Direito e Justiça - Alf Ross

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Alf Ross (1899 -1979) foi um jurista e filósofo dinamarquês. Também foi professor de Direito Internacional. É conhecido como um dos fundadores do realismo jurídico escandinavo. Sua principal obra é Direito e Justiça, ora comentada.

ALF ROSS – Biografia e Obra

  • Alf Ross (1899 -1979) foi um jurista e filósofo dinamarquês. Também foi professor de Direito Internacional.
  • É conhecido como um dos fundadores do realismo jurídico escandinavo. Alf Ross, de sua parte, elimina a dimensão da validade como categoria distinta da eficácia. Ele identifica duas espécies de realismo, o psicológico e o condutista. Para Alf Ross, assim como para os outros realistas, o direito é fato social. O realismo jurídico norte-americano rejeita a distinção clássica do positivismo entre o “ser” e o “dever ser”, contudo mantém que o direito é fruto de uma vontade política, o juiz.
  • Sua principal obra é Direito e Justiça, da qual destacaremos o segundo capítulo.

Direito e Justiça - CAPÍTULO II: O conceito de “Direito Vigente”

  • § 7. O conteúdo do ordenamento jurídico:

- Hipótese de trabalho: definir e explicar o conceito de “direito vigente” da mesma forma que o conceito de “norma vigente do xadrez”.

- As normas jurídicas, assim como as normas do xadrez, servem como um esquema interpretativo para um conjunto correspondente de atos sociais, o direito em ação, de tal modo que se torna possível compreender essas ações como um todo coerente de significado e motivação e predizê-las dentro de certos limites.

- A elaboração dessa hipótese requer a resposta de duas questões:

1ª) Como o corpo individual de normas identificado como um ordenamento jurídico nacional se distingue, em relação ao ponto de vista, de outros corpos individuais de normas, tal como as do xadrez?

2ª) Se a validade de normas, em sentido amplo (lato sensu) significa que o sistema, devido à sua efetividade, pode servir como um esquema interpretativo, como aplicar esse critério ao direito?

- Alf Ross inicia o parágrafo explicando as relações feitas em sua hipótese e comentando a dificuldade de definição do direito. Não faz sentido querer definir as regras do xadrez distinguindo-as, por exemplo, das regras do tênis ou do futebol. “Regras do xadrez” é um conjunto individual de normas que constituem um todo coerente e significativo, e por isso não podem ser definidas, mas sim destacadas. Não existem dificuldades em se distinguir as regras do xadrez das regras dos outros jogos na prática. O problema aparece se quisermos classificar as regras do xadrez juntamente com as regras do futebol e do tênis, por exemplo, sob o título único de “regra de jogos”. Teríamos que ter conhecimento a cerca do que há em comum entre as regras do xadrez e outros sistemas individuais de regras que poderiam ser colocados no grupo “regra de jogos”. Esse problema de definição não surgirá se quisermos apenas expor as regras do xadrez, pois não teríamos de saber o que elas possuem em comum com as regras de outros jogos.

 - O mesmo ocorre com o direito. “Direito dinamarquês”, “direito norueguês”, “direito sueco”, etc, correspondem aos vários conjuntos individuais de regras dos jogos. Se tivéssemos que classificá-los sob o título “direito” ou “ordenamento jurídico”, surgiria o problema da definição. E, assim como as regras do xadrez, esse problema de definição não aparecerá se quisermos apenas expor as regras do “direito dinamarquês”, por exemplo.

- No campo da filosofia do direito, acreditou-se que para definir a esfera de trabalho do jurista era necessário produzir uma definição do direito que o distinguisse de outros tipos de normas sociais. Esse erro foi cometido porque não se entendeu que direito nacional vigente constitui um todo individual. O que nele está incluído depende da coerência de significado nele presente. O vocábulo “direito” não é comum a uma classe de regras de direito, mas sim a uma classe de ordenamentos jurídicos individuais.

- Saindo do âmbito da filosofia do direito, Ross antecipa um assunto do parágrafo 12, comentando que nenhum interesse particular se prende à forma como se define o conceito. As discussões filosóficas a cerca da “natureza” do direito se fundam na suposição de que o direito extrai sua validade específica de uma idéia a priori, e que a definição do direito é, portanto, decisiva para determinar se uma dada ordem normativa pode apresentar a reivindicação ao “título honorífico” do direito. Se abandonarmos essas pressuposições metafísicas e as posturas emocionais nelas envolvidas, o problema da definição perderá o interesse. A função da ciência do direito é expor um certo sistema individual e nacional de normas, e esse sistema é um fato, quer nos agrade ou não.

- A partir desse ponto, Ross abandona o problema da definição e retorna à primeira questão, referente ao conteúdo do ordenamento jurídico. Como foi dito, o ordenamento jurídico, assim como as normas do xadrez, é um sistema individual determinado por uma “coerência interna de significado”, e primeira preocupação de Ross é indicar no que consiste isso.

  No caso do xadrez, a coerência das normas é dada pelo fato de que todas elas, direta ou indiretamente, se referem aos movimentos executados pelas pessoas jogando a partida do jogo.

  Analogamente, as regras jurídicas serão relativas às ações definidas realizadas por pessoas definidas. Para saber que ações e pessoas são estas, é necessário fazer uma análise das regras comumente tidas como um ordenamento jurídico nacional, a quem são dirigidas e qual é seu significado.

- As normas jurídicas podem ser divididas em dois grupos, de acordo com seu conteúdo imediato: normas de conduta e normas de competência.

  Normas de conduta: prescrevem uma certa linha de ação.

  Normas de competência: criam uma competência (poder, autoridade). São diretivas que dispõe que as normas que são criadas em conformidade com um modo estabelecido de procedimento serão consideradas como normas de conduta. São, deste modo, normas de conduta expressas indiretamente.

- As normas de conduta se referem aos juristas, e não aos indivíduos particulares. Uma medida legislativa que não encerre diretivas para os tribunais só pode ser considerada como um pronunciamento ideológico-moral sem relevância jurídica. Inversamente, se houver na norma essa diretiva para os tribunais, não será necessário dar aos indivíduos particulares instruções relativas à sua conduta.

  As normas do direito penal, por exemplo, nada dizem a respeito da proibição aos cidadãos de cometerem homicídio, limitando-se a indicar ao juiz qual será a sentença em tal caso.

  Isso mostra que o conteúdo de uma norma de conduta é uma diretiva para o juiz, enquanto a instrução (diretiva) ao particular é uma norma jurídica derivada ou norma em sentido figurado, deduzida daquela.

- As normas de competência são redutíveis a norma de conduta, sendo também interpretadas como diretivas aos tribuinais.

- Ross afirma que a sentença é a base da execução. Ela constitui potencialmente o exercício de força física contra uma pessoa que não quer agir de acordo com o teor da sentença.

- O direito, em sua totalidade, determina não só – nas regras de conduta – em que condições o exercício da força será ordenado, como também determina as autoridades públicas, os tribunais, estabelecidos para ordenar o exercício da força. As regras do direito privado (dirigidas aos juízes) estão integradas às regras do direito público.

- O direito ao exercício da força física é o monopólio das autoridades públicas. Estado = aparato para o monopólio do exercício da força.

- Em síntese: o ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparato de força do Estado.

  • § 8. A vigência do ordenamento jurídico:

- Hipótese: um sistema de normas será vigente se for capaz de servir como um esquema interpretativo de um conjunto correspondente de ações sociais. Esta capacidade do sistema se baseia no fato das normas serem efetivamente acatadas porque são sentidas como socialmente obrigatórias.

- Os fenômenos jurídicos que constituem a correspondência das normas têm que ser as decisões dos tribunais. Portanto, é na aplicação judicial do direito que se deve procurar a efetividade que constitui a vigência do direito, e não no direito em ação entre os indivíduos particulares

- Em conformidade com isso, um ordenamento jurídico nacional pode ser definido como o conjunto de normas que efetivamente operam na mente de um juiz, por ele as sente como socialmente obrigatórias e por isso as acata.

- A ação de um juiz é uma resposta a muitas condições determinadas pelas normas jurídicas. Todavia, somente os fenômenos jurídicos no sentido mais restrito – a aplicação do direito pelos tribunais – são decisivos para determinar a vigência das normas jurídicas.

- O conceito de vigência repousa em hipóteses que se referem à vida espiritual do juiz. Não se pode determinar o que é direito vigente por meio de recursos puramente comportamentais, ou seja, pela observação externa da regularidade nas ações (costumes) dos juízes.

  O direito pressupõe não só regularidade com respeito ao comportamento do juiz, como também sua experiência de estar submetido às regras.

- O conceito de vigência envolve dois pontos: em parte o acatamento regular e externamente observável de um padrão de ação, e em parte a experiência desse padrão de ação como sendo uma norma socialmente obrigatória.

  • § 9. Verificação de proposições jurídicas concernentes a normas de conduta

Essa norma é direito vigente?

“Regra é direito vigente quando é aplicada na prática nos tribunais” - definição grosseira e vaga

“É aplicada” – se refere a decisões passadas, presentes ou futuras?

As presentes podem ser as do passado, e a presente pode ser a do futuro (promulgada e não usada).

Aplicação: pode ser parte da fundamentação da sentença, não necessariamente a sentença. (Há atenuantes)

As regras jurídicas sempre trazem incertezas.

A avaliação da prova é, em tão grande medida, condicionada subjetivamente que esta razão por si só elimina toda a possibilidade de calcular antecipadamente o resultado de casos nos quais há fatos controvertidos.

O grau em que o juiz é motivado por outros fatores além dos ideológicos-juridicos é decisivo para o valor prático da ciência do direito, a qual se ocupa da ideologia normativa pela qual o juiz é animado.

Os enunciados que concernem ao direito vigente da atualidade têm que ser entendidos como enunciados alusivos a decisões futuras hipotéticas submetidas a certas condições: se instaurar uma ação em relação a qual a regra jurídica particular apresenta relevância, e se nesse ínterim não houve alteração no estado de direito, tal regra será aplicada pelos tribunais.

A regra e considerada vigente se temos boas razoes para acreditar que será cumprida.

Há duas correntes:

- Clássica: diz que com o conhecimento jurídico é possível predizer a sentença

- Corrente moderna: diz que mesmo com o conhecimento jurídico, não há como prever o que o juiz decidirá.

O conceito de vigência tem que ser absoluto: ou vale ou não vale.

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O conceito de vigência é altamente relativo.

Alguns autores querem preencher as lacunas da incerteza da aplicabilidade da norma, dando opiniões e apelando para o emocional, para tentar que seus pronunciamentos influenciem nas decisões jurídicas.

Na sociedade toda previsão de um tendência é, ao mesmo tempo, um fator que se presta  ele mesmo ou a fomentar essa tendência ou opor-se a ela, sendo assim um fator político, ou seja, nas ciências sociais é impossível distinguir teoria e intervenção política.

Essa distinção é impossível porque no caso de uma possibilidade baixa o jurista ou o juiz seguirá duas correntes, ou a política ou a teoria jurídica.

Asserções sobre o direito vigente é, de acordo com seu real conteúdo, uma previsão de futuros eventos sociais. Estes estão fundamentalmente indeterminados e não é possível formulara seu respeito previsões isentas de ambigüidade. Toda previsão é, ao mesmo tempo, um fator real passível de influenciar o curso dos acontecimentos e, nessa medida, um ato político. Conseqüentemente, em termos fundamentais a ciência do direito não pode ser separada da política jurídica.

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É importante ressaltar que quanto mais o tribunal padronizar uma sentença, mais perto de “direito vigente” chegamos, e que o grande problema desse termo é o futuro e não o passado.

  • § 10. VERIFICAÇÃO DE PROPOSIÇÕES JURÍDICA CONCERNENTES A NORMAS DE COMPENTÊNCIA

Normas de competência são normas de conduta indiretamente formuladas. As regras constitucionais referentes ao poder legislativo são direito vigente é uma previsão de que as normas de conduta criadas pela legislação em conformidade com a Constituição serão aplicadas pelos tribunais.

Condições: anulabilidade, isto é, os tribunais devem aplicar somente as regras de conduta criadas de acordo com as condições estabelecidas nas normas de competência.  Isto significa que os tribunais- talvez um tribunal especial- devem ordenar sanções contra o responsável pelo excesso de competência.

Se, contudo, tais regras imperfeitas são comumente consideradas como integrantes do ordenamento jurídico, é porque possuem a mesma força moral-ideológica das regras do direito vigente.

  • § 11. DIREITO – FORÇA – VALIDADE

 O precedente se baseia no entendimento de que um ordenamento jurídico nacional é um corpo de regras concernentes ao exercício da força física. O direito, nesse ponto de vista, é constituído por regras que são respaldadas pela força.

Em primeiro lugar, tal interpretação excluiria todas as normas de competência, visto não serem estas respaldadas pela força.

É forçoso, portanto, que insistamos que a relação das normas jurídicas com a força consiste no fato de que se referem à aplicação da força, e não que são respaldadas pela força.

Intimamente ligada a esse problema está a questão sociológica jurídica dos motivos que levam os seres humanos a agir de uma maneira lícita.

Motivos: 1.  Impulsos fundados em necessidades, nascidos a partir de um certo mecanismo biológico e experimentado como “interesses”, e 2. Impulsos inculcados no indivíduo pelo meio social e experimentados como um imperativo categórico que o “obriga” sem referência ao seus “interesses”, ou mesmo em conflito direito com estes.

Pelo puro sentimento com dever, e não pelo temor das sanções legais ou por quaisquer outros interesses. O motivo que leva os juízes a respeitar as normas não se encontra, portanto, na justiça retributiva. É mister supor que as normas jurídicas em sentido próprio são observadas tão “voluntariamente” como as normas do xadrez.

A consciência de que o comportamento contrário a essas normas de conduta traz consigo o risco de juízo, sentença e execução, indiscutivelmente gera um forte motivo para agir de uma maneira lícita. A maioria das pessoas obedecem ao direito não só por receio da polícia e das sanções sociais extrajurídicas (perda da reputação, da confiança, etc), mas também por acato desinteressado ao direito.  O cidadão comum, também, é animado – num maior ou menor grau- por uma atitude de acato ao direito, à luz do qual os governantes aparecem como “poderes legítimos” ou “autoridades”, as exigências do direito como credoras de acato e a força que é exercida em nome do direito não é considerada como mera violência, mas sim justificada na qualidade do que respalda o direito. Quando as regras do direito estão bem estabelecidas, essa atitude se torna automática, de sorte que nenhum impulso surge no sentido de contrariar o direito. É presumível que apenas algumas poucas pessoas tiveram alguma vez que reprimir o desejo de cometer um assassinato.

Aqueles que estão submetidos a um regime efetivo da força nem sempre o experimentam como válido. Nos casos em que o regime efetivo existente não recebe aprovação ideológica na consciência jurídica formal dos governados (submetidos), sendo sim obedecido unicamente por temor, estes não o experimentam como um “ordenamento jurídico”, mas sim como um ditado de força ou violência. O governante não é, então, “autoridade” ou “poder legítimo”, e sim um perpetrador de violência, um tirano, um ditador. Isto se aplica, por exemplo, à população de um país ocupado e à sua atitude ante o regime de força que é sustentado unicamente pelo poderio militar, ou às minorias permanentes (nacionais, religiosas, raciais) hostis à maioria governante.

É impossível, todavia, distinguir entre um “ordenamento jurídico” e um “regime de violência”, porque a qualidade de validade que se prestaria para caracterizar o direito não é uma qualidade objetiva do ordenamento ele mesmo, mas apenas uma expressão da maneira na qual o ordenamento é experimentado por um indivíduo. O mesmo ordenamento, portanto, pode ser para uma pessoa um “ordenamento jurídico” e para outra, um “regime de violência”. Ademais, recebendo ou não aprovação, o ordenamento é um fato que requer descrição e que pode ser descrito exatamente da mesma maneira que é descrito um “ordenamento jurídico”, isto é, como normas concernentes ao exercício da força.

Temor e respeito, os dois motivos que caracterizam a experiência do direito, estão reciprocamente relacionados.

O cidadão acatador da lei respeita a polícia. O poder da polícia baseia-se, marjoritariamente, nesse respeito em conjunção com o sentimento que a própria polícia tem de que está exercendo a sua autoridade “em nome da lei”. Em última instância, devem existir normas para o exercício da força que não são, elas mesmas, respaldadas pela força, mas que são acatadas em virtude de um respeito isento de temor. Nenhum Hitler pode aterrorizar uma população sem que, ao menos no âmbito do grupo que maneja o aparato da força, haja uma obediência em alguma medida voluntária. Em última análise, todo poder tem uma base ideológica.

Posto que a obediência é fortalecida pelo costume, toda ordem mantida de fato, incluso aquela que se apóia principalmente na mera força, tende a se transformar numa ordem ideologicamente aprovada. “A força normativa do realismo existente.”

O temor e o respeito, por um lado, a força e a “validade”, por outro, se condicionam reciprocamente, e isto vale tanto para uma análise estática da vida jurídica num determinado momento quanto para uma descrição histórica evolucionista.

Para sua realização, o direito necessita o poder “por trás” de si. Porém, como pode isto ocorrer sem que o direito capitule antes o poder? Como é possível que o poder crie direito? Rende-se este à espada?

Um ponto de vista realista não vê o direito e o poder como opostos. Se por poder social entendemos a possibilidade de dirigir as ações de outros seres humanos, então o direito é um instrumento de poder, e a relação entre os que decidem o que há de ser o direito e os que estão submetidos a esse direito é uma relação de poder.

Há diversas formas típicas de poder: o poder da violência, o poder econômico, o poder espiritual e o poder de personalidade. O poder político ou poder do Estado é exercido mediante a técnica do direito. Todo poder político é competência jurídica. Não existe um poder “nu”, independente do direito e de sua base.

 Na nossa geração a experiência demonstrou tragicamente que é possível para um grupo relativamente pequeno, animado por uma consciência revolucionária, apoderar-se do aparato existente do Estado, mudar o seu pessoal e exercer um domínio que a maior parte da população tem como um regime de violência e terror.

  • § 12. DIREITO, MORAL E OUTROS FENÔMENOS NORMATIVOS

Com essas idéias em mente, prefiro reservar a expressão “ordenamento jurídico” aos sistemas normativos que tenham as mesmas características essenciais de um ordenamento jurídico nacional moderno bem desenvolvido, sem atribuir, contudo, nenhum critério ideológico à expressão, ou seja, sem conferir relevância ao fato de que tal ordenamento é experimentado como um “ordenamento válido” ou um “regime de violência”.

O direito consiste em regras que concernem ao exercício da força. Vista em relação às normas jurídicas derivadas ou normas jurídicas em sentido figurado, a força aparece como uma sanção, isso é, como uma pressão para produzir um comportamento desejado.

O direito consiste não só em normas de conduta, mas também em normas de competência, as quais estabelecem um conjunto de autoridades públicas para aprovar normas de conduta e exercer a força em conformidade com elas.

Diferem em parte segundo o caráter da sanção, e em parte segundo tenham ou não caráter institucional.

A) Há fenômenos normativos que exibem uma estrutura institucional semelhante à do direito, mas que são baseados em sanções distintas da força física.

1)  Associações e organizações privadas. Se diferem do direito pelo fato da sanção disciplinar poder ser de vários tipos até mesmo a expulsão, mas jamais a violência, pois o monopólio desta esta nas mãos do Estado.

2)  Também o direito internacional possui um caráter institucional. O direito internacional, como o direito das associações, carece de regras institucionais para aplicação de sanções mediante a força física.

B) Em toda comunidade há uma tradição cultural viva que encontra expressão em idéias mais ou menos uniformes sobre a conduta que cumpre assumir numa dada situação. A criança é exposta a um bombardeio de impressões que moldam sua postura,  aprende logo as regras do seu meio social, sendo isto um fenômeno individual.

No domínio da moral e dos usos convencionais não há legislador e, igualmente, não há juiz. Quando a palavra “moral” é usada como uma designação para as normas de conduta que são aprovadas pelo indivíduo em sua consciência, não é possível falar da “moral” como fenômeno objetivo da mesma maneira que é possível falar do “direito”.

O motivo que interessa, o temor da sanção motivam um pessoa a agir de tal modo que não a faça merecer a reprovação das outras. O motivo desinteressado, o sentimento de um impulso interior rumo ao que é “correto” a motiva a agir de uma tal maneira que ela própria aprove sua ação.

Sanção

força física

expulsão

reprovação

Fenômeno institucional

Direito

Lei da  associação

Direito internacional

Fenômeno individual

Ex.: regras da vingança privada – não existem no Estado moderno que monopoliza a força

Moral

Usos convencionais

Tende-se a chamar de morais todos os impulsos desinteressados que são experimentados como timbre de “validade” ou “sentimento de achar-se obrigado”. Tomada a palavra moral neste sentido, a consciência jurídica formal tem caráter moral e os fenômenos morais são parte essencial dos fenômenos jurídicos.

É óbvio que é necessário haver um grau considerável de harmonia entre um e outras, já que um e outros estão radicados em valorações fundamentais comuns, na tradição cultural da comunidade. O ordenamento jurídico e as atitudes morais se acham também em relação de cooperação recíproca. As instituições do direito constituem um dos fatores do meio ambiente que moldam as atitudes morais individuais. Estas últimas, por sua vez, constituem parte dos fatores práticos que, através da consciência jurídica moral contribuem para moldar a evolução moral do direito.

Por outro lado, certas diferenças típicas se manifestam resultando numa difícil comparação real entre direito e moral. As regras jurídicas tendem a ficar cristalizadas em conceito que visam lograr certeza e objetividade na administração da justiça. A experiência moral sempre assume suas manifestações mais vivas na decisão concreta ajustada a uma situação particular e a esta situação exclusivamente.

É por isso que a tendência do direito para uma racionalização sob a forma de conceitos só é obtenível ás expensas do desejo moral de alcançar soluções adequadas aos casos concretos. Com freqüência o ajuste ou adequação ocorre simplesmente porque as regras do direito prescrevem que o juiz se oriente pelos padrões morais correntes.

O direito e a moral diferem consideravelmente quanto aos seus efeitos na vida social. Visto que o direito é um fenômeno social, uma ordem integrada comum que busca o monopólio da força, é sempre uma ordem para a criação de uma comunidade que colima a manutenção da paz. Em certo sentido, pode-se afirmar que o propósito do direito é a paz, na medida em que todo ordenamento jurídico, qualquer que seja seu conteúdo, é produtor de paz – embora não passe de paz da prisão. A moral, por outro lado, é um fenômeno individual, podendo com a mesma facilidade arrastar os seres humanos ao conflito ou uni-los. Ideias morais conflitantes, por certo, podem constituir uma fonte de discórdia do tipo mais profundo, mais perigoso e menos controlável.

  • § 13. DISCUSSÃO: IDEALISMO E REALISMO NA TEORIA JURÍDICA

Direito vigente: pode ser caracterizada como teoria jurídica realista em contraposição à teoria jurídica idealista.

Existem dois mundos distintos: o mundo da realidade, que abarca todos os fenômenos físicos e psíquicos no tempo e no espaço que apreendemos por meio da experiência dos sentidos, e o mundo das idéias ou validade que abarca vários conjuntos de idéias normativas absolutamente válidas (a verdade, o bem e a beleza) que apreendemos imediatamente por meio de nossa razão.

 O conhecimento do direito, por conseguinte, está simultaneamente fundado tanto na experiência externa quanto no raciocínio a priori. O direito é um fenômeno da realidade na medida em que seu conteúdo constitui um fato histórico que varia de acordo com o tempo e lugar, que foi criado por seres humanos e que depende de fatores externos de poder. Mas a validade não é meramente uma qualidade percebida por intuição; é também uma exigência ou pretensão, que obriga de forma absoluta à ação humana e à vontade humana.

A diferença entre direito e a moral pode, segundo o ponto de vista idealista, ser expressa da seguinte maneira: enquanto a norma moral se origina na pura razão, inclusive no seu conteúdo, a validade do direito se vincula a um conteúdo terreno e temporal – o direito positivo com seu conteúdo historicamente determinado. Amoral é pura validade; o direito é simultaneamente fenômeno e validade, uma intersecção entre a realidade e a idéia, ou a revelação de uma validade da razão no mundo da realidade.

Há duas variedades principais de idealismo que podem ser denominadas a material e a formal;

A variedade material poder-se-ia dizer, toma o idealismo a serio.  A idéia específica que se manifesta no direito é a idéia de justiça. Não só outorga um ideal para a apreciação do direito positivo, como também constitui o direito, isto é, é o principio inerente a este que lhe confere sua força obrigatória e validade como tal.

A variedade formal aceita, sem reservas, como direito qualquer ordem vigente no mundo dos fatos. O conhecimento do direito não visa à descrição de algo fatual, mas sim à apreensão do que é válido. A apreensão da existência de uma norma é a mesma coisa que a apreensão da validade dela. Contudo, a validade de uma norma jamais pode derivar-se de um fato natural, mas apenas de outra norma superior. Trata-se da norma básica (Grundnorm), ou hipótese inicial, cuja única função é outorgar validade à Constituição. O conhecimento do direito, portanto, através de todas as etapas, consiste em enunciados normativos acerca do que deve ser válido, e não em enunciados acerca do que efetivamente ocorre.

Duas proposições básicas: 1) o direito é um conteúdo ideal normativo estabelecido mediante atos históricos humanos, mas que em si difere destes; 2) o direito possui validade por direito próprio, isto é, independentemente de sua concordância com postulados éticos. A ciência do direito é uma doutrina normativa especifica, e não é nem conhecimento da realidade nem direito natural.

As idéias de validade são construções da metafísica eregidas com base numa falsa interpretação da força obrigatória experimentada na consciência moral. A ciência do direito tem que ser, em última análise, um estudo dos fenômenos sociais, a vida de uma comunidade humana; e a tarefa da filosofia do direito deve constituir na interpretação da vigência do direito em termos de efetividade social, isto é, de uma certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos sociais.

A escola escândinava do pensamento também é realista no sentido no qual empregamos o termo, na medida em que vê o direito um fenômeno social determinado pela aplicação do direito pelos tribunais.

Esta é a posição relativa das duas principais tendências na filosofia do direito, ou seja, o idealismo metafísico e o realismo científico. A controvérsia  entre o idealismo e o realismo na filosofia do direito se dissolve, necessariamente, em problemas fundamentais de epistemologia.

Mas então fica claro que, na realidade,  a efetividade é o critério do direito positivo; e que a hipótese inicial, uma vez que sabemos que é direito positivo, apenas cumpre a função de outorgar-lhe validade que é exigida pela interpretação metafísica da consciência jurídica, embora ninguém saiba no que consiste tal validade.

  • §14. DISCUSSÃO: REALISMO PSICOLÓGICO, REALISMO COMPORTAMENTISTA E SUA SÍNTESE

Todas as teorias realistas concordam em interpretar a vigência do direito como em termos de efetividade social das normas jurídicas. Uma norma vigente difere de um mero projeto de lei ou de uma petição de reforma legislativa porque o conteúdo ideal normativo da norma vigente é ativo na vida jurídica da comunidade- há um direito em ação que corresponde ao direito nas normas. Resta definir com maior precisão essa “ser ativo”.

O realismo psicológico descobre a realidade do direito nos fatos psicológicos. Uma norma é vigente se é aceita pela consciência jurídica popular.

Teremos que nos indagar se a regra é aceita pela consciência jurídica popular. O que é decisivo é a aceitação da regra por parte da consciência jurídica.

A objeção principal ao realismo psicológico é que consciência jurídica é um conceito que pertence à psicologia do indivíduo. Realismo converte o direito num fenômeno individual que se acha num plano idêntico ao da moral. O realismo comportamentista encontra a realidade do direito nas ações dos tribunais. Uma norma é vigente se houver fundamentos suficientes para se supor que será aceita pelos tribunais como base de suas decisões.

Só se é possível atingir uma interpretação sustentável da vigência do direito por meio de uma síntese do realismo psicológico e do realismo comportamental, que foi o que tentei explicar no presente capítulo. Minha opinião é comportamentista na medida em que visa a descobrir consistência e previsibilidade no comportamento verbal externamente observado do juiz; é psicológica na medida em que a aludida consistência constitui um todo coerente de significado e motivação, somente possível com base na hipótese de que em sua vida espiritual o juiz é governado e motivado por uma ideologia normativa cujo conteúdo nós conhecemos.

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