado a violações de direitos, como o trabalho escravo contemporâneo e o tráfico de pessoas.

O indivíduo submetido ao trabalho escravo está sujeito a uma série de violações que lhes subtraem a liberdade e a dignidade.

Muitas vezes, o trabalhador consegue fugir da situação de exploração, colocando a sua vida em risco. Quando tem sucesso em sua empreitada, recorre a órgãos governamentais ou organizações da sociedade civil para denunciar a violação que sofreu.

Diante disso, o governo brasileiro tem centrado seus esforços para o combate desse crime, especialmente na fiscalização de propriedades e na repressão por meio da punição administrativa e econômica de empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava.

Entretanto, a erradicação do problema só pode ser efetivada por meio da garantia de outros dois aspectos: a prevenção e a assistência ao trabalhador libertado, realizadas por ações da sociedade civil e pela adoção de políticas públicas por órgãos governamentais. A atuação nessas duas frentes de combate visa a reverter a situação de pobreza e de vulnerabilidade para que o trabalhador não caia novamente na mesma relação de exploração.

Diante disso, a educação tem papel fundamental para a quebra de paradigmas e a divulgação de informações, agindo diretamente na prevenção ao problema.

  1. ORIGEM HISTÓRICA

Por séculos, não existiu nenhum instrumento de proteção a que os trabalhadores pudessem recorrer quando eram submetidos a abusos, como as extensas jornadas diárias de trabalho, a ausência de dias de descanso semanais, salários irrisórios e o emprego indiscriminado de crianças.

Com a pressão dos trabalhadores, os governos regulamentaram as condições de trabalho e, assim, a legislação passou a proteger as pessoas contra os abusos dos empregadores.

No Brasil, a consolidação de leis trabalhistas teve início na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas.

Até então, as condições de trabalho no Brasil não eram regulamentadas: trabalho infantil, discriminação das mulheres, baixos salários, longas jornadas, ameaças, demissões e nenhum apoio do Estado marcaram o período que sucedeu a abolição da escravidão (1888). A partir do século XIX, trabalhadores estrangeiros, em sua maioria europeus e japoneses, vieram ao pais para substituir os escravos, mão de obra predominante nos períodos Colonial e Imperial.

Parte deles foi para a zona rural, nas plantações de café. A outra parte formou uma massa de trabalhadores assalariados na zona urbana para abastecer a nascente indústria nacional.

As primeiras conquistas trabalhistas se devem, em grande parte, as mobilizações de trabalhadores que se organizaram para cobrar seus direitos dos empregadores e do governo, entre o final do século XIX e início do século XX. Sindicatos e associações foram criados e paralisações realizadas para reivindicar melhores condições de trabalho e salários.

No campo, agricultores, escravos libertos, quilombolas e outros grupos também se organizaram durante a República Velha contra a situação de miséria e injustiça social. Foi o caso dos movimentos do Contestado, do Cangaço e de Canudos.

Getúlio Vargas tinha como projeto político incrementar o desenvolvimento industrial do pais e, em seu mandato, as oligarquias cafeeiras perderam o domínio que exerciam. Para garantir uma ampla base de sustentação política, Vargas adotou uma política de conciliação entre as reivindicações dos trabalhadores urbanos e os interesses da elite agraria e do setor industrial.

Em 1943, as leis criadas no governo de Getúlio Vargas foram reunidas e sistematizadas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que, até hoje, é o conjunto de normas que rege as relações de trabalho no Brasil. É o principal instrumento de proteção e garantia dos direitos do trabalhador e que regulamenta as relações entre patrões e empregados.

No entanto, esses direitos foram assegurados somente para a população urbana, em uma época em que cerca de 60% dos brasileiros viviam no campo, e trabalhavam ali sem nenhuma garantia.

Assim, a enorme massa dos trabalhadores rurais não foi beneficiada pela legislação trabalhista, e os empregadores rurais continuaram a explorá-la. Em 1973, a Lei no 5.889 instituiu normas reguladoras do trabalho rural. E, em 1988, a nova Constituição Federal assegurou os mesmos direitos a todos os trabalhadores, rurais e urbanos.

O rural e o urbano são mundos conectados. O modelo de produção e consumo que expulsa os agricultores familiares de suas terras é o mesmo que explica o crescimento desordenado das metrópoles.

Apesar das conquistas, há um grande número de trabalhadores que não tem seus direitos respeitados. Ainda é preciso avançar muito para garantir condições dignas de trabalho e remuneração justa a todos.

Os trabalhadores que estão desempregados acabam engrossando o que se chama de um exército de reserva de mão de obra. Essas pessoas estão sujeitas a exploração, pois podem ter de aceitar ofertas de ocupação temporária ou com péssimas condições de trabalho para poderem sustentar suas famílias. Ao demitir um funcionário, o empregador tem a disposição muitos outros para colocar no lugar.

O ideário do desenvolvimento que impulsiona a abertura de novas fronteiras agrícolas também acelera a construção civil. Não por acaso, portanto, o trabalho escravo contemporâneo é uma realidade no campo e nas cidades.

Quando os trabalhadores enfrentam a pobreza e a falta de possibilidades de trabalho em seus municípios de origem, tornam-se vulneráveis a aceitar qualquer oferta de trabalho, mesmo que isso signifique migrar para outra região sem conhecimento prévio das condições que irão enfrentar. No novo local de moradia, o trabalhador tem mais dificuldades de reivindicar seus direitos, pois está longe da família e desconhece entidades da sociedade civil ou órgãos do poder público a quem pode recorrer. Por isso dizemos que está longe de sua rede de proteção social.

São vários os motivos que levam as pessoas a aceitarem qualquer tipo de oferta de trabalho para garantir seu sustento e a acabarem exploradas como mão de obra escrava. O fato de não ter uma terra própria para plantar ou a dificuldade de obter condições econômicas para produzir, o desemprego ou a renda familiar insuficiente fazem o trabalhador deixarem sua casa em busca de serviço.

Se as condições de vida em seu município de origem não melhoram, o trabalhador é levado a continuar migrando. Distante do seu local de origem, o trabalhador deixa para trás o ambiente social de sua convivência e é obrigado a romper o vínculo afetivo que tem com sua terra natal. Além disso, a relação com a sua família e amigos pode se enfraquecer e, até mesmo, se romper.

  1. MIGRAÇÃO NO BRASIL

A história do Brasil também é marcada por diversas ondas migratórias internas. Com a redução dos fluxos migratórios internacionais, a partir de 1930, a demanda por força de trabalho foi suprida pelas migrações internas no país. Ao longo dos últimos 50 anos do século 20, elas reorganizaram a população no território nacional.

A partir dos anos 1950, o país registrou intenso fluxo de migração da região Nordeste para o Sudeste, que vivia o período da industrialização e atraía muita mão de obra. O chamado êxodo rural intensificou-se nesse período, quando grande parte da população que vivia no campo teve que buscar alternativas na cidade. Isso gerou uma grande concentração da população brasileira nos grandes centros urbanos.

Por muito tempo, quando a migração do Nordeste para o Sudeste era bastante intensa, a seca foi utilizada como justificativa para a migração forçada das famílias nordestinas. Embora o fenômeno da estiagem seja um desafio para a sobrevivência no campo, os pequenos agricultores conseguem produzir e conviver com essa condição climática, quando têm acesso à água e apoio para desenvolver a lavoura ou a criação de animais. Porém, a falta de políticas públicas e a concentração de terras são fatores determinantes de expulsão dos trabalhadores.

Na década de 1970, sob influência da política adotada pelo governo militar, foi grande o número de pessoas que se deslocaram do Sul para a Amazônia e para o Centro-Oeste do país. Com o discurso de “modernização” da agricultura brasileira, as grandes propriedades rurais receberam apoio financeiro para aumentar sua produtividade com o uso intensivo de máquinas e de produtos químicos, atendendo às demandas da indústria nacional e das exportações. Empresas nacionais e multinacionais foram incentivadas a se tornarem grandes proprietárias de terra.

A região amazônica foi alvo nesse período de um projeto de “ocupação” que garantiu que empresas e grandes proprietários – vindos principalmente do Sul e Sudeste – implantassem latifúndios, geralmente para a criação de gado. O apoio se deu por meio de incentivos fiscais e de obras de infraestrutura, como a construção da rodovia Transamazônica.

Pressionados pela expansão das monoculturas, pequenos proprietários tiveram que vender suas terras. Posseiros e pequenos arrendatários foram expulsos das áreas em que viviam e produziam. Com a mecanização nas grandes propriedades rurais, os trabalhadores já não eram mais tão necessários para o seu funcionamento. Muitas famílias deixavam o campo para viver nas cidades.

As trajetórias de migrações estão em constante mudança e os deslocamentos entre as regiões do país têm diminuído nas últimas décadas.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística registrou queda da migração para a região Sudeste e também no número de migrantes que deixam os estados da região Nordeste. Ainda assim, Bahia e Maranhão são os estados de onde mais saíram migrantes nos últimos dez anos. Surgiram ainda novos eixos de deslocamento da população, como, por exemplo, a migração para cidades médias no interior do país (com menos de 500 mil habitantes). Os deslocamentos cada vez mais são de curta duração e percorrem distâncias menores, e os principais movimentos ocorrem dentro das próprias regiões e no âmbito dos próprios estados.

Verificou-se também uma tendência de retorno dos migrantes aos estados de origem. Isso pode ter ocorrido por vários motivos, entre eles: esgotamento da geração de postos de trabalho no Centro-Sul, expansão de oportunidades econômicas nas outras regiões do país, crescimento da violência e as más condições de vida oferecidas nas metrópoles.

  1. CONSEQUENCIAS DA MIGRAÇÃO E DA IMIGRAÇÃO COMO UMA DAS ORIGENS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL:

Os estados de onde saem mais trabalhadores explorados como mão de obra escrava são aqueles que não oferecem empregos ou alternativas de geração de renda para as famílias se sustentarem, além de outros direitos fundamentais. É possível observar o grande fluxo de trabalhadores que deixam o estado do Maranhão, onde uma em cada quatro pessoas vive em extrema pobreza, o maior índice no país, segundo o IBGE.

Já os estados que recebem trabalhadores migrantes são aqueles em que há forte expansão do agronegócio e de grandes obras de infraestrutura, como Pará e Mato Grosso. Eles estão na região da floresta amazônica que é desmatada para dar lugar a pastos e plantações. Chegam a esses estados não somente migrantes à procura de oportunidades de trabalho, mas também pessoas aliciadas para trabalhar nesses empreendimentos.

É preciso dizer ainda que há estados que fornecem mão de obra e, ao mesmo tempo, recebem trabalhadores vindos de outros lugares. Este é o caso, por exemplo, de Pará, Tocantins, Bahia e Mato Grosso.

A Bolívia e o Paraguai são dois dos principais países de origem de imigrantes estrangeiros que chegaram ao Brasil nos últimos anos. A grande maioria deles está concentrada no estado de São Paulo, em particular na capital.

A imigração de bolivianos e paraguaios para o país não é recente, mas se intensificou a partir do ano 2000. Hoje são principalmente homens jovens e de baixa qualificação profissional que se mudam para cá. Esses imigrantes, em especial os bolivianos, vêm geralmente para trabalhar nas oficinas de costura, que são subcontratadas por confecções, inclusive pelas grandes marcas do mercado.

É comum que, na viagem para o Brasil, esses trabalhadores se endividem com seus empregadores, o que muitas vezes força a permanência do imigrante na oficina enquanto a dívida não for quitada.

Eles têm poucas alternativas de trabalho além da costura, já que grande parte está em situação irregular. Isso cria barreiras para o acesso à saúde e à educação e impossibilita coisas simples, como alugar um imóvel ou abrir uma conta no banco. Assim, se sentem inseguros de circular pela cidade e impedidos de exigir seus direitos trabalhistas e de denunciar a exploração.

Muitos trabalham e moram nas oficinas, dividindo o mesmo espaço com as máquinas de costura. Isso amplia a exploração desses trabalhadores, já que acabam existindo poucos limites entre os tempos de trabalho e de vida doméstica. Inclusive crianças vivem nesses locais, e não é raro o trabalho infantil.

Essas moradias costumam ser superlotadas e há regras rígidas impostas pelos contratantes para o dia-a-dia. Como esses trabalhadores são remunerados por peça produzida, o ritmo de trabalho muitas vezes é intenso. Esse quadro favorece a combinação de um trabalho precário e um cotidiano insalubre para esses imigrantes.

Em alguns casos, há retenção de documentos, endividamento e ameaças aos imigrantes. Várias oficinas que produzem para grandes marcas já foram autuadas por submeterem esses imigrantes ao trabalho escravo contemporâneo e eles foram libertados.

  1. O TRABALHO ESCRAVO
    1. O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO:

A Lei Aurea, assinada em 13 de maio de 1888, decretou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Porém, atualmente, o trabalho escravo se mantem de outra maneira. E ele não só acontece no Brasil, como também em quase todo o mundo, em países pobres ou ricos.

Segundo as estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), há pelo menos 20,9 milhões de pessoas escravizadas no mundo. Já a organização norte-americana Free the Slaves estima que há 27 milhões de pessoas nessas condições atualmente.

A OIT tenta regular, por meio de convenções, os temas referentes ao trabalho. Há duas importantes convenções – a 29 e a 105 –, assinadas por diversos países (incluindo o Brasil) que se comprometeram a acabar com esse problema. Elas datam de 1930 e 1957 e tratam da eliminação do trabalho obrigatório ou forçado em todas as suas formas, sejam elas de origem privada ou por parte de governos.

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No Brasil, o termo "trabalho escravo" é usado para designar a situação em que a pessoa está submetida a condições degradantes de trabalho, ao trabalho exaustivo e/ou a formas de privação de liberdade, ou seja, de trabalho forçado. Essa definição está prevista no artigo 149 do Código Penal brasileiro. Esse artigo trata do crime do trabalho escravo, ou como e escrito na lei, da redução de alguém à condição análoga à de escravo, ou seja, situação semelhante a de escravidão. A OIT e as Nações Unidas, por meio da relatora especial para formas contemporâneas de escravidão, reconhecem o conceito brasileiro de trabalho escravo.

  1. CARACTERISTICAS DO TRABALHO ESCRAVO:

O trabalho escravo contemporâneo pode ferir dois direitos essenciais a todo ser humano: a dignidade e/ou a liberdade.

Para configurar trabalho escravo, ou a dignidade e negada ao trabalhador, por meio de condições degradantes de trabalho e/ou jornada exaustiva, ou sua liberdade é violada, seja pela servidão por dívidas ou por outros instrumentos que o impedem de deixar o local de trabalho.

Isso quer dizer que não é apenas a restrição de liberdade que define a escravidão contemporânea no Brasil. Nos casos flagrados até hoje em razão de condições degradantes de trabalho, foi constatado um conjunto de inúmeras irregularidades e violações. A configuração do crime não se dá por apenas um elemento. Agora, vamos detalhar cada uma dessas características que anulam a dignidade do trabalhador:

  1. Alojamento precário: Na maioria dos casos, os trabalhadores utilizam alojamentos precários, como barracos de lona em chão de terra. Há vezes em que são fornecidas camas, mas sem o colchão. Em outras situações, os colchoes são insuficientes para o número de trabalhadores. Ha ainda os flagrantes em que os trabalhadores foram obrigados a dormir em currais junto com outros animais. Em outubro de 2011, por exemplo, 15 trabalhadores foram encontrados na Fazenda Santa Maria, em Açailândia (MA), dormindo no curral da propriedade, ao lado de animais e de agrotóxicos.
  1. Falta de assistência médica: Os trabalhadores não recebem assistência medica. Quando adoecem, são abandonados pelo patrão, tratados como mão de obra descartável. Não são fornecidos equipamentos de proteção individual para segurança do trabalhador, mesmo quando a tarefa envolve riscos a saúde, como a aplicação de agrotóxicos e o trabalho nos fornos das carvoarias.
  1. Péssima alimentação: A comida é pouca, raramente tem carne, e muitas vezes acaba estragando por falta de local apropriado para conservá-la. A alimentação é insuficiente para renovar as forças do trabalhador depois de horas de serviço pesado. Mesmo em fazendas com milhares de cabeça de gado, os trabalhadores comem carne somente quando algum boi da fazenda morre.
  1. Falta de saneamento básico e de higiene: Há casos em que peões improvisam fogões e latões para armazenar agua. O córrego de onde se retira a água para cozinhar e beber é o mesmo em que se toma banho, se lavam a roupa, as panelas e os equipamentos utilizados no serviço. E também o lugar onde o gado bebe água. Os banheiros não tem água encanada nem sistema de esgoto, e geralmente são insuficientes para o número de pessoas. Há casos em que os trabalhadores precisam utilizar o matagal. “De acordo com a procuradora do Trabalho Renata Nunes Fonseca, que acompanhou a inspeção no Acre [no município de Acrelândia], a propriedade fiscalizada é de grande porte e tem até espaço reservado para pouso de helicópteros. Os trabalhadores, contudo, enfrentavam uma realidade bem diferente: dormiam em barracas de lona montadas em clareiras abertas no meio da mata. Não havia instalações sanitárias e o mato era usado como banheiro”.
  1. Ameaças físicas e psicológicas: É comum trabalhadores serem vigiados por capatazes armados, que ameaçam agredir fisicamente ou até matar aqueles que ousarem fugir. A ameaça psicológica também é frequente.
  1. Jornada exaustiva: É aquela jornada em que o tempo de descanso não é suficiente para que a pessoa consiga recuperar suas forças para a jornada seguinte, por causa do desgaste provocado pelas condições de trabalho. Em muitas situações, extrapola o limite estipulado pela legislação, sem pagamento de horas extras. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. As jornadas podem ir de segunda a segunda, com poucas horas de descanso. Assim, o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar.

Os instrumentos que podem impedir o trabalhador de deixar seu local de trabalho. Em muitos casos, basta apenas um deles para que sua liberdade seja tolhida:

  1. Dívida ilegal: O “gato” busca o trabalhador em seu local de origem, em alguma pensão, em estradas ou em cidades de passagem. Paga o transporte até o local do serviço, em ônibus ou caminhões – geralmente, sem a mínima segurança –, a conta nas pensões e até oferece um “adiantamento” para a família. Assim, quando a pessoa chega, já está devendo. E o que passa a usar lá – alojamento, comida e instrumentos para o trabalho – é anotado em um caderno. Os preços são bem mais altos do que os praticados no comercio. No final do mês, o salário não é suficiente para cobrir os gastos “inventados” pelo patrão. Como os gastos continuam sendo anotados, a falsa dívida se torna impagável e a pessoa fica presa ao trabalho. É a chamada servidão por dívida. Essa dívida é ilegal, pois a legislação trabalhista determina que não é permitido cobrar pelo alojamento e pelos instrumentos de trabalho, por exemplo. Endividado, o trabalhador não deixa o local de trabalho, pois, mesmo que não sofra ameaças, sente-se humilhado de voltar para casa sem dinheiro e sem quitar a “divida”. A vergonha acaba sendo maior que a coragem para escapar.
  1. Retenção de salário: Muitas vezes, quando chega o final do mês, o “gato” ou o empregador diz que o salário só será pago no final da empreitada, o que obriga os trabalhadores a permanecerem no local de serviço com a esperança de que, um dia, receberão. Assim, fica difícil a fuga e mais uma vez pesa a humilhação de retornar para casa sem dinheiro. Cria-se um ciclo vicioso em que a pessoa nunca recebe a remuneração justa por seu trabalho e não pode conquistar sua autonomia.
  1. Isolamento geográfico: Os trabalhadores escravizados podem ser levados para áreas muito distantes de sua cidade ou em regiões de difícil acesso. Chegam a percorrer dezenas de quilômetros até o local do trabalho, que às vezes fica dentro da floresta, longe de estradas e meios de comunicação, como telefones públicos. Os trabalhadores, afastados das famílias, da sua comunidade e de seus locais de origem, também ficam sem proteção: eles não sabem a quem recorrer. Desse modo, a única referência dos trabalhadores na região acaba sendo o “gato”. O isolamento é uma das formas de deixar o trabalhador vulnerável e preso ao local do serviço. Há relatos de trabalhadores que decidiram se desligar do serviço e o empregador respondeu que eles poderiam ir embora a pé da propriedade.
  1. Retenção de documentos: Às vezes, o “gato” ou o empregador apreende os documentos dos trabalhadores, como carteira de identidade ou de trabalho para impedir a fuga. Em agosto de 2010, 18 trabalhadores foram libertados da Fazenda Santa Monica, em Natividade (TO), do pecuarista Emival Ramos Caiado Filho. Segundo constou, os trabalhadores sofriam descontos ilegais dos salários e não recebiam os equipamentos de proteção individual (EPIs) exigidos para as atividades. Além disso, algumas das carteiras de trabalho estavam retidas com o empregador.
  1. Maus-tratos e violência: Humilhações verbais e uso de violência física também são formas de intimidar os trabalhadores. Castigos e punições são outras formas de coagir os trabalhadores que reclamam das condições a que estão submetidos, servindo de “exemplo” para reprimir os outros.

Privar o trabalhador de sua dignidade e/ou de sua liberdade é mais do que uma forma de desrespeitar os direitos trabalhistas. As formas de cercear a liberdade impedem o trabalhador de deixar o serviço. E as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva retiram a dignidade da pessoa. Sem dignidade, não se pode ser livre. E sem liberdade, não é possível viver com dignidade. O trabalho escravo rebaixa a pessoa a uma condição de não ser humano, submetendo-a a uma enorme humilhação. Muitos trabalhadores, ao relatar a situação nas fazendas, dizem que foram “tratados pior do que animal”. Por isso, o trabalho escravo é uma violação aos direitos humanos.

  1. OS NÚMEROS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL:

De 1995 até dezembro de 2008, cerca de 33.750 pessoas foram libertadas do trabalho escravo pelos grupos móveis de fiscalização formados por fiscais do Ministério do Trabalho, policiais federais e por procuradores do Ministério Público do Trabalho. Foram 2.169 fazendas fiscalizadas em 776 operações. Os grupos móveis obrigaram os fazendeiros que utilizavam trabalho escravo em suas propriedades a pagar mais de R$ 47 milhões em direitos devidos aos trabalhadores. O valor corresponde ao pagamento de salários, férias, 13º salário proporcional, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros. Já foi encontrado trabalho escravo em 21 Estados brasileiros. São eles: Pará, Mato Grosso, Maranhão, Goiás, Bahia, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo, Piauí, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Amazonas, Rio Grande do Norte e Acre.

Entre 2002 e 2008, quase 1,7 mil denúncias de trabalho escravo foram registradas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O Pará, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins são os campeões em número de denúncias recebidas. Com relação ao número de trabalhadores envolvidos nas denúncias, o número é ainda maior, chegando a 50.200 nos últimos sete anos.

A criação de gado é a principal atividade em 80% das fazendas que têm o nome publicado na “lista suja” do governo federal. A “lista suja” mostra as fazendas em que foi encontrado trabalho escravo e que tiveram suas fiscalizações e multas confirmadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

  1. CASOS DE TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Fui tratado pior do que animal”. É assim que muitos trabalhadores definem sua situação de escravidão. Hoje, o que determina se uma pessoa é ou não escravizada são as condições de trabalho a que é submetida: o alojamento precário, a falta de saneamento e de higiene no local, a comida insuficiente, a jornada exaustiva, a violência física e psicológica. É o chamado trabalho degradante, que retira a dignidade do trabalhador. Além disso, o trabalhador pode acabar aprisionado pelas correntes “modernas”. Uma delas é a dívida ilegal. Tudo o que ele consome na fazenda é anotado no caderninho – comida, produtos de higiene, alojamento, equipamentos de proteção e até instrumentos de trabalho – e é preciso pagá-la para poder deixar o local de trabalho. Outras formas de retirar a liberdade do trabalhador são a retenção de salário, a retenção de documentos, o isolamento geográfico e as ameaças físicas e psicológicas. De 1995 a 2010, 38 mil escravos foram libertados no Brasil pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho.

Os empregadores flagrados têm seu nome publicado na chamada “lista suja” e são impedidos de terem acesso a financiamentos de bancos públicos e de alguns privados.

  1. O “CASO GAMELEIRA”

Em 2001, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 318 cortadores de cana em condições desumanas na Destilaria Gameleira – hoje controlada pela Destilaria Araguaia –, em Confresa (MT). O não pagamento de salários e jornadas excessivas de trabalho foram alguns dos problemas identificados. A empresa foi incluída, em 2003, na “lista suja” do trabalho escravo, de onde saiu definitivamente apenas em 2008. A destilaria é um dos empreendimentos do grupo EQM, que também controla a Usina Cucaú Açúcar e Álcool – situada em Rio Formoso (PE). Foram identificados importantes distribuidoras de combustível adquirindo o etanol produzido pela Destilaria Gameleira: Petrobras, Shell, Texaco, Ipiranga, Total e PDV do Brasil – pertencente à estatal venezuelana PDVSA. O produto era fornecido principalmente a postos de gasolina do Norte e do Nordeste, para o abastecimento de automóveis dessas regiões.

Diante do alerta gerado pela ONG, algumas dessas empresas – Petrobras, Shell, Texaco e Ipiranga – comprometeram-se publicamente a não mais adquirir produtos da empresa enquanto ela estivesse na “lista suja”. Hoje, fazem parte do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e consultam a “lista suja” antes de fazer negócios.

Mesmo após ser incluída na “lista suja”, a Destilaria Gameleira – atual Destilaria Araguaia – foi novamente flagrada praticando trabalho análogo ao escravo. Outras três fiscalizações – em 2003, 2005 e 2009 – libertaram 1,3 mil trabalhadores na empresa. Em 2005, veículos de mídia divulgaram que o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), fez lobby junto a distribuidoras para que elas retomassem negócios com a destilaria. Ele não conseguiu convencer essas empresas, mas outras do setor – que não se preocupavam com a questão – continuaram adquirindo álcool da usina mesmo enquanto ela esteve na “lista suja”.

  1. CANA-DE-AÇÚCAR: FOCO DE TRABALHO ESCRAVO:

Incentivada por políticas de promoção do etanol, praticamente dobrou a área ocupada por canaviais no Brasil nos últimos dez anos. Cresceram juntamente os flagrantes de violações trabalhistas e humanitárias àqueles que atuam não somente no corte, mas também no plantio da cana-de-açúcar.

Entre 2003 e dezembro de 2010, segundo dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 10 mil trabalhadores da cana foram libertados da escravidão pelo governo federal – cerca de 28% do total de resgatados. O ramo de atividade só ficou atrás da pecuária em número de pessoas libertadas.

Juntamente com o álcool, o açúcar é o principal produto da cana brasileira. Ambos são vendidos no mercado interno e no exterior. Também vêm da matéria-prima outros subprodutos, como o melaço, a rapadura, a aguardente, a vinhaça – usada na produção de fertilizantes –, a levedura – componente de rações animais – e os óleos fúseis, que geram, por exemplo, solventes. Além disso, o bagaço da cana é utilizado na geração de energia elétrica, consumida pelas próprias usinas e também por outras empresas.

  1. PECUÁRIA:

A criação de bois é atividade recordista de trabalho escravo no Brasil tanto em número de libertados – mais de 10,3 mil nos últimos sete anos – quanto em empregadores autuados. Antenor Duarte do Valle e Renato Bernardes Filgueiras são dois exemplos dessa realidade. Em 2007, enquanto integravam a “lista suja”, ambos venderam animais para a unidade de Tangará da Serra (MT) do Marfrig, o quarto maior produtor mundial de carne. O frigorífico fornece às principais redes varejistas do país (como, por exemplo, Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar) e também a redes de lanchonetes como o McDonald’s. Outros subprodutos importantes do setor frigorífico são o couro e o sebo bovino – utilizado para fazer biodiesel e produtos de higiene e limpeza. As três grandes redes varejistas assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e têm descredenciado frigoríficos que compram de fazendas problemáticas. O McDonald’s e o Marfrig também assinaram o pacto após serem alertados sobre os problemas.

  1. CARVÃO:

Entre 2003 e dezembro de 2010, de acordo com a CPT, foram libertados no Brasil 2,3 mil trabalhadores que produziam carvão vegetal. A maior parte do insumo é feito a partir de matas nativas e destina-se às siderúrgicas. Utilizando o carvão, elas fabricam o ferro-gusa, matéria-prima para fazer o aço e também peças de ferro fundido. A Metalsider, de Betim (MG), é uma destas indústrias. Em 2009 e 2010, ela foi identificada como cliente da empresa AS Carvão e Logística. Na fazenda Santa Terezinha, propriedade da AS em Nova Ubiratã (MT), 9 trabalhadores foram libertados. A Metalsider tem histórico de negócios com a Teksid do Brasil, empresa do grupo Fiat também situada em Betim, que fornece autopeças para montadoras de veículos do Brasil, entre elas, a própria Fiat, a Ford, a Toyota, a Volkswagen e a Honda. A Teksid também fornece para empresas em outros países: Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Canadá, França, China, Japão e Argentina.

  1. SOJA:

A soja é crucial na alimentação de bois, porcos e aves. Além disso, cresce o consumo humano direto de produtos que utilizam soja, como comidas processadas – sucos, salsichas, iogurtes, etc. – ou materiais de higiene e limpeza. Há também plásticos feitos de soja e, no Brasil, ela é a principal matéria-prima do biodiesel que abastece caminhões e ônibus. Exemplos de trabalho escravo em plantações do grão remetem, por exemplo, aos fazendeiros Fernando Ribas Taques e Leandro Mussi. Em 2007, enquanto estavam na “lista suja”, ambos venderam soja à Bunge, a maior empresa do agronegócio no Brasil. A partir do grão, a Bunge fabrica óleos, margarinas e azeites, vendidos através de importantes marcas como Delícia, Primor, Soya, Cyclus e Salada. Além disso, ela também exporta o insumo a indústrias de outros países. A Bunge havia se comprometido a cortar comercialização com fazendas da “lista suja” quando aderiu ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo em 2006.

  1. BABAÇU:

Em 2004, 174 trabalhadores – entre eles 32 mulheres e 18 adolescentes – foram libertados do trabalho escravo na região de Cachoeirinha (TO), enquanto coletavam o coco do babaçu para a Tobasa Bioindustrial de Babaçu S/A. Típico da região, o babaçu gera diversos insumos, como o carvão feito a partir da casca do coco. Mas é o óleo extraído da semente – utilizado em xampus, sabões, detergentes, etc. – o principal subproduto industrial da planta. Um dos clientes da Tobasa era a Química Amparo – fabricante do detergente Ypê, entre outros produtos de limpeza. Depois disso, a empresa comprometeu-se a utilizar a “lista suja” como referência para vetar negócios com escravagistas e aderiu ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. A Tobasa também fabrica carvão granulado de babaçu, utilizado em filtros de água. O grupo Europa – dos filtros Europa – e a empresa Cuno Latina, pertencente à multinacional 3M, foram dois clientes identificados neste segmento.

  1. A SITUAÇÃO DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS:

Que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, a maior parte das pessoas já sabe. Aliás, estamos acostumados a ver essa propaganda na televisão. E, de fato, isso é motivo de orgulho para o nosso país. Porém, existe uma parte preocupante dessa história que raramente é contada.

Provavelmente, quem compra uma picanha, uma linguiça ou um filé de frango no supermercado também não imagina que, por trás do pacote bem embalado, existam histórias de milhares de trabalhadores que adoecem e se lesionam gravemente todos os dias nas linhas de abate de bovinos, suínos e aves. Graves cortes com facas, além de doenças causadas por movimentos repetitivos e pela exposição constante ao frio, fazem parte do duro cotidiano dos trabalhadores dos frigoríficos brasileiros.

Não há dúvidas quanto à importância da indústria de carnes para a economia brasileira. Porém, é preciso conter a euforia e analisar esse fenômeno com olhos críticos. Se os dados econômicos vão muito bem para as empresas do setor, o mesmo não se pode dizer dos indicadores sociais. Estatísticas oficiais do próprio governo federal mostram que trabalhar em um frigorífico é comprovadamente uma atividade de risco.

Muita gente argumenta que há problemas na organização do trabalho em todos os setores econômicos; que não é viável fazer as pessoas pararem de comer carne; que as críticas só prejudicam a imagem do país e beneficiam interesses estrangeiros; ou até mesmo que o sofrimento de alguns é o preço inevitável a se pagar pelo progresso.

A verdade, no entanto, é que muitos dos problemas gerados aos trabalhadores poderiam ser atenuados ou até mesmo sanados com mudanças muito simples. No caso dos frigoríficos, por exemplo, até já existem leis e normas que protegem a saúde dos empregados, mas que nem sempre são devidamente cumpridas pelas empresas – já que isso encareceria o processo produtivo e diminuiria as margens de lucro.

De qualquer maneira, é possível mudar a realidade do trabalho em frigoríficos, reduzindo o ritmo de trabalho, implementando pausas ao longo do expediente e introduzindo inovações tecnológicas. Em resumo, melhorar as condições de trabalho nas indústrias de carne nem de longe é uma missão impossível.

Quem trabalha em um frigorífico enfrenta diariamente uma série de situações prejudiciais à saúde que a maior parte das pessoas sequer imagina. Exposição constante a facas, serras, instrumentos cortantes, realização de movimentos repetitivos podem gerar graves lesões e doenças, pressão psicológica para dar conta do alucinado ritmo de produção, jornadas exaustivas, até mesmo aos sábados, ambiente asfixiante e muito frio.

Uma das reações naturais do corpo humano a baixas temperaturas é a contração dos músculos. Por si só, isso já exige maior energia para a realização de qualquer movimento. O frio constante também causa impactos no aparelho respiratório e facilita o aparecimento de doenças como sinusite e pneumonia.

Mas um dos principais problemas do trabalho em frigoríficos é a elevada carga de movimentos repetitivos em um curto espaço de tempo. Para desossar uma sobrecoxa de frango, por exemplo, há trabalhadores que realizam até 120 movimentos em apenas 60 segundos. Porém, estudos científicos apontam que o limite de ações por minuto deve se situar na faixa de 25 a 33 movimentos, de forma a evitar o aparecimento das chamadas doenças osteomusculares.

Ou seja, há trabalhadores que realizam quatro vezes mais movimentos por minuto do que o limite considerado saudável pelos médicos. Tudo isso para manter o elevado ritmo de produtividade cobrado pelas empresas.

Em um frigorífico, o contato direto com facas e maquinário pesado gera muitos acidentes – classificados tecnicamente de “trauma”. Já o ritmo intenso de trabalho e a carga de movimentos repetitivos provocam as chamadas doenças ocupacionais.

Algumas estatísticas oficiais do Ministério da Previdência Social (MPS), do governo federal, mostram que quem trabalha em um frigorífico está mais exposto a determinados tipos de problema de saúde do que a média dos empregados em todos os outros setores econômicos brasileiros:

Outro problema de saúde muito comum em frigoríficos é a grande incidência de transtornos de humor – como a depressão. Muitos trabalhadores se queixam não só do acelerado ritmo das esteiras e da pressão por produtividade, mas também do ambiente fechado, em que não se vê a luz do sol.

A legislação trabalhista do Brasil já prevê uma série de medidas que, se devidamente aplicadas, contribuiriam para a proteção da saúde dos empregados do setor de frigoríficos.

O artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, ordena a realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho para amenizar os efeitos do frio. São as chamadas “pausas para recuperação térmica”.

O problema é que as empresas nem sempre cumprem essa determinação, priorizando a alta produtividade e o lucro. Elas dizem que essa pausa só vale para os trabalhadores dos setores com temperaturas negativas, onde as carnes ficam congeladas. Porém, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entende que o intervalo de 20 minutos deve ser estendido a qualquer trabalhador de ambiente “artificialmente frio”. É o caso daqueles que ficam nas salas de desossa de animais, onde as temperaturas são positivas, mas nunca ultrapassam os 15ºC. O Ministério Público do Trabalho vem fazendo acordos com frigoríficos de todo o país para melhorar as condições de trabalho, como previsto no artigo 253 da CLT. Quando o acordo não é possível, o MPT tem acionado a Justiça do Trabalho para que as empresas cumpram a lei.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também publicou a Norma Regulamentadora 17 (NR 17) que trata especificamente sobre questões de ergonomia em atividades que exijam sobrecarga do pescoço, dos ombros, das costas e dos membros superiores e inferiores.

A NR 17 também prevê pausas. Mas a adoção desses intervalos está condicionada à realização de análises ergonômicas que nem sempre são feitas com o devido critério por parte dos empregadores. Até porque as empresas temem queda na produtividade com a concessão de pausas a seus funcionários.

De cada 10 dólares que todos os frigoríficos brasileiros faturam com a exportação de carnes para países estrangeiros, pelo menos 8 dólares vão para a conta de apenas três deles: JBS, Marfrig e Brasil Foods. Até 2020, o governo brasileiro espera que quase metade do comércio mundial de carnes seja dominado por nossas empresas. E essas três serão as maiores beneficiadas. Apesar de todo esse poderio econômico, elas também têm uma série de problemas em suas unidades industriais espalhadas pelo país, como alguns exemplos:

O Grupo Marfrig é o terceiro maior produtor de carnes da América Latina. Com 47 plantas frigoríficas espalhadas por dez estados, emprega cerca de 90 mil funcionários. Em 2009, o Grupo Marfrig comprou a Seara, uma das mais conhecidas empresas do ramo de aves e embutidos. Em 2011, o faturamento do Grupo Marfrig chegou a R$ 21,9 bilhões.

Por não suportarem o frio intenso da sala de cortes do frigorífico, nove funcionários da Seara (empresa do Grupo Marfrig) do município de Forquilhinha (SC) não viram alternativa a não ser deixar temporariamente o local. Por essa razão, foram demitidos, em 2006. Logo após esse fato, o Ministério Público do Trabalho (MPT) iniciou uma investigação sobre as condições de trabalho no frigorífico e entrou com um processo na Justiça contra a empresa.

Em 2011, atendendo a alguns pedidos contidos na ação, a Justiça determinou que a Seara concedesse pausas de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho para atenuar os efeitos do frio e possibilitar a “recuperação térmica” dos empregados.

A sentença judicial também atendeu a outra reclamação curiosa: o frigorífico foi obrigado a liberar a ida ao banheiro de seus empregados, sem a necessidade de avisar previamente a um superior. Na ação, o MPT acusava a Seara de conceder apenas dois intervalos de oito minutos, ao longo de um dia inteiro de trabalho, para que os empregados pudessem satisfazer suas necessidades fisiológicas.

Além disso, a Justiça determinou ainda que a empresa pagasse uma indenização de R$ 14,6 milhões por danos morais coletivos causados pela Seara de Forquilhinha. A empresa está recorrendo da decisão e garante que está cumprindo todas as exigências legais.

Criada em 2009, a Brasil Foods é resultado da fusão da Sadia com a Perdigão, duas das marcas de alimentos mais conhecidas do país. Com 61 fábricas no país, a empresa emprega quase 120 mil funcionários. Em 2011, seu faturamento atingiu R$ 25,7 bilhões.

Até 2011, a direção da planta industrial no município de Rio Verde (GO) proibia os homens que trabalhavam no incubatório – setor em que ficam armazenados os ovos que dão origem às aves – de usarem cuecas. Essa estranha regra foi adotada para supostamente evitar uma contaminação do setor. Mas o curioso é que a regra só valia para os homens. As mulheres, por não conseguirem conter o fluxo menstrual, eram autorizadas a usar calcinhas.

O problema só foi resolvido em abril de 2011, quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com um processo na Justiça contra a Brasil Foods, por entender que a proibição violava a intimidade e a dignidade dos trabalhadores do sexo masculino. Na ação, o órgão federal exigia o pagamento de uma indenização de R$ 630 mil por danos morais coletivos. O problema foi resolvido em junho de 2011. Depois de firmar um acordo com o MPT, a empresa passou a permitir que os empregados homens também vestissem roupas íntimas.

Além de expor seus empregados a situações constrangedoras, o frigorífico de Rio Verde também gerava um número impressionante de trabalhadores lesionados e adoentados. De acordo com o Ministério Público do Trabalho, 90 mil pedidos de afastamento foram registrados entre janeiro de 2009 e setembro de 2011. Praticamente, é como se a cada 10 meses todos os 8 mil empregados da unidade da Brasil Foods de Rio Verde tivessem que se ausentar por problemas de saúde relacionados ao trabalho. Os afastamentos por distúrbios osteomusculares (os chamados DORT, como tendinites e bursites) foram os mais recorrentes: a média é de impressionantes 28 atestados por dia e de 842 por mês.

Com apoio financeiro de R$ 8 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), banco estatal que tem por missão fomentar a economia brasileira, o JBS comprou uma série de empresas concorrentes e hoje é o maior produtor de proteína animal do mundo. Com 35 unidades industriais no país e mais de 130 mil empregados em todo o planeta, o faturamento da JBS em 2011 atingiu quase R$ 62 bilhões.

A unidade de Barretos (SP) da JBS tem cerca de 1.850 empregados. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), que em julho de 2011 inspecionou o frigorífico, foram registrados 496 afastamentos temporários (aqueles com menos de 15 dias) de trabalhadores por problemas físicos e psíquicos no primeiro semestre daquele ano.

Ainda de acordo com o órgão federal, 14% dos empregados estão permanentemente afastados do trabalho devido a acidentes – e sobrevivem graças ao benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Se nada for feito para alterar a organização do trabalho na unidade de Barretos, o MPT projeta que, em dois anos, cada funcionário se afastará em média sete vezes do serviço; que 100% dos funcionários enfrentarão problemas osteomusculares, como tendinites e bursite; e que um em cada seis sofrerá algum tipo de transtorno psíquico.

Para minimizar os riscos à saúde dos funcionários da empresa, o Ministério Público do Trabalho processou a JBS para que ela conceda 20 minutos de intervalo a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho contínuo para os empregados lotados em ambientes “artificialmente refrigerados”, com temperaturas abaixo de 15ºC. O Ministério Público do Trabalho também exige uma indenização por danos morais coletivos de R$ 20 milhões. Apesar de o mérito do processo ainda não ter sido julgado, o MPT obteve já em 2012 um mandado judicial que obriga a JBS de Barretos a conceder as pausas.

  1. COMO CARACTERIZAR O TRABALHO COMO ESCRAVO NOS FRIGORÍFICOS:

O artigo 149 do Código Penal brasileiro define que “jornadas exaustivas”, “condições de trabalho degradantes” e formas de privação de liberdade, como a servidão por dívida, são suficientes para caracterizar um regime de escravidão.

De fato, há casos de frigoríficos fiscalizados por autoridades competentes em que foram encontrados empregados que trabalhavam até 15 horas por dia, muitas vezes sem direito a folga semanal, e expostos a diversos riscos à saúde física e psicológica – como sangue de animais, instrumentos cortantes, frio excessivo e ritmo incessante de trabalho. Sob esse ponto de vista, há quem enxergue em casos desse tipo uma situação “análoga à de escravidão”.

Via de regra, o que se considera trabalho escravo nos dias de hoje é a violação da dignidade humana de um trabalhador, quando não só sua força de trabalho, mas também seu próprio corpo são tratados como mercadoria. São problemas graves que vão além de irregularidades trabalhistas. Até 2012, nenhum caso de violação dos direitos dos trabalhadores em frigorífico havia sido considerado trabalho escravo. Contudo, naquele ano, o Ministério Público do Trabalho flagrou um frigorífico em Cambira (PR) que mantinha 71 trabalhadores em situação de escravidão, recrutados no Paraguai. Eles estavam submetidos a jornadas superiores a dez horas — há casos de jornadas de até 17 horas — e tinham descontos nos salários. Dos empregados, 69 estavam com a documentação irregular, sem visto de permanência no Brasil ou carteira de trabalho assinada.

De qualquer maneira, é importante ter em mente que a super exploração do trabalho não é menos grave do que o trabalho escravo. Ambos são igualmente condenáveis e devem ser combatidos da mesma forma. Até porque o trabalho decente é um direito fundamental de todo ser humano.

  1. AFINAL, O QUE É O TRABALHO ESCRAVO?

No Brasil, de acordo com o Código Penal, para considerar que uma pessoa está submetida ao trabalho escravo, é necessário que ela esteja sob pelo menos uma destas condições, tanto no meio rural ou urbano: jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e/ou formas de restrição de sua liberdade.

  1. A jornada é exaustiva quando o tempo de descanso não é suficiente para que a pessoa consiga recuperar as suas forças para a jornada seguinte, em função do desgaste provocado pelas condições de trabalho. Em muitas situações, extrapola o limite estipulado pela legislação, sem pagamento de horas extras. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. As jornadas podem ir de segunda a segunda, com poucas horas de descanso. Assim, o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar.
  1. A restrição da liberdade é tudo aquilo que impede as pessoas de deixarem o local de trabalho. Ela pode se dar por meio de dívidas ilegais impostas aos trabalhadores, pela retenção dos salários até o fim da empreita, pelo isolamento geográfico, ou pela retenção de documentos dos trabalhadores, como carteira de identidade ou de trabalho, para impedir a fuga. Também são consideradas formas de limitar a liberdade dos trabalhadores as ameaças físicas e psicológicas e os maus tratos e a violência.
  1. Já as condições degradantes de trabalho se apresentam pela soma de diversos fatores, como os alojamentos precários, a falta de assistência médica, a péssima alimentação, a falta de saneamento básico e de higiene. Essa situação retira a dignidade do trabalhador
  1. A ESCRAVIDÃO:

Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou um decreto, abolindo a escravidão do país. Veja a seguir o decreto:

“A Lei Áurea

Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888

DECLARA EXTINTA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL

A PRINCESA IMPERIAL Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do IMPÉRIO que a Assembleia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º – É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.

Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário. Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.

(...)”

Apesar de ter sido extinta em 1888, a escravidão ainda é praticada no Brasil dos dias de hoje. Mas a nova escravidão não é igual à antiga escravidão.

A comparação é uma adaptação dos conceitos apresentados no livro “Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial”, do sociólogo norte-americano Kevin Bales, um dos maiores especialistas do tema.

A escravidão dos dias de hoje é muito diferente da escravidão antiga, praticada durante os períodos colonial e imperial da história do Brasil.

Compare e veja quais são as principais diferenças:

PROPRIEDADE LEGAL

Antiga Escravidão: Permitida. O governo garantia por lei o direito a possuir um escravo, pois ele era tratado como uma mercadoria.

Nova Escravidão: Proibida. Uma pessoa não pode ser proprietária de outra. É crime com punições previstas no código penal.

CUSTO DE COMPRA

Antiga Escravidão: Alto. A riqueza de uma pessoa podia ser medida pela quantidade de escravos. Acredita-se que em 1850 um escravo custava o equivalente a R$ 120 mil hoje.

Nova Escravidão: Muito baixo. Os escravos não são comprados, mas aliciados e, muitas vezes, o patrão gasta apenas com o transporte do trabalhador até a propriedade.

LUCROS

Antiga Escravidão: Baixos. Os proprietários lucravam pouco, pois tinham gastos com a manutenção do trabalhador.

Nova Escravidão: Altos. Se alguém fica doente, é simplesmente mandado embora, sem nenhum direito.

MÃO DE OBRA

Antiga Escravidão: Escassa. Dependia do tráfico negreiro, prisão de índios ou de que os filhos de escravos também continuassem escravizados.

Nova Escravidão: Descartável. Há muitos trabalhadores desempregados em busca de algum serviço e qualquer adiantamento em dinheiro é bem-vindo. Na Amazônia, um “gato” pode aliciar um trabalhador por R$ 100.

RELACIONAMENTO COM O PROPRIETÁRIO

Antiga Escravidão: Longo período. A vida inteira do escravo e até a de seus descendentes.

Nova Escravidão: Curto período. Terminado o serviço, não é mais necessário prover o sustento do trabalhador.

DIFERENÇAS ÉTNICAS

Antiga Escravidão: Relevantes para escravidão.

Nova Escravidão: Pouco relevantes. Os escravos são pessoas pobres, independente da cor da pele. Porém, grande parte dos escravizados são afrodescendentes.

MANUTENÇÃO DA ORDEM

Antiga Escravidão: Ameaças, castigos físicos, punições para servir de exemplo aos outros escravos e até assassinatos.

Nova Escravidão: Ameaças, castigos físicos, punições para servir de exemplo aos outros escravos e até assassinatos.

  1. FORMAS DE ERRADICAR O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL:

O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade no campo e nas cidades. Já foram registrados casos nos setores de confecções, construção civil e infraestrutura de transporte. No ramo das confecções, as oficinas exploravam imigrantes latino-americanos e vendiam sua produção para grandes lojas do país. A construção civil, por sua vez, é a atividade com maior número de pessoas libertadas do trabalho escravo urbano até o momento, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) relativos a 2010 e 2011 reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Hoje, muitos trabalhadores deixam suas cidades para trabalhar na construção de hidrelétricas, de ferrovias e nas grandes obras para a Copa do Mundo de 2014.

Na última década, o mundo mudou sua forma de enxergar o Brasil. Em 2012, o país alcançou a posição de sexta maior economia do mundo. Jornais internacionais o apresentam como um exemplo de conciliação entre superação da pobreza e crescimento econômico.

O desenvolvimento brasileiro está baseado na exportação em larga escala de recursos primários, como aqueles produzidos pelo agronegócio e pela mineração. Porém, essa produção está associada, em muitos casos, à expulsão de comunidades tradicionais, à devastação de imensas áreas de florestas, à poluição das águas e dos solos com agrotóxicos, entre outros problemas. Também são muito frequentes os relatos sobre as péssimas condições de trabalho nessas atividades.

Um exemplo é o plantio de cana-de-açúcar para produção de etanol, alardeado como uma alternativa ambientalmente mais “limpa” em substituição ao petróleo. Desde 2003, mais de 10,5 mil trabalhadores foram libertados da escravidão pelo Ministério do Trabalho e Emprego em canaviais brasileiros. E até 2011, a Pastoral do Migrante registrou a morte de 24 trabalhadores por exaustão em função do pesado trabalho.

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra de 2012 serão moídas mais de 596 milhões de toneladas de cana, para produção de 38 milhões de toneladas de açúcar e 23 bilhões de litros de etanol.

Assim, o crescimento econômico não é necessariamente sinônimo de desenvolvimento e muito menos de qualidade de vida para grande parte da população. Da mesma maneira, de nada adianta que o Brasil seja o maior exportador mundial de carnes se a organização do trabalho nessas indústrias gera inúmeros problemas de saúde a seus empregados. Até porque quem paga a conta do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez é a sociedade brasileira inteira, por meio do INSS.

Mas não se trata apenas de colocar na ponta do lápis a fria matemática de quem ganha e quem perde dinheiro. É preciso sempre lembrar que o trabalho decente é um direito humano fundamental. E melhorar as condições de trabalho não é uma missão impossível.

Depois que o trabalhador escravizado e resgatado pelas equipes de fiscalização, recebe o pagamento de seus direitos trabalhistas e tem direito a três meses de seguro-desemprego. Mas o que acontece quando ele retorna para casa? Sua situação e diferente daquela que deixou quando partiu para trabalhar?

O trabalhador e sua família continuam sem ter acesso a direitos como educação, terra, moradia e saúde. Sua família continua vulnerável a exploração do trabalho infantil ou a exploração sexual.

E o próprio trabalhador ainda pode ser alvo fácil da exploração.

Sem alternativas de sustento, ele será obrigado a aceitar qualquer tipo de trabalho em sua região ou em outros estados, ficando mais uma vez vulnerável a se tornar trabalhador escravo. Dessa maneira, completa-se o ciclo do trabalho escravo.

A fiscalização é fundamental para retirar o trabalhador da situação desumana do trabalho escravo, mas ela sozinha não garante o fim desse problema. Como vimos, mesmo após o seu resgate, o trabalhador pode retornar a exploração porque não vislumbra outras possibilidades de

Sobrevivência. Além disso, há trabalhadores que, ao longo da vida, enfrentam sucessivas formas de exploração sem saberem que são vítimas do trabalho escravo porque desconhecem seus direitos. Há ainda muitos trabalhadores que nem são alcançados pelas equipes de fiscalização.

  1. SAÍDAS POSSÍVEIS:

Vimos que o modelo de desenvolvimento do campo baseado no latifúndio, na monocultura e na exploração do trabalhador gera desemprego e pobreza, sendo uma das causas do trabalho escravo contemporâneo. Sem atacar o problema na raiz, será muito difícil eliminar esse tipo de exploração do território brasileiro.

Desse modo, pode parecer complicado combater o trabalho escravo, mas existem experiências que nos apresentam outra maneira de pensar o desenvolvimento socioeconômico, tendo como princípios a relação de troca e respeito com a natureza, a conquista de autonomia pelos trabalhadores e a valorização dos saberes populares.

Essas experiências têm nascido da organização de pessoas que decidem se unir para buscar novas relações de trabalho e formas de produzir. A seguir, você vera alguns exemplos dessas iniciativas. Elas nos indicam caminhos que ajudam a romper com a lógica da exploração de mão de obra escrava.

A denúncia e fundamental para localizar os trabalhadores escravizados e para pressionar o poder público a adotar medidas contra o trabalho escravo. Mas, para que ela aconteça, e preciso que os trabalhadores tenham conhecimento sobre seus direitos e deixem de considerar “normal” a situação vivenciada nas fazendas. Nessa linha, a prevenção e uma arma poderosa: quando a população é melhor informada, ela tende a perceber as violações e denunciar casos que antes poderiam passar despercebidos. Assim, aumentam as oportunidades de resgatar os trabalhadores e de punir aqueles que exploram o trabalho escravo.

  1. O PAPEL DO ESTADO NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO:

É fundamental que o Estado assuma os compromissos na luta pela erradicação do trabalho escravo.

A erradicação do trabalho escravo exige adoção de políticas de forma integrada, que não se limitem a implementação isolada de ações, e que levem em consideração o complexo contexto em que o trabalho escravo se insere. E preciso priorizar o exercício da cidadania: homens e mulheres devem ter seus direitos respeitados ao longo de suas vidas. Devem, por exemplo, possuir documentos civis (como a certidão de nascimento) e ter acesso a informação, ao lazer, a moradia adequada, respeito as suas tradições, entre outros tantos elementos que permitam viver com dignidade e liberdade.

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